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CPMI quer culpar milirares por debate sobre intervenção
Debate sobre artigo 142 da Constituição possibilitar intervenção foi amplo na sociedade| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Membros da oposição na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) estão protestando contra a tentativa da maioria governista de não apenas incriminar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como líder de um suposto golpe de Estado fracassado, mas também de culpar um pequeno grupo de militares por apoiar a alegada "conspiração".

Parlamentares e analistas dizem suspeitar que o vazamento na quinta-feira (21) de parte do depoimento à polícia do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, deu origem a uma caçada seletiva contra militares que apoiaram o ex-presidente. O vazamento de informações ocorreu por meio de reportagens do UOL e do jornal O Globo.

Cid teria dito à polícia que Bolsonaro se reuniu com membros da cúpula das Forças Armadas no Palácio da Alvorada para debater a possibilidade do acionamento do artigo 142 da Constituição para restabelecer a ordem institucional após as eleições de 2022.

Segundo os vazamentos, o almirante Almir Garnier, da Marinha, teria sido o único comandante de força a apoiar o instrumento na reunião, que resultaria em uma intervenção militar na política do país.

A Gazeta do Povo apurou que Bolsonaro se reuniu com comandantes das Forças Armadas. Mas Garnier não teria sido o único favorável ao uso do artigo 142 da Constituição. Ao menos dois generais do Alto Comando do Exército, que também eram favoráveis, participaram de reuniões com Bolsonaro e com o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes.

Esses generais diziam acreditar que não se tratava da defesa de um golpe de Estado. Na visão deles, o artigo 142 permitiria que a ordem nas instituições fosse restabelecida no país pelas Forças Armadas dentro da lei. A ação seria motivada por desmandos do Judiciário e por alegada falta de transparência e desproporcionalidade no processo eleitoral - particularmente devido à concessão de menor tempo de propaganda eleitoral no rádio para Bolsonaro.

O então comandante Freire Gomes levou a discussão para o Alto Comando do Exército, onde pelo menos outros dois generais se mostraram favoráveis. Assim, ao menos quatro dos 17 generais apoiaram o uso do artigo 142. Além deles, havia uma grande parcela do oficialato e dos praças favoráveis à opção e não apenas Garnier. Isso desmente a afirmação feita pelo Ministro da Defesa de que "em momento algum" as Forças Armadas se interessaram pela intervenção.

Mas o então comandante Freire Gomes decidiu de forma contrária à intervenção e cessou o debate do assunto no Exército. Bolsonaro também descartou a possibilidade, que depois acabou sendo amplamente interpretada como equivocada.

O uso do artigo 142 da Constituição para se promover uma intervenção militar para restabelecer a ordem institucional no país é considerado no jargão da área jurídica como um "erro de proibição" quanto a que uma norma constitucional autoriza. Ou seja, não se desejava atuar à revelia da Constituição para promover um golpe. Mas se a intervenção fosse realizada poderia ser considerada crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (descrito no artigo 359-L do Código Penal) ou de golpe de Estado (artigo 359-M do mesmo Código).

Discutir o artigo 142 da Constituição não é um ato criminoso, diz deputada

A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) argumenta que o fato de militares de alta patente se reunirem para discutir um artigo constitucional (142), que nunca fora acionado, não pode ser considerado um ato criminoso. Para ela, o simples ato de discussão não é crime. A parlamentar acredita que, apesar de o Supremo Tribunal Federal considerar o 8 de janeiro como ação de golpistas, havia uma sensação generalizada de perplexidade e preocupação no país em relação aos resultados das urnas e à percepção de parcialidade no processo eleitoral. “A conversa entre os militares, como entre os cidadãos, refletiu essa mesma preocupação”, disse.

O analista político Juan Carlos Gonçalvez, do think tank Ranking dos Políticos, disse que há liberdade de pensamento no país, por isso nem Bolsonaro nem os militares podem ser culpados de desrespeitar a Constituição por causa das reuniões.

"Pensar é diferente de executar. Ficar no campo da hipótese é questão de liberdade de pensamento. Pelo que sabemos, nenhuma ideia foi levada adiante", afirmou.

Segundo ele, apesar do artigo 142 ter sido debatido amplamente na sociedade, no Congresso e na alta cúpula das Forças Armadas, parlamentares governistas da CPMI tentam agora usar o vazamento do depoimento de Cid para tentar culpar somente Bolsonaro e apenas um pequeno grupo de militares que o apoiaram.

