Lula enfrentará uma oposição mais ativa, organizada e virulenta em sua terceira passagem pela presidência da República.| Foto: André Borges/EFE
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O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deverá ter uma gestão tranquila a partir de 1º de janeiro. No Congresso Nacional e nas ruas, a promessa feita por parlamentares e coordenadores de movimentos de rua é de uma oposição implacável, programática, estratégica e organizada.

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A presença de manifestantes descontentes com o resultado eleitoral e os atos em apoio ao atual presidente Jair Bolsonaro que ocorreram nos últimos anos ilustram o peso da oposição que Lula vai enfrentar. No Congresso, o cenário é de força dos opositores, que podem chegar a ser metade na Câmara, de 513 deputados, e também no Senado, composto por 81 senadores.

O líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), calcula que a oposição larga com ao menos 35 senadores. A conta toma por base o número de votos estimados para a candidatura do senador eleito Rogério Marinho (PL-RN) à presidência da Casa, que oficializou sua candidatura recentemente.

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"Pelas nossas contas, em conversas com outros partidos e [senadores] avulsos, pois tem muito voto no varejo em todos os partidos, com exceção dos mais à esquerda, a gente já teria, hoje, cerca de 35 votos. Faltariam seis na nossa conta para vencer a eleição do Senado. E é um cenário de construção, então, largar assim já é uma boa expectativa", diz. Ele é o nome mais cotado para assumir a liderança da oposição no Senado na próxima legislatura.

Portinho e as bancadas do PL e do governo no Senado estão confiantes de obter mais seis votos e atingir os 41 necessários para eleger Marinho, o que já colocaria quase metade da Casa na oposição a Lula. "Quem é Rodrigo Pacheco [presidente do Senado e candidato à reeleição] é Lula, quem é Lula é Pacheco. Vamos chegar às eleições com chances, ainda mais pelo desgaste que o senador vem tendo de fora para dentro, e as ruas reforçam nosso papel de oposição no Congresso e dão sustentação principalmente na corrida pela presidência do Senado, que vai ser fundamental", analisa.

O cenário de contraposição não é muito diferente na Câmara. O deputado federal Evair Vieira de Melo (PP-ES), vice-líder do governo Bolsonaro, calcula uma bancada orgânica da oposição que pode chegar a 250 deputados. "Em temas ideológicos, podemos chegar a 300", avalia.

Um dos mais cotados para assumir a liderança da oposição na Câmara, Evair destaca, ainda, que o PL possivelmente terá as principais comissões estratégicas. Caso isso ocorra, Lula poderia ter dificuldades para tramitar projetos de interesse do governo, bem como a base da esquerda.

Como as ruas podem engajar o Congresso e o que dizem parlamentares

As ruas prometem ser um importante indutor de oposição institucional e social a Lula. Mesmo de forma orgânica, sem a coordenação dos movimentos, milhares de pessoas ocuparam estradas, praças e até os quartéis militares em protestos contra o resultado eleitoral, diz o deputado estadual eleito Tomé Abduch (Republicanos-SP), fundador e coordenador do Nas Ruas.

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O atual cenário sugere uma grande possibilidade de as ruas serem ocupadas por protestos ao longo dos próximos anos contra Lula e propostas defendidas pelo governo. "A partir do momento em que as lideranças tiverem pautas claras e definidas e ajudar a direcionar a população para os anseios dela, será muito difícil segurar a nação. Vão ter que respeitar a vontade da população e eles [governo eleito] que não pensem que farão o que querem com o país", diz Abduch.

O empresário Paulo Generoso, criador e coadministrador da página da internet República de Curitiba, reforça a análise e sustenta que, hoje, ninguém consegue mobilizar tantas pessoas de forma tão rápida quanto os movimentos de rua. "Pode ter certeza que Lula vai ter, sim, uma oposição forte e ferrenha tanto por parte de nossa bancada no Congresso quanto do povo na rua. Continuaremos juntos, apoiando os nossos deputados e senadores, e lutando contra todas as pautas que não sejam do interesse do país e que não representem o nosso povo de direita conservador", afirma.

