Paulo Guedes se exaltou em alguns momento, mas chegou a se desculpar com os deputados quando os ânimos se acalmaram.| Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara

O aguardado reencontro do ministro Paulo Guedes com os deputados, nesta quarta-feira (8), teve um clima de "morde-e-assopra". O homem-forte da economia no governo Jair Bolsonaro participou de audiência na comissão especial que discute a reforma da Previdência na Câmara, que durou cerca de oito horas. Foi a primeira ida de Guedes ao Congresso após o “episódio tchutchuca”, quando ele se desentendeu com um deputado petista.

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Apresentação de dados, repetição de argumentos já expostos em outras ocasiões, brigas instaladas e enfraquecidas em pouco tempo marcaram a audiência que teve Guedes como estrela principal. Houve ainda um inusitado protagonismo dos deputados do Centrão na defesa da mudança no sistema de pagamento de aposentadorias e pensões.

Guedes e sua equipe mantiveram a calma na maior parte da audiência. O ministro voltou a definir o sistema atual como um modelo “condenado à falência” e citou dados demográficos do país para justificar a proposta de alteração. “Quarenta anos atrás, tínhamos quarenta jovens trabalhando para cada idoso; hoje, são sete. E esse número será cada vez menor”, declarou.

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A oposição, representada principalmente por integrantes de PT, PSOL e PCdoB, alegou, como em outras ocasiões, que a reforma prejudicará a população mais pobre e que o processo representaria a entrega do sistema previdenciário aos bancos.

Guedes chegou a ser chamado de “representante dos bancos” pelo deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) e a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) citou a denúncia que paira contra o ministro por uma decisão que ele tomou em 2009, quando geria uma empresa que trabalhava junto a fundos de pensão.

Nas duas ocasiões, Guedes se exaltou e a sessão chegou a ser temporariamente interrompida por conta do bate-boca entre os parlamentares. Ao responder à fala de Perpétua, Guedes se confundiu e pensou que a acusação tinha vindo do deputado José Guimarães (PT-CE) – e citou o episódio dos “dólares na cueca”, quando um assessor do parlamentar foi preso no Aeroporto de Congonhas (SP) com dinheiro escondido em suas roupas íntimas. Após o petista dizer que não havia sido ele a citar a acusação contra Guedes, o ministro pediu desculpas.

“Depois de seis horas [de debate], o clima [dos ataques] fica mais pessoal”, disse Guedes. Ele falou que iria “evitar” responder provocações dos parlamentares, mas declarou também que está “conhecendo mais” o perfil das atividades do Congresso.

Centrão em destaque

O governo e sua base se preocuparam em mostrar força – no dia do “episódio tchutchuca”, uma crítica recorrente era a de que o PSL não deu a cobertura adequada a Guedes, permitindo que a oposição protagonizasse o debate.

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Para tanto, pesos-pesados como o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e os líderes do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), e o da bancada de deputados do PSL, Delegado Waldir (GO), estiveram presentes na audiência.

Mas foram deputados do centro e de partidos que declaram independência em relação ao governo federal que mais se manifestaram em defesa da reforma. Integrantes de legendas como PRB, DEM, PP, PR e outros fizeram elogios enfáticos à postura de Guedes e do secretário especial da Previdência, Rogério Marinho.

Os parlamentares do Novo – partido que tem se destacado na defesa da agenda econômica do governo Bolsonaro, o que tem despertado ciúme dentro do PSL – também estiveram na linha de frente nos trabalhos da comissão nesta quarta. O primeiro parlamentar do PSL a falar, Filipe Barros (PR), foi apenas o décimo quarto deputado a se pronunciar.

“Sou militar, filho de professora, e falo sobre a necessidade de se fazer uma reforma da previdência. Chegou a hora de cortarmos na carne”, declarou Capitão Alberto Neto (PRB-AM). Do mesmo partido, Lafayette de Andrada (MG) chamou o sistema de previdência do Brasil de “distorcido e antiquado” e relatou que o modelo foi inserido no país em 1934, durante o governo de Getúlio Vargas. “O Brasil não vai para a frente se não fizer a reforma da previdência”, acrescentou Reinhold Stephanes Júnior (PSD-PR).

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As falas do PSL também vieram em elogios à atuação do ministro Paulo Guedes e na necessidade da reforma – mas visaram ainda responder às manifestações da oposição. Alexandre Frota (PSL-SP) disse que o grande número de desempregados do Brasil “não é problema nosso”, em referência às políticas econômicas das gestões anteriores.

