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Lula - Mercosul - Milei - Macron - Maduro - Venezuela - Guiana - União Europeia
Lula quer convencer Opep a não utilizar petróleo.| Foto: EFE/Andre Borges

A presidência do Brasil no Mercado Comum do Sul (Mercosul) não obteve o resultado almejado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lula encerrou a presidência temporária do bloco da mesma forma que entrou: sem a conclusão do acordo de livre comércio com a União Europeia. Enquanto busca protagonismo na América do Sul, figuras como o presidente da França, Emmanuel Macron, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente eleito na Argentina, Javier Milei, colocam em xeque a liderança do petista na região.

O Brasil sediou na última quinta-feira (7) uma cúpula com todos os países-membros do bloco [Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai], na qual passou a presidência ao Paraguai, que comanda o grupo pelos próximos seis meses. O grupo também anunciou, oficialmente, a integração da Bolívia. No encontro, o petista planejava anunciar a ratificação do tratado com a União Europeia, mas a sombra de Macron, Milei e Maduro atrasaram, mais uma vez, os planos de Lula.

Enquanto corria para fechar o acordo durante a presidência do Brasil no Mercosul, Emmanuel Macron fez duras críticas ao acordo às vésperas da cúpula planejada por Lula. Durante participação na COP 28, o líder francês chamou o acordo de “contraditório” e “antiquado”. “Sou contra o acordo Mercosul-UE, porque acho que é um acordo completamente contraditório com o que ele [Lula] está fazendo no Brasil e com o que nós estamos fazendo [...] Não leva em conta a biodiversidade e o clima dentro dele. É um acordo comercial antiquado que desmantela tarifas”, disse Macron. Para o petista, fechar o tratado seria uma oportunidade de mostrar sua força política e seguir na sua tentantiva de alcançar o status de líder internacional.

Ao mesmo tempo, Lula ainda precisa lidar com as tensões que têm se desenrolado em seu quintal. Nas últimas semanas, o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, tem ameaçado invadir a Guiana com a intenção de anexar a região do Essequibo ao seu território. A área, que pertence à Guiana e corresponde a cerca de 70% do seu território, é rica em petróleo e minerais.

A cúpula de quinta-feira também foi marcada pela incerteza que o bloco pode enfrentar a partir da próxima semana, quando o libertário Javier Milei assume a presidência da Argentina. Com a mudança de governo no país, o Brasil se torna minoria ideológica no bloco que, a partir de agora, ao lado da Bolívia, são as únicas nações lideradas por presidentes de esquerda.

Macron foi “pedra no sapato” de Lula nas negociações do acordo Mercosul e União Europeia 

Em negociação há mais de 20 anos, Mercosul e União Europeia têm divergido sobre os termos do acordo que pode se transformar na maior negociação entre blocos do mundo. Nos últimos meses, o bloco sul-americano chegou a adotar uma postura “flexível” para conseguir ratificar o tratado que estima movimentar cerca de R$ 600 bilhões. Mas nem mesmo isso impulsionou sua conclusão.

Desde que assumiu o terceiro mandato, Lula assumiu a ratificação do acordo como uma prioridade do seu governo. Quando assumiu a presidência temporária do bloco, nos últimos seis meses, a diplomacia brasileira entrou em longas negociações com os organismos europeus para tirar o acordo do papel.

No início deste ano, após pressão francesa, a União Europeia enviou uma espécie de side letter ao Mercosul — um documento com uma série de exigências adicionais para serem incluídas ao documento. O movimento foi uma forma de rediscutir e reavaliar o acordo sem que ele volte à estaca zero. As exigências aprovadas pelo Parlamento Francês foram consideradas uma ameaça por parte de Lula.

Além de fazer novas imposições ambientais, a França sugeriu que poderia suspender o acordo a qualquer momento em caso de descumprimento de alguma das cláusulas pelo Mercosul. "A União Europeia não pode ameaçar o Mercosul se o Mercosul não cumprir isso ou aquilo. Olha, se nós somos parceiros estratégicos, você não tem que fazer ameaças, você tem que ajudar”, disse Lula sobre as imposições europeias.

Sob a presidência temporária do Brasil, o Mercosul formulou uma resposta à side letter e a enviou para a União Europeia. Desde então, o Itamaraty havia adotado uma postura positiva sobre a conclusão do acordo, indicando que a conclusão, de fato, poderia acontecer ainda nesta semana. As declarações de Macron afirmando sua oposição ao tratado, por outro lado, demonstraram que o fechamento do acordo está longe de ocorrer.

Para que seja ratificado e finalmente colocado em prática, é preciso que os cinco países do Mercosul e os 27 da União Europeia aprovem os temas acordados. Enquanto o bloco sul-americano tem se mostrado um entusiasta das negociações, alguns países europeus não querem fechar o acordo.

Levantamento realizado pela Gazeta do Povo revelou que sete países já se manifestaram publicamente contra o acordo. São eles: Áustria, Bélgica, França, Irlanda, Luxemburgo, Holanda e Polônia. As justificativas para não concordarem com o tratado variam entre proteção a agricultores locais, preocupações ambientais e sanitárias.

