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Moro foi juiz da Lava Jato.
Moro foi juiz da Lava Jato.| Foto: Sérgio Lima/AFP

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, deixou nesta sexta-feira (24) o governo depois de entrar em rota de colisão com o presidente Jair Bolsonaro por causa da troca no comando da Polícia Federal. O diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, teve sua exoneração publicada no Diário Oficial desta sexta. Moro, que assumiu o cargo em janeiro de 2019 com status de “superministro” e indemissível, deixa o governo federal depois de uma série de atritos e derrotas.

Moro assumiu o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública com um eixo de atuação dividido em três pilares: o combate à corrupção, ao crime organizado e à criminalidade violenta. Moro tem apresentado bons resultados no combate ao crime violento e ao crime organizado.

O ministério tem tido sucesso na estratégia de isolar líderes de facções em presídios federais, como no caso do líder do PCC, Marcos Camacho, conhecido como Marcola, que está em um presídio de segurança máxima em Brasília.

Moro também tem alcançado sucesso no programa Em Frente Brasil, que visa diminuir índices de criminalidade em cinco cidades brasileiras. O projeto-piloto alcançou resultados positivos e está se preparando para uma expansão ainda em 2020.

Já o combate à corrupção tem sido uma limitação ao ministro. A tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal foi demais para Moro. Além de mexer na PF, Bolsonaro também promoveu mudanças na Receita Federal e no Coaf — órgão de inteligência que detecta movimentações suspeitas de lavagem de dinheiro.

Conflito em torno da PF

O conflito em torno do comando da Polícia Federal foi a gota d’água na relação conflituosa entre o ministro e o presidente, mas não é um episódio inédito. Em agosto do ano passado, Bolsonaro tentou interferir no comando da Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro, irritando delegados e policiais da corporação. Diante da pressão, o presidente ameaçou demitir Valeixo, o que não aconteceu na época.

Fontes do Ministério da Justiça e Segurança Pública dizem que já havia um acordo entre Moro e Bolsonaro para a saída de Valeixo. O presidente queria indicar um nome de sua confiança para o cargo. A saída de Moro se deve ao fato de não ter chegado a um consenso com o presidente em torno de um nome.

Ministério da Justiça fatiado

Recentemente, o presidente cogitou desmembrar o Ministério da Justiça e Segurança Pública em duas pastas. A possibilidade, segundo Bolsonaro, havia sido um pedido dos secretários estaduais de Segurança Pública.

Aliados de Moro viram no episódio uma tentativa de enfraquecer o ministro. Caso o desmembramento ocorresse, Moro seria titular da Justiça e poderia perder o comando da Polícia Federal, que passaria para o guarda chuva do Ministério da Segurança Pública.

Pacote anticrime de Moro foi modificado na Câmara

Principal aposta de Moro ao assumir a pasta, o pacote anticrime enviado ao Congresso teve uma tramitação conturbada. Depois de ser cobrado publicamente por Moro para dar celeridade ao projeto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), decidiu criar um grupo de trabalho para analisar as propostas, o que arrastou a tramitação durante 10 meses.

Boa parte das propostas de Moro foi rejeitada pelo grupo, como a prisão em segunda instância, a criação do plea bargain e o excludente de ilicitude, por exemplo. Os deputados também incluíram, sem a anuência de Moro, a criação da figura do juiz de garantias no projeto.

O governo abandonou a tramitação do projeto no grupo de trabalho, o que fez com que o relator do pacote anticrime, deputado Capitão Augusto (PL-SP) cobrasse publicamente os deputados aliados ao presidente. Augusto, que é um ferrenho defensor de Moro, reclamou de ter sido abandonado no grupo de trabalho, o que fez com que ele acumulasse as derrotas mencionadas.

No relatório final do grupo, das 88 propostas de alteração na legislação, a maior parte (54 itens) foi aprovada pelo grupo, uma parte com alterações. O relatório reuniu sugestões de Moro e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. As propostas do ex-juiz da Lava Jato foram as mais desidratadas durante as reuniões do grupo. Mais da metade das 53 propostas de Moro foi retirada do relatório final. O grupo rejeitou 28 itens propostos pelo ministro da Justiça.

