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Caso Filipe Martins

Decisão de Moraes “ataca” advocacia e garantias fundamentais, diz defesa de Filipe Martins

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e Filipe Martins, ex-assessor especial do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) (Foto: Nelson Jr./SCO/STF e MRE)

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A defesa de Filipe Martins, ex-assessor especial do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), contestou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que impôs multa R$ 20 mil por conta de uma publicação feita pelo advogado de Filipe, o desembargador aposentado Sebastião Coelho, no Instagram, em outubro de 2024.

Além da multa, Moraes deu 24 horas para a defesa de Filipe explicar a publicação sob pena de “conversão das medidas cautelares em prisão”. A decisão de Moraes foi publicada na segunda-feira (7).

Segundo Moraes, Filipe teria descumprido as medidas cautelares ao ser filmado em silêncio pelo seu advogado durante ida ao Fórum de Ponta Grossa, no Paraná.

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Desde agosto de 2024, Filipe está proibido de usar redes sociais. Ele também está usando tornozeleira eletrônica e teve cancelado o passaporte, Além disso, Moraes mandou suspender eventual porte de arma de Filipe.

A decisão, segundo os advogados, é um "ataque sem precedentes à advocacia e às garantias fundamentais", além de ser “juridicamente insustentável, institucionalmente grave" e revelar "mais uma tentativa de intimidar a atuação técnica e independente da advocacia”.

"Precedente perigoso"

“A medida, proferida de ofício e sem provocação da Procuradoria-Geral da República ou da Polícia Federal, tem como suposto fundamento uma publicação feita exclusivamente por um de seus advogados, o Dr. Sebastião Coelho, em seu próprio perfil pessoal no Instagram – sem que houvesse qualquer manifestação de Filipe Martins ou qualquer conduta que viole as cautelares impostas, de modo que não se pode imputá-la ao cliente sem uma deliberada e inaceitável confusão entre defensor e defendido”, diz um trecho de uma nota enviada pela defesa à Gazeta do Povo, nesta terça-feira (8).

A defesa lembrou que o próprio juiz da Comarca responsável pelo acompanhamento das cautelares — com aval expresso do Ministério Público local — certificou o “cumprimento zeloso de todas as obrigações impostas a Filipe Martins há mais de 240 dias, não havendo qualquer fundamento fático ou jurídico para medidas mais gravosas”.

Segundo os advogados, a decisão de Moraes ignora o princípio constitucional da pessoalidade das medidas cautelares e expande indevidamente restrições ao exercício legítimo da defesa técnica. Os advogados destacam que a ordem de Moraes abre um precedente perigoso e incompatível com o Estado de Direito.

“Estamos diante de uma decisão que confunde deliberadamente o defensor com o defendido. Isso atinge o núcleo da advocacia e viola frontalmente as prerrogativas previstas na Constituição Federal”, afirmou o criminalista Marcelo Almeida Sant’Anna, que assinou a defesa de Filipe junto com os demais advogados.

"Falta de contemporaneidade na publicação" 

A defesa também aponta a ausência de contemporaneidade na publicação do advogado Sebastião Coelho— ocorrida há quase 6 meses — e destaca que a ameaça de prisão contra Filipe se dá às vésperas de audiência marcada na ação judicial que tramita nos EUA, na qual a defesa busca esclarecer as fraudes documentais no sistema migratório americano, surgidas após a prisão preventiva de Filipe Martins no Brasil.

Segundo os advogados, a ameaça representa “constrangimento indireto” e uma tentativa de obstrução da articulação internacional da defesa.

“É emblemático que, enquanto a defesa luta pela elucidação de fraudes documentais perante cortes americanas, seja surpreendida por uma tentativa de constrangimento judicial no país. O contraste revela muito sobre os métodos em curso”, declarou o advogado Ricardo Schieffer, que também atua na defesa de Filipe.

Petição

Na petição enviada a Moraes, nesta terça-feira (8), os advogados de Filipe listaram diversas medidas pendentes de análise no próprio STF,  incluindo:

  • agravos sobre impedimento e suspeição do Ministro Alexandre de Moraes;
  • requerimentos sobre provas essenciais ainda não disponibilizadas para a defesa;
  • esclarecimentos sobre as circunstâncias da detenção ilegal de advogado no exercício de suas funções e;
  • pedidos de entrevistas feitos por inúmeros veículos de imprensa “que, apesar de apresentarem contemporaneidade e urgência, seguem sem despacho”.

