O fundo partidário, que é abastecido com dinheiro público, vem sendo utilizado por partidos como PT, PTB e PSC para pagar salários e indenizações a políticos que foram presos acusados de crimes de corrupção. Pelo menos quatro casos foram identificados entre os anos de 2019 e 2020. O mais notório envolve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas há outros ex-presidiários bancados com recursos do fundo partidário, como o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB condenado no mensalão; João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT condenado na Lava Jato; e Itamar Guerreiro, ex-subsecretário de Infraestrutura da Secretaria de Saúde do Rio no governo Rosinha Matheus.
Questionados pela Gazeta do Povo sobre os repasses, os partidos negam qualquer tipo de conflito ético na aplicação dos recursos públicos e alegam que os gastos estão dentro das diretrizes previstas na legislação eleitoral.
A contratação de pessoas que já foram presas, ainda que temporariamente, acusadas de cometerem crimes de corrupção não é proibida. Entretanto, um projeto de lei apresentado este ano pelo deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) tenta vetar essa prática, alegando infração ética na utilização de recursos públicos. O projeto está em fase inicial de tramitação, parado desde março, dependendo de parecer prévio da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
No ano passado, o petista João Vaccari Neto recebeu R$ 44 mil do partido a título de rescisão de contrato de trabalho. Considerado um funcionário histórico do PT, ele foi demitido da legenda após deixar a prisão em que cumpria pena em Curitiba. Vaccari passou 4 anos e 5 meses preso.
Alvo da 12ª fase da Operação Lava Jato, ele foi preso acusado de ser beneficiado pelo esquema de corrupção da Petrobras. Ele respondeu a cinco processos da Lava Jato e após sair da prisão passou a trabalhar como assessor especial da Central Única dos Trabalhadores (CUT), um dos braços sindicais do PT.
Já o ex-presidente Lula passou a receber salários do PT esse ano. Lula ficou preso por 580 dias na sede da Superintendência Regional da Polícia Federal, em Curitiba. O petista cumpriu parte da pena de 8 anos, 10 meses e 20 dias pela condenação por aceitar um apartamento tríplex, no Guarujá, como propina paga pela OAS em troca de contrato com a Petrobras. Um recurso de Lula em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) pede a anulação dessa condenação, em caso que pode ser apreciado ainda este ano na Segunda Turma do tribunal.
Ao longo de 2020, o ex-presidente recebeu R$ 146,3 mil do PT. Ele foi contratado com salário de R$ 20,3 mil, mas seu rendimento foi reajustado para R$ 21,8 mil a partir de maio, conforme dados prévios da prestação de contas do PT deste ano apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Questionado sobre salários pagos a políticos que cumpriram pena, o PT informou que “não existe na lei brasileira a figura de ‘ex-presidiário’, tampouco existe qualquer restrição ao exercício de direitos a cidadãos que cumpriram sentença judicial privativa de liberdade, por qualquer motivo”.
“O PT presta contas regularmente à Justiça Eleitoral —- e por meio dela à sociedade — de todos os recursos que aplica, sejam provenientes do fundo eleitoral, do fundo partidário ou recursos próprios. Tantos os recursos financeiros quanto a energia política do PT, de seus parlamentares, dirigentes e filiados são direcionados à construção de uma sociedade menos desigual e mais justa”, informou o partido.
Roberto Jefferson: ex-mensaleiro bem remunerado
Na lista dos ex-detentos que receberam ou recebem recursos do fundo partidário está o presidente do PTB, Roberto Jefferson. Ele foi condenado a 7 anos e 14 dias de prisão na chamada ação penal 470 — o mensalão — pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, mas ficou preso menos de dois anos. Ele começou a cumprir pena em fevereiro de 2014 e obteve o benefício da prisão domiciliar um ano e três meses depois por uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF.
Em março de 2016, a pena de Roberto Jefferson foi extinta após ser beneficiado por um indulto natalino assinado pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Além de Jefferson, o ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu, outro condenado no mensalão, também foi beneficiado com o ato presidencial.
Agora como presidente do PTB, Jefferson teve salários no ano passado da ordem de R$ 23,2 mil a título de “serviços técnico-profissionais”. Somando-se outros pagamentos de caráter indenizatório e ressarcimentos de despesas, o PTB repassou R$ 302,6 mil do fundo partidário ao ex-deputado federal.
Para o partido, não há conflitos éticos relacionados aos pagamentos para Roberto Jefferson. Segundo a sigla, “o presidente do partido foi condenado, cumpriu sua sentença, e posteriormente teve sua pena extinta pelo STF”. “O partido sempre zelou pelo bom cumprimento na aplicação dos recursos do fundo”, complementou o PTB.
Um outro caso é de Itamar Guerreiro, hoje funcionário do PSC. Guerreiro, ex-subsecretário de Infraestrutura da Secretaria de Saúde do Rio no governo Rosinha Matheus, esposa do também ex-governador Anthony Garotinho, foi detido acusado de participar de uma organização criminosa responsável por desvios de verbas públicas para organizações não-governamentais, em um esquema fraudulento com semelhanças ao que agora pode determinar o impeachment do governador Wilson Witzel (PSC). No ano passado, Guerreiro teve salário base de R$ 7,4 mil pelo PSC. Durante todo o ano, o partido repassou a ele R$ 113 mil pelas suas atividades partidárias.
Na época em que cumpriu prisão preventiva, Guerreiro foi acusado de ter cometido crimes como formação de quadrilha, uso de documentos falsos, falsidade ideológica, dispensa indevida de licitação e peculato. No transcorrer do processo, sua prisão preventiva foi revogada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em resposta à Gazeta do Povo, o PSC informou que a sigla “aplica os recursos do fundo partidário seguindo estritamente o que determina a legislação eleitoral. Todas as contas do partido foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral”.
Câmara tenta desde 2008 disciplinar o uso do fundo partidário
Desde 2008, a Câmara tenta, sem sucesso, disciplinar a aplicação de recursos do fundo partidário. Naquele ano, o ex-deputado Chico Alencar (Psol-RJ) tentou incluir na lei que dispõe sobre os partidos políticos a determinação que “os recursos oriundos do fundo partidário serão aplicados, observados os princípios da moralidade, eficiência, publicidade”.
Agora, em 2020, Kim Kataguiri tentou incluir na lei dos partidos políticos a vedação do uso dos recursos do fundo partidário para contratar pessoas condenadas ou que tenham sofrido cassação de mandato em sua carreira política. “Há que se destacar que os recursos do fundo partidário, por mais que destinados ao custeio e mantença da entidade política, devem estar sujeitos aos critérios de utilização estabelecidos pela moral que embasa a gestão de recursos públicos”, justifica o parlamentar no projeto.
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