Juiz de garantias contrariou Moro

O presidente também não levou em consideração a opinião de Moro ao sancionar o pacote anticrime. O ministro havia sugerido veto a criação do juiz de garantias, mas a proposta foi sancionada por Bolsonaro e só não entrou em vigor ainda porque aguarda uma decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

Moro apontou "problemas" na criação do juiz de garantias. "O MJSP se posicionou pelo veto ao juiz de garantias, principalmente, porque não foi esclarecido como o instituto vai funcionar nas comarcas com apenas um juiz (40% do total); e também se valeria para processos pendentes e para os tribunais superiores, além de outros problemas", disse Moro, em nota após a sanção.

Mudanças no Coaf

Moro também perdeu o controle do Coaf, órgão responsável por detectar transações suspeitas de lavagem de dinheiro. O órgão iniciou o governo sob o guarda chuva do Ministério da Justiça e Moro escolheu Roberto Leonel, ex-auditor da Receita Federal e integrante da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, para presidi-lo.

O Congresso, porém, não aprovou a medida. O órgão acabou  sob o guarda chuva do Banco Central e o aliado de Moro foi demitido da presidência.

Indicação do procurador-geral da República

A escolha do subprocurador Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República também foi vista nos bastidores como mais um sinal de enfraquecimento de Moro no governo. Bolsonaro teria escolhido Aras sem consultar seu ministro da Justiça.

O nome de Aras não estava na lista tríplice organizada pelo Ministério Público Federal (MPF). A escolha de um nome dentro da lista tríplice não é uma obrigação legal, mas vinha sendo tradição no Brasil desde 2003 e os procuradores afirmam que a prática traz mais independência para a atuação.

Desconvite para Ilona Szabó

Já no segundo mês de governo, Moro precisou recuar da nomeação de Ilona Szabó para o cargo de suplência do Conselho de Políticas Criminais e Penitenciárias. A nomeação causou revolta em parte da direita. A ordem para desconvidar Ilona veio do próprio presidente Jair Bolsonaro, que foi irredutível, apesar do evidente desgaste que isso causaria ao ministro.

Ilona é ativista contra a liberação de armas e defende a descriminalização do uso de drogas e afirmou que é contraproducente punir usuários de pequenas quantidades de entorpecentes.

Descontentamento do presidente com Moro

Bolsonaro também já vinha reclamando da postura de Moro no governo, já que o ministro não tem adotado uma defesa enfática do presidente. Em março, Boslonaro reclamou a interlocutores que Moro não estava fazendo uma defesa do isolamento vertical, defendido pelo presidente, como estratégia para enfrentar o coronavírus. Na ocasião, o ministro foi chamado de egoísta pelo chefe.

No final de agosto do ano passado, em meio à crise em torno das trocas no comando da Polícia Federal, Bolsonaro afirmou em uma transmissão ao vivo que Moro não esteve com ele na campanha. Um internauta escreveu um recado pedindo para que o presidente “cuidasse bem” do ministro. “Com todo respeito a ele (Moro), mas o mesmo não esteve comigo durante a campanha, até que, como juiz, não poderia”, respondeu Bolsonaro.

Mensagens do Intercept

Ao longo de sua gestão, o ministro também enfrentou a divulgação de mensagens atribuídas a ele e a membros da Lava Jato do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná pelo site The Intercept, em parceria com outros veículos de comunicação.

As mensagens traziam bastidores da condução das investigações e causaram desconforto para o ministro, que chegou a ser convocado para uma sessão na Câmara e outra no Senado para dar explicações.

A Polícia Federal chegou a desmentir Moro sobre o destino de provas colhidas na Operação Spoofing – uma investigação da PF que interessa pessoalmente ao ministro, que foi alvo da ação de hackers que invadiram celulares de autoridades.

Moro havia dito que as conversas apreendidas com os suspeitos seriam destruídas. A PF, que está subordinada a Moro, reagiu e negou a afirmação do ministro. Moro viria a dizer, bem mais tarde, que havia ocorrido um mal-entendido sobre o assunto e que não tinha determinado a destruição do material.

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