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CPI do MST tem fim antecipado após sucessivas manobras regimentais e judiciais
CPI do MST tem fim antecipado após sucessivas manobras regimentais e judiciais| Foto: Myke Sena / Câmara dos Deputados

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) encerrou a fase de investigações antes do esperado. O fim das investigações foi motivado por manobras regimentais e judiciais que envolveram membros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do Centrão em uma tentativa de blindar aliados. A data-limite para o encerramento dos trabalhos da CPI com a votação do relatório final será próximo dia 14 de setembro, mas ainda havia a expectativa da realização de pelo menos duas reuniões de tomada de depoimentos.

Em nota encaminhada à imprensa na noite do dia 4, o presidente da CPI do MST, deputado Luciano Zucco (Republicanos-RS), informou que não haveria nenhuma outra reunião ou audiência até a apreciação do relatório final. “A decisão foi tomada em virtude das recentes medidas regimentais e judiciais que inviabilizaram a continuidade das ações, depoimentos, quebras de sigilo e outras providências necessárias ao esclarecimento dos fatos relacionados à indústria de invasões de terras no Brasil”, enfatiza a nota que anunciou o fim da CPI.

Ação do governo e do Centrão inviabilizou andamento dos trabalhos 

Os trabalhos da CPI do MST foram inviabilizados em diversos momentos pela atuação do governo Lula e do Centrão. Após uma série de depoimentos de ex-integrantes do MST e da aprovação de requerimentos de convocação de membros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ligados ao MST, houve uma intensa movimentação nos bastidores da CPI.

Uma das primeiras ações foi o cancelamento de todas as reuniões durante uma semana, antes do recesso parlamentar de duas semanas, sob o pretexto de uma votação concentrada na Reforma Tributária. Com o cancelamento das reuniões, o deputado Ricardo Salles (PL-SP), relator da CPI, afirmou que os trabalhos foram prejudicados e as investigações que deveriam ocorrer durante 120 dias foram reduzidos a 90 dias.

Houve ainda o cancelamento do requerimento de convocação do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, por parte do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Blindado pela base governista, que negociou por diversas vezes a ida do ministro à comissão, Rui Costa acabou amparado por uma decisão inédita de Lira.

No entanto, o principal fator de inviabilização da CPI se deu após a retirada e troca de membros da composição inicial, que era dominada pela oposição. A começar pelo Republicanos, que retirou da composição três dos quatro membros a que tinha direito, o enfraquecimento da oposição seguiu com a mudança de nomes indicados pelo Progressistas (PP) e pelo União Brasil.

Embora a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) tenha tentado buscar a retomada da maioria, mesmo durante a última reunião em que houve votação de requerimentos, o PP atuou para garantir a maioria dos votos favoráveis aos interesses do governo e do MST.

Para a analista política Carol Curimbaba, a quinta CPI que trata de questões relacionadas ao MST “mais uma vez vai acabar sem um marco emblemático, mas trouxe sim importantes conquistas”. “Foi possível mostrar o modus operandi do MST, a ineficiência da reforma agrária realizada no Brasil e que não há uma política eficiente de reforma agrária”, disse a analista.

Para ela, falta organizar famílias vulneráveis, que querem um pedaço de terra, e as áreas disponíveis. “Pegar as terras que estão em conformidade dentro dos assentamentos já resolveria grande parte dos problemas”, acrescentou Carol Curimbaba.

Decisão do STF foi a “gota d’água” para o fim antecipado das investigações da CPI do MST, diz analista 

Na última segunda-feira (4), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu suspender o depoimento de dois integrantes do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral). O pedido de suspensão ao STF, apresentado pela Assembleia Legislativa de Alagoas, afirmava que não havia fatos a serem investigados na esfera federal a partir da oitiva de servidores estaduais.

“A decisão do ministro Barroso segue o entendimento que a CPI [no âmbito] federal não pode questionar entes que seriam da responsabilidade estadual ou municipal. Essa decisão foi usada apenas como gota d'água para cessar os trabalhos da CPI, que já se via enfraquecida pelo fortalecimento de figuras governistas”, disse a analista política.

No dia 4 de setembro seriam tomados os depoimentos de Jaime Messias Silva e José Rodrigo Marques Quaresma, diretor-presidente e gerente-executivo-administrativo do Iteral, respectivamente. Ambos foram convocados para prestar esclarecimentos sobre a destinação de valores ao MST. Dentre as notas fiscais obtidas pela CPI, às quais a reportagem da Gazeta do Povo teve acesso, estavam as que indicavam o pagamento de fretamento de ônibus para deslocamento de integrantes do MST.

