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Relator das ações, Gilmar Mendes (último à direita) propôs regras mais rígidas para proteção de dados dentro do governo
Relator das ações, Gilmar Mendes (último à direita) propôs regras mais rígidas para proteção de dados dentro do governo| Foto: Carlos Alves Moura/STF

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) começaram a julgar, nesta quinta-feira (14) um decreto de 2019 do presidente Jair Bolsonaro que regula o compartilhamento de dados pessoais de cidadãos entre órgãos do governo e de outros poderes. Duas ações, uma da OAB e outra do PSB, questionam a proteção dessas informações contra o uso indevido por parte de servidores, que coloque em risco a privacidade ou a autonomia das pessoas.

O temor é de que dados sensíveis vazem ou sejam usados para ações de inteligência e perseguição. O governo defende o decreto, sob alegação de que já preveem procedimentos para guarda das informações e que o compartilhamento é útil para dar eficiência aos serviços públicos, sobretudo com a crescente digitalização de várias atividades estatais.

Relator dos processos, o ministro Gilmar Mendes propôs uma série de medidas para resguardar os dados, mais rigorosas do que as que foram estabelecidas nos decretos. Além disso, votou para que, em até 60 dias, o governo recomponha o órgão que fiscaliza a troca dos dados, atualmente composto somente por servidores indicados pelo próprio Executivo.

Ele disse que o Comitê Central de Governança de Dados – composto por representantes do Ministério da Economia, Controladoria-Geral da União (CGU), Advocacia-Geral da União (AGU), Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Casa Civil da Presidência da República – tem uma forma de indicação contrário ao modelo seguido pelas nações democráticas.

“Cuida-se a rigor de instituição com perfil insular, hostil a qualquer proposta da abertura democrática e de pluralização do debate, e nessa medida fechada à participação de representantes oriundos de outras instituições republicanas e de entidades da sociedade civil”, afirmou o ministro.

Além disso, ele fixou condições mais rigorosas para o tratamento dos dados pelo governo. O compartilhamento deve sempre seguir “propósitos legítimos, específicos e explícitos”, deve ser compatível com as finalidades informadas para a execução de determinada política pública ou obrigação legal e limitar-se ao mínimo necessário. Ele reforçou a necessidade de observar normas mais amplas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), editada em 2018 e que dá aos cidadãos o direito de saber e limitar o uso de suas informações por entes públicos e privados.

Nesse sentido, o ministro propôs que o acesso às informações por parte de servidores deve ser registrado, de modo que o abuso no tratamento dos dados possa ser rastreado e o responsável punido, seja internamente, em processos disciplinares, seja na Justiça, em ações de indenização de cidadãos prejudicados ou em processos de improbidade administrativa.

No julgamento, os ministros André Mendonça e Kassio Marques concordaram com a maior parte do voto de Gilmar Mendes, mas defenderam um prazo maior, até 31 de dezembro deste ano, para o governo mudar o órgão de fiscalização. O julgamento será retomado nesta quinta-feira (14) com o voto dos demais ministros.

Durante as discussões, Gilmar Mendes ainda criticou um acordo, baseado no decreto de 2019, que permitiria à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) colher junto Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) informações sobre a carteira de habilitação de 76 milhões de brasileiros. Após questionamentos, o convênio foi revogado pelo governo.

“Se nós considerarmos que só os maiores de 18 anos podem ter acesso a carteira de habilitação e que todos esses dados estariam disponíveis à Abin, há quase que a pretensão de se estruturar uma Stasi. Para aqueles que não sabem, não tem nada a ver com êxtase, é aquela polícia secreta da Alemanha oriental”, disse o ministro.

Ele, porém, reconheceu a necessidade de o governo poder compartilhar dados internamente para dar eficiência à administração, sem, no entanto, comprometer o direito “autodeterminação informativa”, isto é, ao poder das pessoas limitarem o uso de seus dados.

“Uma esfera privada na qual a pessoa tenha condições de desenvolvimento da própria personalidade livre de ingerências externas ganha hoje ainda mais importância. Passa a ser um pressuposto para que ela não seja submetida a formas de controle social, que em última análise anulariam sua individualidade, cerceariam sua autonomia privada e inviabilizariam o livre desenvolvimento de sua personalidade”, disse o ministro.

O decreto de 2019 criou um Cadastro Base do Cidadão, que reúne, dentro do governo, informações sobre cada brasileiro a partir de seu CPF, que pode agregar dados biográficos – nome, data de nascimento, filiação, naturalidade, nacionalidade, sexo, estado civil, grupo familiar, endereço e vínculos empregatícios – e também dados biométricos – palma da mão, as digitais dos dedos, a retina ou a íris dos olhos, o formato da face, a voz e a maneira de andar.

O objetivo de reunir essas informações é simplificar a oferta de serviços públicos e otimizar a execução de políticas públicas, especialmente na concessão de benefícios sociais e fiscais. O governo diz que o cadastro não é uma nova base de dados, mas uma “plataforma destinada à visualização integrada e ao aumento da confiabilidade entre os cadastros de dados já existentes e a disposição de órgãos da administração pública de forma descentralizada”. Gilmar Mendes disse que é a “maior base de dados pessoais no território brasileiro”.

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