Convocações de militares para CPMI tiram foco de omissões do governo

O ex-comandante da Marinha Almir Garnier passou a ser um dos principais alvos da CPMI e ainda pode ser convocado para depor. O general da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional sob Bolsonaro (e nem foi citado por Cid) também acabou chamado para depor na próxima terça-feira (26). O ex-ministro e ex-candidato a vice de Bolsonaro, general da reserva Walter Souza Braga Netto, já estava com depoimento marcado para o dia 5 de outubro. Essas convocações indignaram membros da oposição.

“Tínhamos o compromisso do presidente da CPMI de só pautar novas convocações em bloco e todas acordadas previamente. Os membros do governo, contudo, estão tentando tirar de vez o foco da comissão, que deveria ser os reais responsáveis e os omissos nos atos do 8 de janeiro”, afirmou o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) à Gazeta do Povo.

“Enquanto não se ouve o comandante da Força Nacional, com pelotões que não atuaram para impedir atos de vandalismo, governistas e parlamentares comprados pelo governo seguem tentando dissuadir a verdade com factoides”, protestou.

Defesa, Exército e presidente da CPMI tinham acordo para não convocar militares para CPMI

O vazamento seletivo também causou constrangimentos à cúpula das Forças Armadas e abalou o acordo anteriormente costurado entre governo, generais e parlamentares para evitar que militares da ativa e da reserva fossem arrastados para o ringue político da CPMI.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também teria revelado preocupação com as consequências desses embates. A prudência para não envolver membros da ativa das Forças Armadas estava contando com a colaboração inclusive de decisões dos ministros André Mendonça e Kássio Nunes Marques, do STF, para suspender a vinda de depoentes.

O acordo celebrado entre Maia, o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o comandante do Exército, general Tomás Paiva, previa que as forças só tomariam providências em relação a militares investigados pelo Supremo Tribunal Federal depois da conclusão dos inquéritos. Essa posição foi reafirmada por Paiva, apesar de toda a pressão midiática.

O tenente-coronel Mauro Cid deve retornar à comissão, mas avisou que novamente ficará em silêncio. A proposta de uma acareação entre Bolsonaro e Cid foi rejeitada por Arthur Maia, que busca manter o foco na conclusão dos trabalhos até 17 de outubro.

Convocações de governistas visavam sustentar narrativa específica na CPMI

O relatório final da CPMI do 8 de janeiro pedirá o indiciamento de Bolsonaro por pelo menos quatro crimes, incluindo golpe de Estado, escuta telefônica ilegal, incitação ao crime e autoacusação falsa. O cerne do relatório é a narrativa de que o vandalismo na Praça dos Três Poderes representou uma tentativa fracassada de golpe liderada por ele.

A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) também acredita que o vazamento seletivo da delação de Cid evidencia a intenção dos apoiadores do governo de afunilar as investigações apenas para alguns oficiais das Forças Armadas e outros militares de menor destaque, diante da dificuldade de sustentar alguma culpa diretamente a Bolsonaro. “É curioso que o ex-presidente, o principal acusado de conspirar um golpe de Estado, continue sendo a única pessoa sobre a qual não há evidências de incitação”, disse à Gazeta do Povo.

A deputada considera absurda a ideia de que Bolsonaro estava incitando movimentos de protesto visando a um golpe que culminou no 8 de janeiro. Ela disse acreditar que parte dos governistas na CPMI deseja o confronto direto com as Forças Armadas, enquanto outra parte teme essa abordagem.

Em sua opinião, a liderança da comissão selecionou muitas testemunhas para favorecer uma narrativa específica, mas deliberadamente excluiu aqueles que poderiam fornecer esclarecimentos, sobretudo os detidos de forma arbitrária.

“Embora a minoria da oposição possa ter perdido em votações e no relatório oficial, ela conseguiu mostrar ao público que o governo não está disposto a investigar o que realmente aconteceu, incluindo a recusa do ministro da Justiça em fornecer as imagens do dia captadas em seu ministério”, sublinhou. Para a deputada, o 8 de janeiro foi usado para perseguir e “extirpar adversários políticos”, como afirmou o próprio Lula.

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