Já Joice Hasselmann declarou que a reforma quer “romper um ciclo vicioso e nefasto”. “Não é apenas uma coisa de governo, mas sim uma transformação para o Brasil. Se fosse coisa de governo, seria algo para vigorar por quatro anos, e a gente aprovava rapidinho”, disse.

Também integrante de um partido de centro, o relator da reforma na comissão, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), afirmou que o Congresso precisa assumir protagonismo em relação ao tema. “Essa responsabilidade é nossa”, declarou o parlamentar. O tucano disse também que “não está a serviço do governo”. A fala foi aplaudida pela maior parte dos deputados presentes.

Capitalização e números

Um dos temas que mais gerou controvérsia na audiência foi o sistema de capitalização, um dos pontos da reforma – nesta sistemática, a aposentadoria é paga com base em uma “poupança” construída individualmente por cada trabalhador. No modelo vigente no Brasil, o de solidariedade, os trabalhadores contribuem para um fundo coletivo, de onde saem os repasses. A reforma propõe que a capitalização seja uma alternativa ao trabalhador, que poderá optar entre os dois diferentes sistemas.

Membros da oposição citaram que a capitalização não foi bem sucedida em outros países. “Se eles dizem que o sistema atual, que recebe verbas dos trabalhadores, do governo e dos empregadores, não dá certo, como que um custeado apenas pelos trabalhadores seria sustentável”, questionou Pedro Uczai (PT-RS). Alguns parlamentares lembraram do Chile, país que adotou a capitalização e que comumente é citado como um local em que os idosos estariam prejudicados com as restrições na aposentadorias.

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Em resposta ás críticas, Guedes mencionou que o modelo chileno adquiriu um grau de sustentabilidade que permite ao país fazer apenas pequenos ajustes na cobrança de impostos quando precisa de reforços nos seus cofres. O ministro também enfatizou o caráter voluntário do regime de capitalização: “não estamos acabando com a solidariedade, que permanecerá disponível para sempre”.

Privilégios

Um ponto recorrente no debate – tanto por parte de oposicionistas quanto de aliados – foi o “combate aos privilégios” que estaria contido na proposta.

Os defensores da alteração trouxeram dados sobre a fatia do orçamento nacional que é direcionado ao pagamento de aposentadorias e pensões. Em sua apresentação, o secretário Rogério Marinho mencionou que R$ 903 bilhões do orçamento são repassados à previdência, enquanto R$ 35 bilhões são aplicados em investimentos. O secretário falou também que 47% das verbas ligadas à previdência são enviados a apenas 15% da população.

Em resposta, líderes oposicionistas citaram alterações que a reforma pode proporcionar a pessoas que recebem verbas de valores menores, como os do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – que a proposta inicial do governo prevê uma remuneração menor do que o salário mínimo nos anos iniciais de pagamento.

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“Equívocos” e “mentiras”

Em suas considerações finais, o ministro Paulo Guedes pediu desculpas por “eventuais excessos” mas ressaltou que “merece ser respeitado e sem respeita”. “Aqui [Congresso] se fala muito frases como ‘isso é uma mentira’, ‘você não está sendo honesto’, são coisas que o restante das pessoas não está acostumado”, declarou.

Guedes disse “respeitar muito” o trabalho do Congresso e afirmou que o Legislativo será soberano em sua decisão sobre a reforma – mas que uma eventual desidratação do plano pode minimizar os seus benefícios, algo que traria efeitos negativos ao país. “Aprovaram o teto, mas se esqueceram das paredes”, declarou o ministro, em referência à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto dos gastos públicos votada pelo Congresso durante a gestão de Michel Temer.

A PEC do teto e a reforma trabalhista, também da gestão Temer, foram citadas em muitas ocasiões por membros da oposição – segundo os adversários do governo, as duas inciativas foram apresentadas como “salvação da economia” durante o último mandato, e o crescimento resultante não foi o esperado.

O ministro também disse acreditar que os parlamentares contrários à reforma não estejam “mentindo” em suas opiniões, e sim “agindo de maneira equivocada”. “Eu vi equívocos muito graves aqui”, relatou.

Longa sessão, com interrupções

A audiência se iniciou por volta de 14h30 e foi finalizada depois de 22h30. A longa duração fez com que deputados precisassem se revezar entre o encontro e outras atividades parlamentares – o que rendeu protestos por parte de alguns deputados, que foram ameaçados de tomar falta se não comparecessem a votações no plenário.

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O incômodo levou o presidente da comissão, Marcelo Ramos (PR-AM), a se comprometer a falar com o comandante da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a não penalizar os que não puderam votar.