Plataforma do governo federal tem 98.241 óbitos cadastrados de pessoas que nunca foram identificadas.| Foto: Daniel Castellano/Arquivo Gazeta do Povo

"Este ministério tratava do ser humano desde o momento da concepção até ficar idoso. Mudou: agora vai ser pós-morte, também", afirmou, sob risadas da plateia, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, num evento, em julho, que celebrava os 200 primeiros dias de seu governo.

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Para a ministra, o país enfrenta um problema grave relacionado ao sepultamento de corpos de indigentes. "No Brasil, não existe nenhum estatuto, nenhum regramento para o sepultamento. Cada cidade faz como quer. Muitas pessoas são sepultadas como indigentes e, por conta disso, nós estamos recebendo muitas denúncias de comercialização de corpos", disse.

Sérgio Queiroz, secretário de Proteção Global da pasta de Damares Alves, afirma que o ministério começou a trabalhar para solucionar esse problema. Segundo ele, sua secretaria tem um projeto de ampliar as funções da Coordenação-Geral de Direito à Memória e à Verdade e Apoio à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, transformando-a num órgão especializado em pessoas desaparecidas de todos os tipos.

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"Provavelmente, muito em breve, vamos alterar a legislação do decreto sobre a coordenação, para que se volte aos desaparecidos em geral, para falar não só de desaparecidos do passado, mas dos mortos do presente", afirma.

De acordo com o secretário, entre os "desaparecidos em geral" se incluem "pessoas que somem nas ruas, que perdem documento, que morrem e às vezes não são bem identificadas". O órgão trabalharia com "as questões da memória, esse valor que se dá à memória".

Com essa nova atribuição, a comissão ajudaria a unificar a regulamentação do sepultamento de indigentes e trabalharia para criar meios de facilitar a identificação desses mortos.

Estatísticas incompletas

O problema dos indigentes sepultados de forma indigna é real, mas não há muitas estatísticas que esclareçam sua dimensão precisa. Em São Paulo, um dos poucos municípios cuja prefeitura divulga periodicamente na internet um registro público organizado de indigentes sepultados pelo Instituto Médico Legal (IML), 444 mortos cujos corpos não foram reclamados por familiares foram sepultados gratuitamente em 2018. Desses, 160 são de pessoas desconhecidas, enterradas sem identificação.

Não há uma estatística anual semelhante em âmbito nacional publicada pelo governo federal. Mas, no Portal da Transparência, há a seção "Central Nacional de Óbitos de Pessoas Não Identificadas", que unifica óbitos registrados em todo o país. A plataforma tem 98.241 óbitos cadastrados de pessoas que nunca foram identificadas.

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Questões culturais

Para Sérgio Queiroz, há fatores culturais no Brasil que intensificam o problema da falta de dignidade do sepultamento.

"Há muitas migrações inter-regionais, o êxodo, muitas vezes até do semiárido do Nordeste para cidades. As pessoas chegam lá para ganhar a vida, às vezes perdem um documento, ou nem têm documentação, ficam na rua e morrem. Às vezes, a família jamais encontra aquele desaparecido", diz.

A ministra Damares Alves acredita que a melhor forma de resolver questões como essa é padronizar os procedimentos adotados pelo Estado em relação a indigentes mortos. "Queremos estabelecer um padrão nacional. Quem sabe, uma coleta de dados de DNA dos corpos, para uma futura identificação. É necessário regulamentar isso", diz.

Queiroz considera que algumas ferramentas tecnológicas podem contribuir para tornar a coleta de dados de DNA factível. "Entendemos que é um desafio muito grande, mas há tecnologia de identificação de corpos que podem ser usadas para minimizar a quantidade de pessoas desaparecidas", afirma.

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