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Ricardo Lewandowski na diplomação de Lula, em 2022
Ricardo Lewandowski era cotado para assumir cargo no primeiro escalão de Lula desde o início do mandato| Foto: Isac Nóbrega/PR

A escolha de Ricardo Lewandowski para comandar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública confirma, mais uma vez, o critério adotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste terceiro mandato, de colocar pessoas em quem deposita alta confiança em cargos que, nas mãos de alguém sem tanta proximidade, poderiam representar o risco para si e seus aliados.

A preferência por gente com quem Lula pode contar nos momentos mais difíceis já havia se materializado na indicação de seu advogado, Cristiano Zanin, e do agora ex-ministro da Justiça Flávio Dino, para o STF. Ambos ajudaram Lula quando ele foi condenado e preso pela Lava Jato e, também em razão disso, combateram a operação.

O mesmo se dá com Lewandowski, o ministro do STF que mais se opôs à Lava Jato durante toda sua existência: em seu início e auge, entre 2014 e 2018, e no processo de sua demolição, da qual foi figura-chave, a partir de 2019. Sua participação foi crucial nas decisões fundamentais que destruíram as investigações e que beneficiaram diretamente Lula: fim da prisão em segunda instância, anulação dos processos por incompetência e suspeição do ex-juiz Sergio Moro, transferência dos casos para a Justiça Eleitoral e invalidação das provas da Odebrecht.

No final de 2020, ele ainda deu à defesa de Lula acesso integral às conversas privadas mantidas por anos entre o ex-procurador Deltan Dallagnol, sua força-tarefa e Moro. O material foi captado ilegalmente por hackers e usado à exaustão por Lula e diversos políticos para desmoralizar a Lava Jato e anular um número crescente de inquéritos e ações penais por corrupção.

Com Lewandowski no comando do Ministério da Justiça – que abriga a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), a Secretaria Nacional de Políticas Penais (antigo Depen, que cuida da questão penitenciária) – Lula espera ter um aliado que não lhe traga más surpresas, seja impedindo que nasça uma nova Lava Jato, seja tentando evitar que uma possível explosão da criminalidade no país atinja a imagem do governo e sua popularidade.

Para isso, Lula aposta na boa imagem de Lewandowski construída no mundo jurídico e político. Nos últimos anos, especialmente depois que presidiu o STF, o ministro aposentado conquistou maior prestígio nesses meios, a ponto de refazer pontes com antigos desafetos, como o atual decano Gilmar Mendes, e atuar afinado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com Alexandre de Moraes, outro ministro que conquistou grande poder no período recente no enfrentamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo.

Apesar de ter mantido postura cordial nos contatos que teve com Bolsonaro em seu mandato – a ponto de, ao lado dele, subir no púlpito de uma igreja evangélica e discursar em homenagem a André Mendonça, quando este teve o nome aprovado para o STF –, Lewandowski foi peça-chave no cerceamento da propaganda eleitoral do ex-presidente em 2022. Nos julgamentos, ele teve atuação decisiva para proibir que Bolsonaro ou seus apoiadores associassem Lula à corrupção, ao crime e à antipatia aos valores cristãos e tradicionais.

Antes do segundo turno, ao votar pela remoção das redes de um vídeo que rememorava escândalos de corrupção do PT, ele afirmou que “o cidadão comum não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional”. Quase sempre, nas sessões, Lewandowski dava o primeiro voto contra Bolsonaro, sendo logo seguido por Benedito Gonçalves, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes, formando então maioria.

O apoio a Lula e ao PT já havia sido demonstrado desde o julgamento do mensalão, em 2012, quando Lewandowski foi revisor da ação penal e votou contra a condenação dos principais nomes do partido. O apoio atravessou a Lava Jato e se consolidou na oposição à campanha eleitoral de Bolsonaro e ao seu governo.

Lewandowski deve tentar reverter políticas de Bolsonaro no Ministério da Justiça

No STF, Lewandowski sempre votou contra as principais bandeiras do ex-presidente, de acesso a armas a liberalização na economia. Na pandemia, foi relator e acolheu ações da oposição para forçar o governo a adquirir e distribuir vacinas contra a Covid.

No quesito “antibolsonarismo”, portanto, Lewandowski pode ser tão eficiente quanto foi Flávio Dino no Ministério da Justiça para drenar a direita ligada ao ex-presidente e seu programa político. Isso tende a ser demonstrado, sobretudo, no problema da segurança pública.

Lewandowski é o antípoda de Bolsonaro no tema: defende persistentemente o desencarceramento de presos e o desarmamento civil, por exemplo. Quando presidiu o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2014 a 2016, Lewandowski nacionalizou a audiência de custódia – procedimento que leva presos em flagrante à presença de um juiz em 24 horas, para avaliar a legalidade do ato; na prática, muitos acabam soltos imediatamente.

Na questão das armas, Lewandowski votou em setembro de 2022 para derrubar decretos de Bolsonaro que facilitavam posse, porte e a compra por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Em novembro daquele ano, quando Bolsonaro já havia perdido a reeleição, ele disse num evento com empresários que a quantidade de armas em circulação entre civis era “absolutamente desproporcional aos eventuais perigos que as armas querem afastar”.

No mesmo discurso, durante um fórum promovido pelo grupo Esfera Brasil, ele disse: “precisamos caminhar para o desencarceramento. Os presídios são escolas de criminalidade”. Lewandowski se orgulha de, quando presidente do Conselho Nacional de Justiça, ter lançado um aplicativo para que juízes monitorem o cumprimento de penas, para evitar que condenados passem mais tempo que o fixado na sentença, e também de ter criado um programa de saúde nos presídios.

Para interlocutores próximos, Lewandowski deve aprofundar tais orientações no Ministério da Justiça. Seu maior problema, no entanto, deve ser a aprovação de medidas assim no Congresso, onde a bancada da segurança, de direita, tem tentado conter a reversão das políticas de Bolsonaro. Quem é próximo do ministro aposta, no entanto, que ele pode ser mais hábil que Flávio Dino para driblar seus opositores, pois, ao contrário do antecessor, não é dado a provocações e deboches em relação à direita em entrevistas e audiências públicas.

Apesar de compartilhar visão muito parecida no campo político e ideológico, Lewandowski tem um estilo mais discreto, sutil e simpático quando diverge de alguém num debate.

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