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Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, antes das eleições 2022
Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, antes das eleições 2022| Foto: Joédson Alves / EFE / Arquivo

Ao menos quatro generais do Alto Comando do Exército teriam sido favoráveis ao acionamento do artigo 142 da Constituição para o que consideravam o restabelecimento da ordem institucional no Brasil após as eleições de 2022. Dois deles discutiram essa conjuntura com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), entre novembro e dezembro do ano passado, segundo militares da reserva ligados ao caso. O então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, teria sido contra qualquer tipo de intervenção e o próprio Bolsonaro teria descartado a possibilidade após a consulta. Assim, dos 17 generais do Alto Comando, ao menos quatro seriam favoráveis.

A existência de generais favoráveis ao uso do artigo 142 da Constituição vai contra a afirmação do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, de que "em momento nenhum" as Forças Armadas se interessaram pela intervenção.

Segundo uma fonte com conhecimento das reuniões entre Bolsonaro e militares da cúpula das Forças Armadas, dois generais do Alto Comando teriam participado de duas reuniões envolvendo o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e o ex-presidente Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Esses dois generais teriam se mostrado favoráveis ao uso do artigo 142.

O acionamento seria motivado por desmandos do Judiciário, por alegada falta de transparência e por desproporcionalidade no processo eleitoral - particularmente devido à concessão de menor tempo de propaganda eleitoral no rádio para Bolsonaro.

Eles interpretaram equivocadamente que o artigo poderia ser invocado para o restabelecimento da ordem institucional no país por meio de intervenção das Forças Armadas. Mas em nenhum momento teria havido intenção de dar um golpe de Estado não embasado por leis, segundo afirmou a fonte.

O debate sobre intervir ou não para restabelecer a ordem institucional no país foi levado posteriormente para uma reunião do Alto Comando do Exército, onde supostamente houve uma discussão de conjuntura que analisou diversos aspectos, como a segurança das urnas e a condução do processo eleitoral.

Além desses militares do alto escalão, uma parcela considerável de oficiais mais baixos na cadeia hierárquica e praças compartilhavam da opinião. Parte desses militares levava em conta informações, até agora não comprovadas por documentos, de que os próprios informes de inteligência do Exército sobre a conjuntura teriam sido amenizados por colegas que seriam contra o acionamento do artigo 142 da Constituição.

Fontes militares da ativa do alto escalão disseram à reportagem que houve muito descontentamento. Por isso seria plausível atribuir a percepção de que os informes teriam sido amenizados a percepções pessoais de quem era favorável ao uso do artigo 142.

A fonte ouvida pela Gazeta do Povo afirmou que até mulheres de generais que fazem parte do Alto Comando do Exército teriam frequentado os acampamentos que foram instalados em frente a unidades militares.

Contudo, o posicionamento final coube ao comandante do Exército, Freire Gomes, que decidiu pela não intromissão da instituição no processo político.

Ministro da Defesa acusou ex-comandante da Marinha de não estar do lado da lei

Na quinta-feira (21), o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, acusou o ex-comandante da Marinha Almir Garnier de não estar 100% ao lado da lei, afirmando que ele teria sido favorável a uma intervenção baseada no artigo 142 da Constituição.

A declaração foi feita depois que UOL e do Globo publicaram que, em sua delação premiada, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, teria dito que o ex-presidente recebeu uma minuta de decreto para convocar novas eleições e fazer prisões depois do pleito presidencial que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a submeteu à análise de militares.

Segundo as reportagens, Cid teria dito que Garnier teria se manifestado favoravelmente ao teor da minuta. A informação, porém, ainda não foi confirmada por fontes oficiais e nem pelo advogado de Cid.

A reportagem apurou que essas informações causaram revolta nos círculos de apoiadores de Jair Bolsonaro. Isso porque o vazamento teria o objetivo de dar a ideia de que apenas o ex-presidente e Garnier teriam cogitado a possibilidade de acionamento do artigo 142. Segundo apoiadores, pelo contrário, muitas pessoas cogitaram a possibilidade, mas ela não foi levada adiante.

Havia uma interpretação equivocada entre eles que o acionamento do artigo 142 poderia ser feito dentro da lei, sem desrespeito à Constituição.

Exército teria que fazer plano para intervenção

Para uma intervenção baseada no artigo 142 da Constituição, o Exército teria que criar um documento chamado Diretriz de Planejamento Operacional Militar (Depom). Em tese, se tivesse sido elaborado, tal plano poderia trazer detalhes sobre o uso de unidades militares nas ruas para o alegado restabelecimento da ordem institucional.

Uma suposta troca de mensagens entre o coronel Jean Lawand Júnior e Cid, que está em poder da polícia, teria dado a entender que um plano dessa natureza teria sido feito pelo Comando de Operações Terrestres. O suposto documento nunca veio à tona.

Um membro da ativa do alto escalão do Exército disse à reportagem que pode ter havido uma confusão de informações, na medida em que o documento poderia se referir ao planejamento de uma operação de Garantia de Votação e Apuração, que é o apoio militar dado às autoridades eleitorais nos dias de votação.

Membros do Alto Comando do Exército ouvidos pela reportagem não descartam ter havido divergências sobre a possibilidade de acionamento do artigo 142 da Constituição. Eles destacam, porém, que essas discussões de conjuntura fazem parte do processo decisório e que, uma vez que o comandante tomou sua decisão final pela não intervenção, as vozes dissonantes cessaram. Por isso, não haveria hoje qualquer sinal de divisão política dentro da mais alta cúpula do Exército.

Forças Armadas se manifestam

Por meio de nota, a Marinha informou que não teve acesso ao conteúdo da delação de Cid e que eventuais opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força. Confira a nota da íntegra:

“A Marinha do Brasil (MB) esclarece que não teve acesso ao conteúdo de delação premiada do Tenente-Coronel Mauro Cid. Além disso, esta Força Naval não se manifesta sobre processos investigatórios em curso no âmbito do Poder Judiciário.

Consciente de sua missão constitucional e de seu compromisso com a sociedade brasileira, a MB, Instituição nacional, permanente e regular, reafirma que pauta sua conduta pela fiel observância da legislação, valores éticos e transparência.

A MB reitera, ainda, que eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força e que permanece à disposição da justiça para contribuir integralmente com as investigações”.

Ao UOL, o Exército informou que tem colaborado com as investigações, que não comenta processos apuratórios em curso e que “pauta sua atuação pelo respeito à legalidade, lisura e transparência na apuração de todos os fatos que envolvam os militares”. Leia a nota do Exército:

"[O Exército] vem acompanhando as diligências realizadas por determinação da Justiça e colaborando com todas as investigações. E "pauta sua atuação pelo respeito à legalidade, lisura e transparência na apuração de todos os fatos que envolvam os militares".

Ao responder ao questionamento do UOL sobre a delação de Cid, o Exército respondeu que “a Força não se manifesta sobre processos apuratórios em curso, pois esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República".

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