Nos últimos meses, a Itaipu Binacional se tornou o centro de uma crise diplomática que resultou na abertura de um processo de impeachment contra o presidente paraguaio Mario Abdo Benítez.
Tudo começou quando Brasil e Paraguai iniciaram a negociação de um acordo para definir a contratação de energia de Itaipu. A ata, que veio à tona quando estava prestes a ser assinada, gerava mais custos para o Paraguai – o que, segundo os brasileiros, corrigia uma distorção que vinha ocorrendo nos últimos anos.
Por causa dos termos do arranjo, Marito, como é conhecido o chefe do Executivo paraguaio, passou a ser acusado de "traição à pátria". O processo de impeachment contra ele perdeu força depois que Brasil e Paraguai cancelaram o acordo, em agosto.
No meio do embate, uma empresa brasileira acabou alimentando ainda mais o noticiário paraguaio em torno do "acordo secreto" de Itaipu. É a Léros, que tem um braço especializado em comercialização de energia e que teria feito negociações com o Paraguai, pela energia de Itaipu, em nome do governo brasileiro.
Entenda, em cinco perguntas, qual é o papel da empresa nessa história:
1. O que faz a Léros?
O braço da Léros envolvido na crise de Itaipu é o de comercialização de energia. Esse tipo de empresa atua no chamado mercado livre do setor elétrico, em que consumidores podem comprar energia diretamente das empresas de geração. Essa modalidade é distinta do mercado cativo, em que o consumidor não tem como escolher de onde vem a energia que utiliza, já que é obrigado a comprar o que a distribuidora local oferece.
O mercado livre foi criado em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Para participar dessa modalidade, os consumidores precisam ter altas demandas (no mínimo 500 kW para usinas eólicas, solares e a biomassa; e de 3.000 kW para qualquer fonte de geração). Nesses casos, empresas como a Léros funcionam como intermediárias, buscando os melhores preços e oferecendo para seus clientes a migração para o mercado livre.
Para atuar no setor, as comercializadoras precisam ser cadastradas junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). De acordo com o site de consulta da Aneel, a Léros começou a atuar nesse mercado em junho de 2010.
2. Qual é o envolvimento da Léros na crise de Itaipu?
A atuação da Léros em relação a Itaipu veio à tona em meio a uma crise política envolvendo a compra da energia produzida na usina. O imbróglio começou em fevereiro deste ano, quando a paraguaia Ande e a brasileira Eletrobras não entraram em acordo sobre contratação da energia.
As estatais não chegaram a um entendimento porque, segundo o lado brasileiro, o Paraguai vinha subcontratando a energia de Itaipu. Isso significa que, quando apresentava a previsão de quanta energia iria comprar, a Ande declarava um número menor do que o que de fato iria precisar. Essa diferença acabava favorecendo os paraguaios financeiramente, já que, sobre a energia contratada – a chamada energia vinculada –, os dois países pagam uma tarifa mais alta. Declarando menos do que ia realmente consumir, o Paraguai completava a demanda comprando a chamada energia não vinculada – vendida por Itaipu a um custo bem mais baixo.
Como não houve acordo entre as duas estatais, o assunto subiu para o nível diplomático. Em reuniões entre brasileiros e paraguaios, foi redigida uma ata em que o Paraguai se comprometia a resolver a distorção na contratação de energia – o que, consequentemente, resultaria em mais gastos para os consumidores do país. Em 2018, por exemplo, 90% da energia consumida no Paraguai veio de Itaipu.
É no meio desse processo que entra a Léros. Segundo informações divulgadas pelo jornal ABC Color, representantes da empresa teriam tido reuniões com autoridades paraguaias para negociar a compra de parte da energia paraguaia de Itaipu. Os encontros estariam acontecendo, segundo o jornal, desde abril. Um dos representantes da empresa seria Alexandre Giordano, suplente do senador Major Olimpio (PSL-SP). À revista Piauí, Giordano confirmou as reuniões para tratar da venda da parte paraguaia da energia de Itaipu.
Em reportagem publicada no início de agosto, o ABC Color apresentou documentos que teriam sido entregues pela Léros para as autoridades do país. Segundo a proposta, de julho de 2019, seriam pagos US$ 31,50 por MW/h vendido pela Ande. Caso a Léros conseguisse repassar a energia no mercado brasileiro por mais de US$ 35 por MW/h, metade da diferença seria dividida entre a empresa e a estatal paraguaia.
3. Qual é a relação da Léros com o governo Bolsonaro?
Ainda segundo o ABC Color, o empresário Alexandre Giordano teria se apresentado aos paraguaios como um “representante do governo brasileiro”. Ao jornal O Globo, um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse que Giordano não tinha autorização para utilizar o nome da família. Também à publicação, o diretor do grupo Léros, Kleber Ferreira, negou que tenha relação com o PSL, o governo ou a família Bolsonaro.
A versão paraguaia é outra. Ao ABC Color, o advogado José Rodríguez González, que seria assessor jurídico do vice-presidente do país, Hugo Velázquez, afirmou que a Léros se apresentou como vinculada à família presidencial. Além disso, de acordo com González, o suplente Alexandre Giordano teria se identificado como senador.
À Piauí, Giordano negou que tenha se apresentado dessa forma. “Não tenho amizade com o Bolsonaro, nunca nem dei a mão para o Bolsonaro, não tenho amizade com os filhos dele, não frequento a casa deles, não frequentam minha casa, tenho relação zero com eles. A única coisa é que, em nome do crescimento do país, resolvi apoiar o governo. E acredito muito no senador Major Olimpio, estou no projeto dele, que para mim é um grande líder. Mas eu sou um reserva sentado no banco, tenho que tocar minha vida, minhas empresas”, afirmou, em conversa com a revista.
Segundo informações repercutidas pela imprensa, porém, Giordano visitou o Palácio do Planalto em fevereiro. Um dia antes, Bolsonaro havia ido a Foz do Iguaçu para dar posse ao diretor brasileiro da usina.
4. O Paraguai pode vender energia de Itaipu para empresas privadas?
A operação proposta pela Léros à Ande não é permitida pelo tratado de Itaipu. Firmado em 1973, o documento prevê que a energia produzida na usina seja comprada pelas estatais do setor de energia de cada um dos países. Mudanças nessa regra precisariam passar pelos Congressos de Brasil e Paraguai.
De acordo com o que veio a público sobre as negociações da contratação de energia, a ata bilateral de maio incluía um item que liberava essa comercialização. Mas, no curso das negociações, a cláusula acabou retirada do acordo.
5. Como está a crise de Itaipu?
Depois das negociações virem a público, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, acabou ameaçado por um pedido de impeachment. Por isso, o acordo entre os dois países acabou não sendo assinado, a pedido dos paraguaios. Agora, os dois países retomaram as negociações para definir como será a contratação de energia de Itaipu para 2019.
O problema é que, sem essa definição, a usina está sem receber o pagamento por parte da energia repassada. Conforme a Gazeta do Povo mostrou em agosto, entre fevereiro e julho de 2019, por conta do imbróglio, US$ 50 milhões não foram pagos para a usina. À época, o diretor brasileiro de Itaipu, general Joaquim Silva e Luna, disse acreditar em uma solução de curto prazo para o impasse.
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