O senador Carlos Portinho destaca que os governos do PT nunca governaram com a ameaça que a oposição das ruas oferecerá pelos próximos quatro anos. "Há uma mobilização muito orgânica, assim como aconteceu desde 2013 e que culminou com o impeachment da [ex-presidente] Dilma [Rousseff]. Não é uma mobilização capturada por políticos, é algo que nasce da própria população", diz.

O deputado federal Sanderson (PL-RS), vice-líder do governo na Câmara, endossa que o atual cenário é diferente em relação ao primeiro mandato de Lula e avalia que as ruas estão muito mais capacitadas para não apenas reforçar a oposição política no Congresso, como também mantê-la permanentemente engajada.

"Aquele cenário de 2002, sem redes sociais, não existe mais. Hoje, com a população acompanhando tudo, em um minuto, qualquer tipo de fala e movimentação gera cobrança. Aquela movimentação de deputados indo para cá e lá, e vez ou outra votando com Lula, isso não acontece mais. Pois se um deputado da nossa base [da direita] votar ou incorporar um do governo do PT, ele não sai mais na rua, isso é uma realidade", destaca Sanderson.

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Que pautas poderiam gerar pressão contra Lula e levar as pessoas às ruas

Após quase 10 anos desde as manifestações das chamadas "Jornadas de Junho", coordenadores de movimentos de rua destacam que, hoje, os movimentos de rua estão mais organizados e que isso pode ser um diferencial para a mobilização da oposição contra Lula.

"Temos gente, experiência e dinheiro para fazer qualquer manifestação no Brasil, sem dúvida nenhuma", destaca Paulo Generoso. "As ruas estão preparadas para colocar milhares de pessoas a qualquer momento, sempre que for necessário, e colocamos muito rápido", acrescenta.

Tomé Abduch concorda e entende que a direita criou maturidade e está organizada "como nunca esteve" antes. "A direita compreende com clareza que a força e o clamor popular tira um presidente do poder, inclusive como já foi feito há pouco tempo atrás com a ex-presidente Dilma [Rousseff], e acho que é o momento da classe política compreender isso. Eles vão ter que andar dentro de um caminho que agrade o clamor da população", avalia.

A organização dos movimentos de rua pode ser fundamental para mobilizar a população contra pautas como a revogação da reforma trabalhista, a volta do imposto sindical, a legalização do aborto, avalia Generoso. "Não tenho dúvidas que todas essas pautas seriam fatores imediatos que incendiariam as ruas. A partir do momento que mexerem com nossos valores e princípios podem ter certeza que vamos incendiar as ruas", comenta.

Possíveis escândalos de corrupção e até manifestações por impeachment de Lula seriam outras pautas com potencial para levar a população às ruas, avalia Abduch. "O mesmo vale para outras pautas como votações que vão acontecer no Senado, a qual a pressão popular se faz necessária. Com pautas de votação claras e definidas, fica muito mais claro para que os grupos que organizam as manifestações tenham a facilidade e a clareza para mobilizar a nação sem que possa haver uma inversão de valores como ocorre agora", diz.

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Outra pauta que poderia gerar mobilização nas ruas e no Congresso é a regulamentação da mídia, algo classificado como "impensável" por Carlos Portinho. "Revogação da reforma trabalhista ou uma reforma tributária com aumento de tributo para sanar o buraco fiscal gerado pela PEC seriam inaceitáveis. Naquilo que nos distingue, é lógico que seremos oposição, mas construtiva", destaca.

O senador defende uma oposição com "conteúdo e lógica". "Todos os projetos que sirvam para o bem do desenvolvimento do país e para investimentos sociais serão apoiados, desde que tenham responsabilidade fiscal", destaca. Portinho atuou contra a PEC fura-teto para reduzir a margem fora do teto, por exemplo.

