STF vai julgar também se tribunal militar deve julgar crimes cometidos por militares contra civis.| Foto: José Cruz/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem na pauta desta quarta-feira (9) uma série de julgamentos envolvendo a competência da Justiça Militar para julgar crimes cometidos por civis em tempos de paz e por militares contra civis. Estão pautadas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e dois habeas corpus sobre o tema.

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A ADPF foi proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2013 e questiona a competência da Justiça Militar para julgar civis em tempos de paz. A PGR alega que "a submissão de civis à jurisdição da Justiça Militar, em tempo de paz, viola o Estado Democrático de Direito e o princípio do juiz natural, além do princípio do devido processo legal material.

“A Justiça Militar, de regra e por natureza, no Estado democrático e constitucional, destina-se aos militares e não aos civis, excetuados, e assim mesmo com as precauções devidas, em tempo de guerra declarada", defende a PGR.

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O Código Penal Militar prevê, no artigo 9º, que são considerados crimes militares em tempos de paz os crimes previstos no código praticados “por qualquer que seja o agente”. Além disso, o CPM determina que crimes praticados contra instituições militares, mesmo que cometidos por civil, inclusive militar da reserva ou reformado, são julgados pela Justiça Militar.

“Não bastasse a ofensa à Constituição da República, por si só, também no plano internacional de proteção aos direitos humanos a tendência predominante nos países democráticos é no sentido de limitar a jurisdição penal militar”, argumenta a PGR.

Argumentos a favor e contra a competência da Justiça Militar

A Defensoria Pública da União (DPU) também apresentou um parecer na ADPF pedindo que a competência para julgar civis seja da Justiça Federal ou Estadual. “O Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 8º, item 1, estabelece a toda pessoa acusada o direito de ser processada e julgada por um Juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial”, defende a DPU.

O grupo Tortura Nunca Mais, que ingressou na ação como amicus curiae, também apresentou um parecer no mesmo sentido. O parecer ressalta que dos 15 ministros do Superior Tribunal Militar, 10 são militares e nenhum deles possui formação jurídica.

Já o Exército, ao se manifestar na ADPF, argumentou que a Constituição determina que a lei pode dispor sobre organização, funcionamento e competência da Justiça Militar. Por isso, segundo o Exército, a previsão sobre competência no Código Penal Militar não deve ser declarada inconstitucional.

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O Superior Tribunal Militar (STM) também se manifestou contra o pedido da PGR. O STM alega que “a Justiça Militar não julga crimes de militares, e sim crimes militares”. “O que o Código Penal Militar tutela não é a pessoa do militar; o que ele protege é a função, adjetivamente considerada. Desta forma, tanto o militar como o civil, se atentarem contra os interesses da ordem jurídica militar, devem responder por crime militar, nos limites legais”, argumenta o STM.

O relator da ADPF é o ministro Gilmar Mendes.

Militar atuando em ações de Garantia da Lei e da Ordem

O STF também tem na pauta uma ADI que questiona a redação de leis sobre o emprego das Forças Armadas que estabelecem como atividade militar o emprego e o preparo das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Com isso, a legislação define a competência da Justiça Militar para julgar esse tipo de caso.

O pedido é de 2013, a PGR argumentava que “a ampliação e o fortalecimento das Forças Armadas no combate ao crime, especialmente o de fronteira, não é incompatível com a Constituição Federal de 1988 e com o Estado Democrático de Direito”. Em 2013, o procurador-geral da República era Roberto Gurgel.

Em parecer apresentado em 2017, a PGR mudou de ideia e pediu que a ADI seja considerada improcedente. O pedido foi feito pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot, que argumentou que “nem todo aumento da competência da Justiça Militar é, por si só, inconstitucional”.

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Os ministros vão decidir se a legislação que trata do emprego das Forças Armadas ampliam indevidamente a competência da Justiça Militar. O relator, ministro Marco Aurélio, já votou pela improcedência do pedido feito em 2013. Ele foi acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes. Já o ministro Edson Fachin julgou o pedido procedente. O julgamento será retomado com os votos dos demais ministros.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) estuda enviar para o Congresso um projeto de lei que amplia o excludente de ilicitude para militares que atuam em GLOs. O projeto pode ser enviado ainda neste ano.

Investigação de crime cometido por militar contra civil

A outra ADI que está na pauta foi proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) e questiona a constitucionalidade da instauração de inquérito policial militar em casos de crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil.

A Adepol sustenta que "o procedimento de inquérito policial militar para apuração dos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, para posterior ação penal perante a Justiça comum, atenta flagrantemente” contra a Constituição.

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A associação também argumenta que "a investigação policial nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, tem no inquérito policial (e não no IPM) o instrumento de sua formalização, alçado pela sua importância ao patamar constitucional".

O relator da ADI é o ministro Gilmar Mendes.

Casos concretos que questionam a competência da Justiça Militar

O STF também tem na pauta desta quarta-feira dois recursos de casos concretos que questionam a competência da Justiça Militar. O primeiro é um habeas corpus do engraxate Renato da Silva Neto. Ele foi preso em 2011 em um patrulhamento do Exército, no Rio de Janeiro, e responde a um processo na Justiça Militar por ter resistido à prisão.

A Defensoria Pública argumenta no HC que o Exército estava exercendo atividade de policiamento no episódio, “nitidamente vinculada ao serviço estatal de segurança pública” e por isso o caso deveria ser julgado na justiça comum. “No entender da Defensoria Pública da União, portanto, a conduta imputada ao ora paciente não enseja ofensa a nenhum bem jurídico diretamente relacionado às funções típicas das Forças Armadas”, argumenta a DPU. O relator do HC é o ministro Ricardo Lewandowski, que já negou um pedido de liminar feito pela DPU.

O outro caso, relatado pelo ministro Edson Fachin, é um recurso ordinário em habeas corpus (RHC) contra decisão da Justiça Militar que recebeu uma denúncia pela prática do crime de corrupção ativa. O recurso é da defesa do empresário Antonio Carlos Bertagnoli, acusado de oferecer propina a José Jorge dos Santos, tenente do Exército. Bertagnoli, segundo a denúncia, teria realizado oito depósitos de R$ 500 na conta de Santos, em 2012.

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A Segunda Turma do STF já concedeu uma liminar para suspender o andamento da ação penal militar até que o caso seja analisado no mérito.