Alimentos como sardinha em lata, que não fazem parte da alimentação dos indígenas, são enviadas para combater desnutrição na Terra Indígena Yanomami.| Foto: Divulgação/Forças Armadas
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O governo federal alterou recentemente a forma de divulgação dos óbitos registrados na Terra Indígena Yanomami, localizada entre Roraima e Amazonas. O último informe, publicado em 21 de dezembro pelo Ministério da Saúde, não apresentou dados sobre os óbitos por desnutrição, como era feito anteriormente. No lugar dos registros relacionados à desnutrição, um novo parâmetro, chamado de doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, foi adicionado.

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A mudança ocorre em um momento em que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é criticado por opositores e ativistas por não conseguir resolver uma crise de desnutrição que causou dezenas de mortes em aldeias da etnia Yanomami. Foi o próprio Lula quem apontou para o problema no início de seu mandato, há um ano, e acusou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de "genocídio" contra os indígenas.

O governo criou na época uma falsa narrativa de que o problema de desnutrição dos Yanomami teria sido criado por Bolsonaro, quando na verdade persiste ao menos desde os anos 2000, segundo dados levantados pela Gazeta do Povo.

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A alteração feita no ano passado na metodologia de divulgação de dados estatísticos acaba afetando a forma de divulgação da contagem dos óbitos dos indígenas.

No informe publicado em dezembro, que traz dados do mês anterior, o Ministério da Saúde registrou 35 óbitos de indígenas pelas doenças relacionadas no novo parâmetro. O problema é que o número mistura mortes por desnutrição com outras causas de morte e por isso não é diretamente comparável à metodologia anterior.

O último registro da metodologia antiga foi publicado pelo Ministério da Saúde em 18 de outubro. Ele apontou 29 óbitos causados no mês anterior especificamente por desnutrição.

Na prática, a medida vai passar a dificultar a comparação entre os índices de morte dos yanomamis na gestão Bolsonaro com os resultados do governo Lula, especialmente em 2024. Em um material de divulgação diverso dos seus boletins regulares, o Ministério da Saúde afirmou que em 2022, sob Bolsonaro, foram registradas 343 mortes de yanomamis por desnutrição. No governo Lula teriam ocorrido 308 mortes, o que representa uma queda de 10%.

A publicação desse material de divulgação do Ministério da Saúde aconteceu só depois de uma polêmica nas redes sociais. Nela, opositores do governo divulgaram uma reportagem que apontava uma suposta elevação das mortes de indígenas sob o governo Lula. Os dados da matéria foram contestados pelo Ministério da Saúde e depois corrigidos pelo órgão de imprensa na publicação original para uma versão igual à do informativo que apontou a redução das mortes sob Lula.

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Mas com a atual mudança de metodologia, órgãos da imprensa e da sociedade civil terão mais dificuldades para comparar dados públicos sobre as mortes por desnutrição registradas no site do Ministério da Saúde a partir de novembro de 2023 com estatísticas anteriores. Assim, ficará mais difícil comparar o desempenho das políticas do governo em 2024 com dados de anos anteriores.

A mudança de parâmetro não veio acompanhada por nenhuma explicação do governo. A Gazeta do Povo procurou o Ministério da Saúde para entender o motivo da mudança, bem como sobre outras inconsistências relacionadas aos informes, mas não recebeu retorno até o fechamento desta reportagem.

Divulgação de informes sobre crise Yanomami apresenta inconsistências 

Desde o início do governo Lula 3, a crise de saúde na Terra Indígena Yanomami tem sido evidenciada. No dia 20 de janeiro de 2023, o Ministério da Saúde declarou, através da Portaria GM/MS nº 28, Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) na região e instituiu o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (Coe-Yanomami).

O principal argumento utilizado para subsidiar as ações foram os dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), que apontaram 538 óbitos em menores de cinco anos no território do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami, sendo 495 óbitos considerados por critérios de evitabilidade (92%), no período de 2019 a 2022. São considerados óbitos por critérios de evitabilidade aqueles preveníveis pela atuação dos serviços de saúde do governo. Ainda de acordo com o Ministério, a “desassistência sanitária e nutricional” ocasionou a crise constatada no início do governo Lula 3.

Neste contexto, o Ministério da Saúde passou a divulgar informes sobre os atendimentos e ações na Terra Indígena Yanomami. Mas a divulgação foi confusa e pouco transparente. Ela começou de forma diária enquanto o governo capitalizava politicamente a ajuda aos yanomami. Depois se tornou semanal e mensal. Nem sempre os números de mortes eram divulgados e chegou a ocorrer uma correção geral no dia 26 de setembro de 2023 quando uma grande quantidade de dados antigos foram apagados e substituídos por novos.