Sem críticas a Maduro, conflito entre Guiana e Venezuela ofuscou cúpula  

A tensão entre Venezuela e Guiana foi um dos principais temas das discussões entre os presidentes do Mercosul que marcaram presença no Rio de Janeiro nessa quinta-feira (7). Após o dia de reuniões, contudo, o bloco publicou uma nota sem qualquer crítica ou condenação às ameaças que Nicolás Maduro tem feito à Guiana.

No texto de apenas cinco linhas publicado pelo Ministério das Relações Exteriores, o bloco expressa “profunda preocupação com a elevação das tensões” entre os dois países e orienta o “diálogo e à busca de uma solução pacífica da controvérsia”. Para especialistas, a nota divulgada pelo Mercosul adotou uma postura branda demais.

Membros do governo revelaram à reportagem que o Brasil, especialmente, não tem interesse em adotar um discurso mais duro em relação à Venezuela. A intenção é não perder o “canal de diálogo” estabelecido entre as duas nações. Além dos países-membros do Mercosul, Chile, Colômbia, Equador e Peru assinaram a nota.

Desde o início da tensão fronteira brasileira, Lula evitou fazer comentários sobre a situação. A primeira vez que falou sobre o tema foi no último domingo, quando encerrava sua participação da COP 28. Em conversa com jornalistas, o petista pediu “bom senso” dos dois países para que a situação não evolua para uma guerra. Discurso parecido foi adotado por ele nessa quinta, quando voltou a falar sobre a tensão entre os vizinhos sul-americanos.

Lula tem evitado fazer declarações sobre o tema para não se comprometer, como aconteceu quando o petista fez comentários sobre os conflitos na Europa e no Oriente Médio. Ao abordar as guerras entre Rússia e Ucrânia, Israel e Hamas, Lula afirmou que trabalharia para intermediar tais tensões e fez declarações contraditórias sobre os conflitos. No primeiro caso, ele equiparou a culpa pela guerra entre Rússia, o país invasor, e a Ucrânia, país invadido.

As afirmações deixaram Lula em uma saia justa com diversos outros países e rendeu críticas dos Estados Unidos e de países europeus. Neste momento, o petista tem buscado uma postura mais distante sobre o conflito. Por outro lado, o mandatário brasileiro também tem demonstrado preocupação com uma possível escalonada das tensões.

Se um conflito armado eclodir na América do Sul atrapalha, isso atrapalharia os planos de integração que Lula deseja para a região. Nos últimos meses, o petista realizou diversos movimento em defesa de Nicolás Maduro e uma tentativa de recolocar a Venezuela nas discussões internacionais.

Uma fonte do Palácio do Itamaraty ainda revelou que o Brasil se colocou à disposição para intermediar os diálogos entre Venezuela e Guiana, mas que, até o momento, o país de Maduro não tem se mostrado aberto ao diálogo. Por outro lado, o presidente da Guiana, Irfaan Ali, já buscou contato com o Brasil algumas vezes com a esperança de que o país - e Lula especialmente - utilize a proximidade com a Venezuela para impedir que Maduro invada seu território.

Mesmo sem ter tomado posse, Milei foi pauta da cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro 

A vitória de Javier Milei na Argentina também foi um dos temas em discussão entre os países membros do Mercosul. Isso porque o presidente eleito da Argentina chegou a fazer algumas declarações em oposição ao bloco. Mas, desde que foi eleito, o libertário passou a adotar um discurso mais ameno sobre o grupo sul-americano.

Ainda assim, a troca de governo na Argentina causa preocupação a Lula. No último ano, o petista manteve uma relação bem próxima com o pais vizinho devido à amizade com o então presidente do país, Alberto Fernández. Amigos de longa data, Fernández chegou a visitar Lula na prisão em 2018.

Durante a cúpula do bloco no Rio de Janeiro, Lula iniciou o discurso de abertura com uma dedicatória a Alberto Fernández. “Caro Alberto, você sabe do apreço que tenho por você, por ter sido sempre correto e altivo para enfrentar os tempos de turbulência regional e internacional que lhe tocaram na presidência. Você teve que enfrentar uma pandemia e uma seca, merecia melhor sorte no seu período. E nossa amizade segue, não é uma amizade de mandato”, disse Lula.

Um grande aliado na América do Sul e no Mercosul, Lula não terá essa proximidade com a Argentina durante o mandato de Milei. Além de já ter feito duras críticas ao brasileiro, o libertário mantém uma linha ideológica que diverge de Lula.

O Palácio do Planalto e o Itamaraty já estudam que a relação entre os dois deve ser “fria” e “diplomática”. Para analistas, o mesmo deve ocorrer com os blocos regionais. Milei e sua ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, anunciaram que o país não vai deixar o Mercosul. O Itamaraty imagina, contudo, que Milei deve ter uma participação menos efetiva no bloco.

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