Aviões da FAB foram usados para viagens ao exterior| Foto: Ten. Enilton
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A demissão de Vicente Santini do cargo de secretário-executivo da Casa Civil, motivada pelo uso de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir em viagem oficial da Suíça à Índia, pode ser o impulso necessário para que o Senado vote um projeto que cria regras ainda mais restritas para a utilização de aeronaves das Forças Armadas. A proposta é de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS) e pode ser votada, no início de fevereiro, na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado.

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A iniciativa de Lasier acaba com a possibilidade do uso dos aviões para o retorno das autoridades para suas cidades de domicílio permanente e também cria a obrigatoriedade da divulgação via internet, a cada trimestre, das viagens efetuadas nas aeronaves da FAB. Este mesmo relatório deverá, segundo a proposição, ser encaminhado para apreciação do Tribunal de Contas da União (TCU).

Mas, ainda que prospere no Senado e depois na Câmara, a proposta de Lasier pode enfrentar problemas jurídicos. Em 2013, uma iniciativa do então deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) de objetivo semelhante não teve vida longa.

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O projeto tramitou por apenas 15 dias na Câmara e acabou derrubado sob a alegação de que a gestão das regras para o uso das aeronaves é uma competência exclusiva do presidente da República, e portanto não poderiam ser modificadas por um projeto de lei. À época, a Câmara era presidida por Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) – que naquele mesmo ano se viu em uma polêmica após ter "dado carona" em um avião da FAB a parentes num voo entre Natal e o Rio de Janeiro.

Para o advogado Fernando Dantas, especialista em direito administrativo, a alteração na sistemática do uso dos aviões só poderia ocorrer por meio de uma emenda à Constituição. "O Congresso Nacional pode dispor sobre esse tipo de coisa. Não é uma cláusula pétrea, portanto está na alçada das atribuições de Câmara e Senado. Mas é uma modificação que não poderia ser feita por meio de um projeto de lei, e sim por uma emenda à Constituição", afirmou Dantas.

Segundo o advogado, uma eventual aprovação de lei poderia ter efeito nulo, já que a norma poderia ter sua constitucionalidade contestada em cortes superiores.

A aprovação de uma emenda à Constituição exige trâmites mais rígidos do que os de um projeto de lei convencional. São necessários votos favoráveis de três quintos dos senadores e dos deputados federais, e em dois turnos de votação, nas duas casas.

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"As questões formais são um terreno secundário"

O senador Lasier Martins acredita que o momento atual é benéfico para a aprovação de uma proposta como a sua. "Vivemos uma época de moralização na política e de contenção de gastos", afirmou. Lasier é um dos líderes do movimento "Muda, Senado", criado em 2019 e que tem viés de renovação da casa e da implementação de valores éticos na política.

Na opinião do parlamentar, o projeto não enfrentaria dificuldades legais por se encaixar em uma das competências do Congresso, que é a fiscalização dos atos do Poder Executivo. "A nós do Legislativo compete a fiscalização do uso do dinheiro público. Então não se pode alegar que estamos interferindo em outro poder. Se podemos fiscalizar o uso de dinheiro quando é mal gasto em uma obra, porque não podemos usar quando é mal gasto em um avião?", questionou. O senador acredita que "as questões formais são um terreno secundário" no contexto do debate do projeto.

A proposta foi apresentada por Martins em 2015, inspirada em um projeto similar do ex-senador Pedro Simon (MDB-RS) de 2010 e, segundo ele, havia encontrado resistências para sua tramitação. "O Lobão nunca me atendeu no sentido de colocar esse projeto em pauta", disse, em referência ao ex-senador Edison Lobão (MDB-MA), que ocupou a presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.

Lasier também chamou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de "rei das viagens para o Rio de Janeiro" e disse que o principal objetivo de sua iniciativa é o de assegurar transparência quanto às verbas públicas gastas com os voos dos aviões da FAB.

"É preciso que seja divulgado quem fez a viagem, a que título, quanto tempo durou. E em segundo lugar, o projeto busca também proporcionar penalidades administrativas à pessoa que, comprovadamente, fez um uso indevido dos aviões", disse.

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Quem poderia voar, como poderia voar

O projeto de Lasier Martins determina que os aviões da FAB poderão ser utilizados apenas em missões oficiais, e pelas seguintes autoridades: presidente da República e seu vice; presidentes de Câmara e Senado; presidente do Supremo Tribunal Federal (STF); ministros de Estado e ocupantes de cargo com prerrogativa de ministro; comandantes das Forças Armadas. A norma também expõe a possibilidade do transporte de outras autoridades, desde que com autorização do Ministro da Defesa, e de cônjuges dos presidentes dos poderes e ministros.