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Outro problema para contabilizar as ações do governo federal em relação aos yanomami é gerado por mudanças de metodologia sobre a contabilização de alimentos para as comunidades indígenas.

Nos informes do Ministério da Saúde, primeiro os alimentos eram contabilizados como unidades de cestas básicas. Depois passaram a ser computados por quilo. Houve ainda um período de duas semanas em que não há nenhum dado disponível de distribuição dos alimentos.

Por meio do Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) informou que o governo federal destinou, em 2023, cerca de 58,4 mil cestas aos Yanomami, sendo 47,1 mil para Roraima e 11,5 mil cestas para o Amazonas, com valor total aproximado de R$ 40 milhões para a ação.

Composição nutricional das cestas básicas tem divergências 

Alvo de diversas críticas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os itens das cestas básicas seguem sendo um problema. Em maio de 2023, o Estadão apontou que no governo passado foram destinados R$ 4,4 milhões para enviar ao Território Yanomami alimentos que não são consumidos pelos indígenas. Dentre os alimentos, estariam a calabresa e a sardinha.

Na época, foi revelado ainda que o caso foi levado ao Ministério Público. “Os yanomamis não comem sardinha nem calabresa”, informou a coordenadora da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami, Elayne Rodrigues Maciel, responsável pelo órgão da Funai com atribuição exclusiva sobre a Terra Indígena Yanomami, em depoimento ao MP.

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No entanto, em fevereiro de 2023, uma nota técnica elaborada pelo Ministério da Saúde apresentou uma proposta de cesta alimentar padrão para serem entregues aos indígenas. A orientação é enviar arroz, farinha de milho e de mandioca, leite em pó, goma de tapioca, castanha ou amendoim e até lata de sardinha.

A nota técnica do Ministério da Saúde afirma que os itens não perecíveis listados acima seriam os “mais indicados, considerando a qualidade e valor nutricional, bem como as limitações impostas pela necessidade de estoque e armazenamento”. No entanto, os indígenas e médicos que atuam na região, reforçam que nem todos esses alimentos são comuns na alimentação Yanomami. É o caso da sardinha em lata.

Apesar da nota técnica do Ministério da Saúde, o Ministério do Desenvolvimento Social, por meio do Ministério dos Povos Indígenas, afirma que a composição nutricional das cestas destinadas aos indígenas é indicada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A Funai foi procurada pela redação da Gazeta do Povo para se manifestar sobre o tema, mas não retornou até o fechamento desta matéria.

Indígenas relatam quatro meses sem entrega de cestas básicas ou sementes 

Em aldeias localizadas no Polo Base de Auaris, que fica na Terra Indígena Yanomami, pelo menos 800 indígenas estão sem receber alimentos do governo federal há pelo menos quatro meses. O relato é do presidente da Associação Ipasaali Sanuma, Mateus Sanuma, que representa o povo da região.

Além da ausência de distribuição de cestas básicas, o indígena afirma não ter recebido auxílio recente do governo nem mesmo para plantar as roças que produziriam alimento para as famílias. A distribuição de mudas de maniva (também chamada de macaxeira ou mandioca) chegou a ocorrer e foi registrada em publicação feita pela associação indígena liderada por Mateus Sanuma. “Nós temos 30 roças, mas não temos sementes para plantar. Nós pedimos sementes de milho e maniva para a Funai, mas não mandaram. Meu povo não quer mais passar fome e quer plantar roças pra não ficar pedindo cestas básicas”, relatou o indígena Sanuma.

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A Gazeta do Povo procurou a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas para tratar sobre as cestas básicas e sobre a destinação de sementes e mudas, mas não recebeu retorno sobre o assunto até o fechamento da reportagem.

Uma das notas técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde, no âmbito do Coe-Yanomami, trata a plantação de roças como uma das “medidas estruturantes para garantia da segurança e soberania alimentar dentro da Terra Indígena Yanomami é o apoio e fortalecimento das roças”. No entanto, a nota técnica apresenta somente a necessidade de envio de ferramentas como facões, enxadas e machados, sem prever a necessidade de envio de sementes ou mudas.

A falta de profissionais que realmente tenham conhecimento sofre a população indígena atuando na crise Yanomami é apontada como um dos principais problemas a serem solucionados. A afirmação foi feita pelo médico infectologista que atua em Boa Vista, Joel Gonzaga, durante entrevista para o programa Quem é Quem, da Rádio Folha FM. “Nenhum governo resolve o problema. É preciso que se tenha uma mudança de concepção”, afirmou o médico, que destacou ainda que é preciso dar condições para que os indígenas produzam o seu próprio alimento.