"A nossa convergência era o Auxílio Brasil, ninguém votou contra, tanto que votamos favoráveis às emendas que reduziam o rombo para R$ 100 bilhões com lógica fiscal, não sendo oposição por oposição. O valor que foi aprovado vai causar inflação e aumento de juros, e isso vai corroer justamente o valor de compra para 2023", justifica.

Analista faz ressalvas sobre oposição e alerta sobre vácuo da direita

A BMJ Consultores Associados calcula que a oposição a Lula pode chegar a 233 deputados e 37 senadores. Coordenador de análise política e sustentabilidade da consultoria, o cientista político Lucas Fernandes entende, contudo, que os tamanhos das bancadas na Câmara e no Senado são um "teto".

A depender de acordos firmados entre Lula e partidos de centro, o tamanho da oposição pode ser menor. "Na hora de distribuir para qual partido vai cada ministério e, a expectativa é que tenhamos uma base de oposição menor. É difícil imaginar o Lula tendo um crescimento da oposição muito maior do que a gente já tem aí", diz.

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O analista político ressalva, porém, que um novo escândalo de corrupção envolvendo o governo eleito poderia afetar o relacionamento com outros partidos do centro. "Tradicionalmente, temos período de lua de mel entre um novo presidente e o Congresso, então, a oposição deve diminuir um pouco", reforça.

O coordenador de análise política da BMJ reconhece, no entanto, que o Congresso têm mais poder atualmente do que em 2002. O protagonismo do Parlamento pode, portanto, impor desafios ao governo eleito e fortalecer uma oposição a Lula. "Antes, havia uma capacidade maior do Executivo controlar o Orçamento. Agora, temos um Centrão com incentivos e instrumentos para se comportar como oposição, o custo de negociação é muito alto", diz. "E isso faz com que a estratégia tenda a ser diferente", complementa.

Fernandes admite que as possibilidades do Centrão se comportar como oposição podem ser alimentadas pelas ruas. "Lula não é o presidente super popular que a gente tinha no segundo mandato, então, isso vai ser um complicador e ele vai precisar ceder muito", comenta. Para o analista, o governo eleito terá dificuldades em aprovar propostas de emenda à Constituição, como a PEC fura-teto e uma reforma tributária.

Fernandes tira como paralelo o fato de que a Câmara aprovou em agosto de 2019 a reforma da Previdência e que Bolsonaro teve o apoio das ruas para isso, e entende que Lula não terá a mesma boa-vontade. "Ninguém vai para a rua defender reforma tributária, é muito complexo, não vai diminuir os impostos, só vai unificar e nacionalizar, e há setores que podem sair perdendo. É uma discussão complexa, não está pacificada como a da previdenciária e é uma reforma completamente diferente em um cenário de adversidade", diz.

O analista alerta, porém, que existe um vácuo político deixado por Bolsonaro na direita conservadora e que isso pode ser um fator de complicação para a oposição no Congresso. "A gente vê o PL querendo cassar o mandato do Moro, já vemos vários problemas na oposição. Esse número de quase 50% da população que não aderiu à campanha do Lula pode ficar rachada e diminuir a capacidade de oposição atuante de levar muita gente à rua", comenta.

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Para Fernandes, só o antagonismo a Lula pode ser insuficiente para organizar todo o movimento opositor. "Vai ser preciso uma definição melhor de uma oposição mais carismática, Bolsonaro não ocupou ainda o vácuo. Já deu para abaixar a poeira e assimila o resultado, e existe um papel [de oposição] que precisa ser ocupado, pois não existe vácuo, ninguém vai esperar assimilar o resultado, isso é importante. Se não tivermos liderança única ou carismática, o Lula ganha com isso, pois terá uma oposição mais fraca na rua", destaca.