Após a decisão de Barroso, Zucco chegou a tentar recorrer, mas acabou optando pelo encerramento das reuniões e audiências. O fim dessas etapas afetou ainda a tomada de depoimento de outros dois investigados que seriam ouvidos na terça-feira (5). Marco Antônio Baratto Ribeiro Da Silva, da direção nacional do MST no DF, havia sido convocado após ser mencionado por uma ex-integrante do movimento que atribuiu a ele várias ameaças. Já a ex-conselheira da Cooperativa de Crédito Rural Horizontes Novos de Novo Sarandi (Crehnor Sarandi), Janete Confortin Giacomelli, seria ouvida para prestar esclarecimentos sobre as ligações da cooperativa com o MST. Janete deveria falar também sobre a destinação de recursos federais para o MST por meio da cooperativa.

Deputados da oposição dizem que governo agiu por “desespero” e para “defender criminosos” 

Apesar do fim antecipado da CPI do MST, deputados de oposição acreditam que foi possível chegar a conclusões importantes nas investigações realizadas. A deputada federal Caroline De Toni (PL-SC) avalia que a CPI foi capaz de desmascarar a organização do movimento e mostrar seu vínculo com o governo federal. “A clara tentativa de atrapalhar o andamento dos trabalhos da CPI evidencia isso. A esquerda não se contentou em obstruir – o que é regimentalmente legítimo. A esquerda agiu de forma sórdida, usurpando de diversos deputados o direito de participar dos trabalhos da Comissão. Estejam certos de que entregaremos ao Brasil um dossiê completo do modus operandi de quem usa os pobres para perpetrar o terror no campo”, assegura a deputada catarinense.

Para o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), "o governo federal atuou diuturnamente para enfraquecer e destruir a CPI do MST, como se estivesse com medo das investigações”. “Com o andamento dos trabalhos, chegaram ao nosso conhecimento os inúmeros crimes cometidos por esse pseudo movimento, e foi a partir desse momento que o Executivo intensificou os ataques ao colegiado. Isso evidencia as consequências de mexer com o crime organizado: o governo entra em ação para defender esses criminosos. Apesar das interferências na comissão, tenho a convicção de que o relator apresentará um relatório robusto, desmascarando essa organização criminosa", disse o deputado.

Na avaliação do vice-presidente da CPI, deputado Kim Kataguiri (União-SP), a missão do colegiado foi cumprida. “O governo se desesperou vendo que criminosos ligados ao governo seriam indiciados e decidiu usar sua máquina pra tirar oposicionistas da comissão. O ataque do PT mostra que cumprimos nossa missão e colocamos o dedo na ferida”, disse o parlamentar.

A analista política Carol Curimbaba reforça o posicionamento dos parlamentares. “A CPI do MST foi abafada pelo poder do mecanismo político. Pela forte negociação do governo, que estava sendo mais atingido pela CPI, e pelo Centrão, com a entrega de cargos no governo, ministérios e emendas parlamentares”, afirmou a especialista.

Governistas articulam relatório paralelo para CPI do MST

Uma das principais figuras da esquerda na CPI foi a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP). Durante as investigações, as ligações da deputada com os movimentos de invasão de propriedades foram evidenciadas. Sâmia teria inclusive contratado como sua assessora uma das líderes da Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade (FNL) e pode ser mencionada no relatório de Salles como incentivadora das invasões.

Neste contexto, a deputada articula a apresentação de um relatório paralelo. Questionada sobre o conteúdo do relatório, a assessoria da deputada destacou que “não vai ter nenhuma surpresa e nem vai indiciar ninguém, ao contrário do que pretende o Salles. Mas vai relatar, de fato, o que ocorreu na CPI e está amplamente documentado”, pontuou. O relatório de Sâmia já tem um texto inicial que foi apresentado ao deputado Nilto Tatto (PT-SP), para que os demais deputados de esquerda façam as suas contribuições.

De acordo com a assessoria de Sâmia, o relatório elaborado pela esquerda vai enfatizar “todas as acusações sem provas, os atos de abuso de autoridade, invasões de propriedade por parte dos membros em assentamentos, diversos casos violência política de gênero que já estão sendo investigados pela PGR”. O relatório paralelo deve dar ênfase ainda para a reforma agrária e a luta pela terra.

Na avaliação da deputada Sâmia Bomfim, “a CPI chega a seu fim derradeiro sem conseguir provar nada contra o MST”. “O presidente e o relator não têm força para aprovar um relatório. Uma CPI que serviria para fortalecer os bolsonaristas contra a esquerda serviu, na verdade, para dar popularidade ao movimento social e desmoralizar a extrema direita”, disse a parlamentar.

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