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Governo quer acabar com o direito de preferência da Petrobras em leilões de áreas do pré-sal.
Governo quer acabar com o direito de preferência da Petrobras em leilões de áreas do pré-sal.| Foto: André Valentim/Divulgação Petrobrás

Após alcançar resultados abaixo do esperado em dois certames realizados em novembro, o governo estuda mudar as regras para os próximos leilões de exploração de petróleo e gás natural em áreas do pré-sal. A ideia é flexibilizar o regime de partilha, tornando-o opcional, e acabar com o direito de preferência da Petrobras. Hoje, o governo é obrigado a realizar leilões de área do pré-sal sob o regime de partilha e dar à estatal o direito de ter preferência pelas áreas leiloadas, duas heranças deixas pelo segundo governo Lula.

O governo atribui ao regime de partilha e à preferência da Petrobras o fato de os dois últimos leilões do pré-sal, incluindo o da cessão onerosa, praticamente não terem atraído empresas estrangeiras. O leilão da cessão onerosa acabou com somente duas das quatro áreas arrematadas e a 6ª rodada teve apenas um bloco arrematado, de um total de cinco. Com isso, o governo deixou de arrecadar R$ 39,3 bilhões. Os dois certames foram realizados na primeira semana de novembro e as áreas arrematadas foram levadas pela Petrobras, algumas em consórcio com estatais chinesas.

“O governo está estudando sim [flexibilizar o regime de partilha], e nós decidimos trabalhar com isso em conjunto com o Congresso Nacional. Tem projetos lá e entendemos que podemos juntos chegar naquilo que será o melhor para país”, disse o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após o leilão da cessão onerosa.

Um dia depois, depois do leilão da 6ª rodada, também no início de novembro, Bento admitiu que o direito de preferência da Petrobras reduz a competitividade. “O exercício do direito de preferência reduz a competitividade do certame. E o fato de a Petrobras defender o direito de preferência e não participar [como ocorreu no leilão da 6ª rodada] tem que ser analisado. Não me parece ser de bom senso manter o regime como é hoje”, declarou o ministro.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, também já defendeu publicamente a revisão da lei de partilha, assim com o presidente da Petrobras, Roberto Castelo Branco, e o diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Décio Oddone.

O regime de partilha, válido para áreas dentro do polígono do pré-sal, tem regras mais rígidas que o de concessão, adotado em áreas fora do pré-sal. Pela lei da partilha, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) pode recomendar a contratação da Petrobras diretamente para exploração da área. Se colocar a área para leilão, tem que dar o direito de preferência para a Petrobras, que depois diz se vai exercer não. Uma vez exercido, os demais operadores só podem operar naquela área se formarem consórcio com a estatal.

Além disso, no regime de partilha, a União é a “dona” do petróleo e gás natural que vier a ser extraído. Por isso, a empresa que topar explorar a área tem que oferecer à União participação no volume de óleo produzido, além de pagar o bônus de assinatura, valor que o governo federal cobra pela assinatura do contrato. Há, ainda, a presença da estatal PPSA em todos os contratos assinados no regime de partilha. A função dela é fiscalizar o operador para garantir que a União não está sendo passada para trás.

Os passos do governo para flexibilizar o regime de partilha

O passo mais recente do governo em direção a mudanças no regime do pré-sal foi a criação de um programa para o aprimoramento das licitações de exploração e produção de petróleo e gás natural, chamado de BidSim. Trata-se de um comitê interministerial, formado pelos ministérios da Economia e Minas e Energia mais a equipe do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e a Agência Nacional de Petróleo (ANP).

O objetivo do BidSim é aperfeiçoar os procedimentos licitatórios de exploração e produção de petróleo e gás natural por meio do “desenvolvimento de metodologias para definição dos critérios técnicos e econômicos que subsidiarão as modelagens econômicas, e para a definição de áreas estratégicas”. O programa foi criado em novembro e é liderado pelo Ministério de Minas e Energia.