“É paradoxal que o STF, guardião da Constituição, imponha censura a uma manifestação de advogado, enquanto nega prestação jurisdicional básica em petições essenciais ao exercício do direito de defesa”, observa o advogado Edson Marques, que também assina a petição.

A defesa pede a revogação imediata da multa, a declaração de ineficácia da decisão e o cumprimento do devido processo legal. 

A defesa de Filipe ainda destacou que pedirá a intervenção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) através do Conselho Federal e das Seccionais dos Estados “em face das sucessivas violações às prerrogativas profissionais e institucionais observadas nos autos, com graves prejuízos para o trabalho dos advogados e para os direitos e garantias de seu cliente”.

Medidas cautelares

Os advogados também protocolaram um pedido de Medidas Cautelares junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

O objetivo, segundo a defesa, “é garantir proteção internacional diante de violações reiteradas às garantias judiciais (art. 8°) e às garantias de proteção judicial (art. 25) previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário”.

“Quando o sistema interno se mostra estruturalmente hostil à defesa e aos direitos fundamentais de uma pessoa inocente, é não apenas legítimo como necessário acionar os mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos. A penalização do cliente por um ato praticado por seu advogado configura desvio de finalidade judicial e uma grave violação às prerrogativas da advocacia", disse o desembargador aposentado Sebastião Coelho, que subscreve a petição.

"O que se busca é calar o defensor por meio da coação do defendido, algo que somado às demais violações de prerrogativas que temos enfrentado representa um ataque sem precedentes à advocacia brasileira, o que precisa ser denunciado para a comunidade internacional”, concluiu.

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Relembre o caso

Filipe ficou preso durante seis meses a mando do ministro Alexandre de Moraes, sob alegação de "risco de fuga".

A ordem de prisão teve como embasamento um arquivo desatualizado do Microsoft Word com uma lista de passageiros do voo presidencial de 30 de dezembro de 2022 para Orlando, nos Estados Unidos, em que supostamente constaria o nome do ex-assessor.

A informação sobre uma suposta entrada Filipe nos EUA em dezembro de 2022 foi usada por Moraes para ordenar a prisão do ex-assessor de Bolsonaro sob a acusação de participação em uma suposta trama de golpe de Estado.

Acontece que a defesa de Filipe já comprovou, mediante confirmação de companhia aérea, que ele não viajou com a comitiva de Bolsonaro para Orlando, mas ficou no Brasil e foi para Curitiba (PR), o que contrariou a tese da Polícia Federal (PF) de que o ex-assessor havia planejado uma fuga.

A própria Alfândega de Proteção de Fronteiras de Orlando nos Estados Unidos já revelou que não tem registros de entrada de Filipe Martins no país em 30 de dezembro de 2022, como diz a acusação que ensejou a ordem de prisão assinada por Moraes.

Indícios de fraude no sistema migratório

Em fevereiro deste ano, a defesa de Filipe apresentou um pedido judicial ao Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (United States Department of Homeland Security) para liberação integral do histórico de entradas e saídas de Filipe nos Estados Unidos registrados na Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (CBP, sigla em inglês).

A defesa também pediu acesso a todos os metadados sobre quem inseriu, editou ou removeu qualquer informação de todas as entradas e saídas de Filipe nos EUA. Além disso, a defesa quer uma apuração sobre eventual fraude no sistema da Alfândega.

Na semana passada, o juiz Gregory A. Presnell, da Justiça da cidade de Orlando, nos Estados Unidos, agendou para 9 de abril a audiência em que a defesa de Filipe Martins questiona o governo americano sobre possíveis falhas, distorções ou até mesmo fraude no registro migratório.

Caso Filipe seja preso por ordem de Moraes, ele ficará impedido de participar da audiência marcada pela Justiça dos EUA.

Vale ressaltar que quando a defesa de Filipe demonstrou a inconsistência no registro do CBP, tendo em vista a permanência de Filipe no Brasil, Moraes indicou que pediria esclarecimentos à diplomacia.

A defesa concordou com a determinação do ministro sob a condição de que fossem também pedidos os metadados para descobrirem quem havia acessado ilegalmente o sistema. Moraes ignorou o pedido da defesa.

Se comprovada a violação no sistema do governo americano, independente da fraude, os eventuais responsáveis poderão ser condenados a uma pena de 10 a 20 anos de prisão.

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