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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) analisou, nesta terça-feira (22), a denúncia contra mais seis acusados pela suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. O julgamento contou com momentos de descontração entre os ministros, proibição de uso de celulares, referências bíblicas e críticas à anistia.
O colegiado tornou réus, por unanimidade, os denunciados do chamado “núcleo 2”, formado por Fernando de Sousa Oliveira, Filipe Martins, Marcelo Costa Câmara, Marília Ferreira de Alencar, Mário Fernandes e Silvinei Vasques.
Logo no início da sessão, o presidente da Turma, Cristiano Zanin, mandou lacrar os celulares de todos os presentes em sacos plásticos vedados. Jornalistas, advogados, assessores e investigados foram obrigados a entregar seus aparelhos antes de entrar na sala de audiência.
A Corte não adotou a medida no primeiro julgamento da suposta trama golpista, que tornou réus o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados. O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), que assistiu a sessão, classificou a proibição de celulares como “uma vergonha”.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou que a iniciativa restringiu o exercício da advocacia e a cobertura jornalística do julgamento. “Que democracia é essa em que, excepcionalmente, numa sessão específica de julgamento no STF, não se pode adentrar com celulares? Que medo é esse? Onde está escrito? Em que norma processual ou legal?”, enfatizou Portinho em discurso no plenário do Senado.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) disse ter recebido “com surpresa e irresignação a decisão que determinou a lacração dos celulares de advogados e de profissionais da imprensa”. O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, afirmou que pedirá a Zanin a revisão da medida.
"O uso de aparelhos para gravação de áudio e vídeo em sessões públicas é amparado por lei e constitui prerrogativa da advocacia, não podendo ser restringido sem fundamento legal claro e específico. Eventuais excessos devem ser apurados com responsabilização individualizada, sem prejuízo das garantias institucionais", disse a OAB.
Dino “candidato a papa”
A sessão foi marcada por referências bíblicas tanto da parte das defesas quanto dos ministros. O ministro Flávio Dino afirmou que algumas pessoas “se autodenominam juristas” na internet para criticar a condução do caso por Alexandre de Moraes. Em tom descontraído, a ministra Cármen Lúcia apontou que jurista pode ter vários significados. "Por exemplo, quem pega dinheiro a juros ou empresta é jurista”, disse a ministra.
O ministro emendou: “Apenas para não deixar a Bíblia de fora, quem empresta dinheiro a juros comete um pecado, segundo o antigo testamento”. Em seguida, Moraes brincou que Dino “é candidato a papa”, pois já tinha feito várias alusões à bíblia durante o julgamento. “Vossa Excelência é candidato a papa. Eu percebo uma certa…[tendência]”, disse Moraes.
A Igreja Católica se prepara para escolher um novo pontífice nos próximos dias após a morte do papa Francisco nesta segunda-feira (21).
Advogado compara “sofrimento” de Filipe Martins à “crucificação de Jesus”
O advogado Sebastião Coelho, que representa Filipe Martins, aproveitou as celebrações da Páscoa para comparar a situação de seu cliente com a crucificação de Jesus durante a sustentação oral.
“Tivemos neste fim de semana a celebração da Páscoa. O apóstolo Paulo escreveu a Timóteo: ‘na minha primeira defesa, ninguém me deu ouvidos’, mas Filipe Martins aguarda que esse tribunal hoje dê ouvidos à sua defesa. E que aquele processo de crucificação que Jesus sofreu, Filipe Martins está sofrendo desde 8 de fevereiro de 2024, mas ele tem que acabar hoje”, disse Coelho aos ministros.
Martins é ex-assessor para Assuntos Internacionais de Bolsonaro e foi o único dos denunciados do “núcleo 2” a acompanhar o julgamento presencialmente. Ele cumpre prisão domiciliar em Ponta Grossa (PR), mas foi liberado para acompanhar a sessão.
Foto de Filipe Martins apagada
Moraes determinou uma série de restrições para que Martins assistisse a sessão. Entre as medidas, o ministro proibiu a divulgação de imagens do ex-assessor. No entanto, ao menos uma foto de Martins, produzida por um dos fotógrafos da própria Corte, chegou a ser divulgada no Flickr oficial do STF pela manhã. O registro foi excluído em seguida.
A proibição de imagens foi criticada pela defesa pouco antes do início da audiência. Coelho afirmou que “ninguém pode ser responsabilizado por ato de terceiro”.
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Investigado não escolhe juiz
As defesas pedem que Moraes seja retirado do caso, argumentando que o ministro seria uma das eventuais vítimas do suposto plano de golpe. O ministro chamou de “ladainha” a insistências dos advogados sobre o tema. Ele ressaltou que a Primeira Turma analisa uma série de ações contra a “instituição democrática Poder judiciário”, e não contra “a pessoa física Alexandre de Moraes”.
“É importante deixar muito claro que a denúncia aqui não se refere a tentativa de homicídio. Obviamente que, se houvesse uma denúncia por tentativa de homicídio contra um magistrado do Supremo Tribunal Federal, esses fatos seriam apartados, e [a denúncia] seria distribuída para outro ministro do Supremo Tribunal Federal", disse.
O relator afirmou que “investigado não escolhe o juiz” que o julgará. Moraes apontou que “seria muito fácil para todos investigados, a partir do momento que está sob a presidência do inquérito ou sob a presidência de uma ação penal um determinado juiz, ou um determinado ministro relator, passar a ameaçar esse relator, esse juiz para retirá-lo do processo”.