Além da criação do programa, o governo manifestou recentemente apoio ao projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP), que acaba com o direito de preferência da Petrobras em áreas do pré-sal e retira a obrigatoriedade de fazer todo leilão de área do pré-sal sob o regime de partilha. Para isso, altera a lei do regime de partilha, aprovada no fim do segundo governo Lula.

O apoio foi manifestado pelo líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), e pela Secretaria de Avaliação de Políticas Públicas, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia, por meio de nota técnica.

Além de propor o fim do direito de preferência da Petrobras, o projeto de Serra estabelece que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), assessorado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), é quem vai decidir quais áreas do pré-sal serão ofertadas pelo regime de partilha e quais serão pelo regime de concessão.

O conselho é presidido pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e conta com a participação de diversos ministros do governo. Ou seja, a decisão de leiloar ou não uma área do pré-sal sob o regime de partilha será do governo, caso a caso – desde que o projeto de Serra seja aprovado pelo Congresso.

O projeto já teve parecer favorável na Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado, mas ainda aguarda ser votado pelo colegiado para depois ir para o plenário. Porém, as discussões sobre a questão da prisão após a segunda instância estão travando a pauta da Casa.

O que dizem os especialistas sobre as regras dos leilões do pré-sal

Dois especialistas no setor de energia consultados pela Gazeta do Povo são favoráveis à flexibilização do regime de partilha, incluindo o fim do direito de preferência da Petrobras, nos leilões do pré-sal.

Maurício Canêdo, professor da FGV EPGE e da UERJ, diz que o regime de partilha é muito oneroso para as empresas. “No regime de partilha tem que ficar auditando custos, calcular óleo-lucro. Ele não dá incentivo para a eficiência. No regime de concessão, toda a economia que você faz para produzir o óleo vira lucro.”

Ele acredita que é uma boa ideia oferecer áreas do pré-sal no regime de concessão, desde com alguns ajustes. “Se a preocupação do governo na época que foi aprovada a partilha era aumentar a participação do governo no lucro obtido com o petróleo, isso poderia ter sido feito com pequenas modificações no regime de concessão [que era empregado até surgir o regime de partilha]. Bastava simplesmente calibrar as alíquotas dos royalties e das participações especiais. Por exemplo, colocar alíquotas maiores e manter o regime de concessão.”

O sócio-líder de energia e recursos naturais da KPMG no Brasil, Anderson Dutra, afirma que o regime de partilha acaba não trazendo atratividade para as empresas.

"O regime de partilha é muito controverso. Ele é um regime que você cria uma série de estimativas, não só na formação do preço, como o bônus de assinatura, mas também na quantificação do percentual que você faz do lucro-óleo para devolver à União", argumenta Dutra. "O agente econômico [empresas] tem questionado muito isso. Esse aspecto regulatório não condiz muito com os movimentos que têm sido feitos pelo governo.”

Dutra lembra que os leilões de 2019 que não foram sob regime de partilha – o da oferta permanente e da 16ª rodada, no regime de concessão – foram um grande sucesso. “Vai ser muito difícil o agente econômico entrar com os investimentos que são necessários para esse tipo de reservatório do pré-sal nesse modelo de partilha”, diz Dutra.

“[O fim da partilha] melhora a competitividade e fomenta a entrada de novos agentes econômicos. Existe uma grande expectativa das empresas do Oriente Médio investirem no Brasil. Essa expectativa, para seguir em frente, você precisa de um rearranjo do ambiente regulatório.”

Sobre o direito de preferência da Petrobras no regime de partilha, Canêdo afirma que ele reduz o valor das áreas para as outras empresas, concentrando o setor na estatal de energia. “Se a Petrobras manifestar seu interesse em operar a área, você é obrigado a ter um sócio que, às vezes, você não deseja. Isso reduz atratividade das áreas [para outras empresas].”

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