O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, anunciou que movimentos sociais como o MST poderão ter acesso aos recursos do Fundo Amazônia| Foto: Divulgação/MST-Pará
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A possibilidade de movimentos sociais, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), terem acesso a recursos do Fundo Amazônia motivou a reação de parlamentares e especialistas que questionaram a aplicação das diretrizes estabelecidas para essa destinação. Os questionamentos ocorreram diante do anúncio de uma chamada pública, de iniciativa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que prevê a liberação de R$ 450 milhões do Fundo Amazônia. A chamada pública “Restaura Amazônia” compõe a iniciativa nomeada como “Arco de Restauração na Amazônia”.

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A principal preocupação se dá em razão da ausência de personalidade jurídica por parte do movimento, o que o impede de receber recursos públicos, por exemplo. “Sem CNPJ, acervo técnico, diretoria constituída, conselho fiscal e registro, o MST não pode nem sentir cheiro de dinheiro público”, disse Antônio Pinheiro Pedro, advogado especialista em Direito Ambiental.

“A destinação de recursos do Fundo da Amazônia para o MST e outros movimentos sociais levanta uma série de preocupações”, disse o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Não Governamentais (ONGs), senador Plínio Valério (PSDB-AM).

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A participação do MST, no entanto, foi destacada pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, durante o lançamento do “Arco de Restauração na Amazônia”. "Recursos não reembolsáveis para os movimentos sociais, para o MST, para a Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], os assentamentos, povos indígenas, quilombolas, as comunidades ribeirinhas, para viveiro de mudas, para o plantio, de uma parte nativa e produtiva, açaí, cacau, castanha-do-brasil, do-pará, cupuaçu, são todas possibilidades muito relevantes de nós avançarmos e gerarmos renda e emprego para a população", afirmou Mercadante.

Uma das formas de viabilizar a participação do MST na distribuição dos recursos do Fundo Amazônia pode ser por meio das cooperativas ligadas ao movimento. O acesso de cooperativas ao Fundo está previsto nas diretrizes e critérios para a aplicação dos recursos na Amazônia Legal.

O "Arco de Restauração na Amazônia" prevê investimentos de aproximadamente R$ 200 bilhões nas próximas décadas. A primeira fase visa restaurar 6 milhões de hectares, capturando 1,65 bilhão de toneladas de carbono até 2030. A segunda etapa, com investimentos de até R$ 153 bilhões, almeja restaurar 18 milhões de hectares até 2050, podendo gerar até 10 milhões de empregos na região.

Além da preocupação com o MST, as falhas identificadas pela CPI das ONGs na gestão do Fundo Amazônia também geram preocupações. “A CPI evidenciou a falta de transparência nas quantias vultosas recebidas por essas ONGs, revelando uma utilização questionável dos recursos. A proposta do BNDES de liberar verbas do Fundo para esses movimentos levanta mais dúvidas”, destacou Valério.

A Gazeta do Povo buscou informações junto ao BNDES sobre a possibilidade de acesso do MST aos recursos do Fundo Amazônia, mas não recebeu retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para esclarecimentos.

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Proponentes e executores do Fundo Amazônia precisam ter personalidade jurídica 

A destinação de recursos para movimentos como o MST não está prevista no documento que estabelece as diretrizes para aplicação dos recursos do Fundo Amazônia na Amazônia Legal. “Os projetos para o Fundo Amazônia podem ser apresentados por vários tipos de entidades, sejam órgãos e entidades da administração pública direta e indireta nos três níveis federativos; fundações de direito privado (incluídas as fundações de apoio); associações civis; empresas privadas; cooperativas; e instituições multilaterais”, diz o documento.

Tendo em vista que o MST não possui personalidade jurídica, não é legalmente possível, por exemplo, que ele receba recursos públicos. No entanto, o movimento aponta, em suas publicações, que conta com pelo menos 160 cooperativas ligadas a ele, o que pode viabilizar o acesso aos recursos do Fundo Amazônia.

No caso específico da chamada pública anunciada para beneficiar projetos nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Tocantis, Pará e Maranhão, o edital divulgado aponta as exigências para os chamados “parceiros gestores e executores” da iniciativa “Restaura Amazônia”.

A avaliação dos candidatos será feita por um comitê formado por representantes do BNDES, dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, dos estados, e da sociedade civil integrante do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa).

O edital do “Restaura Amazônia” indica, no entanto, que os três parceiros gestores a serem selecionados precisam ser legalmente constituídos, podendo ser autarquias e fundações públicas federais e estaduais, ou pessoas jurídicas sem fins lucrativos. Já os parceiros executores, que serão escolhidos pelos parceiros gestores, precisam ser pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos nacionais, sediadas no país ou pessoas jurídicas de direito público interno federal e estadual.

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Sendo assim, o enquadramento do MST, enquanto movimento social sem personalidade jurídica, não poderia ser viabilizado, a menos que ele esteja atrelado a uma cooperativa sem fins lucrativos ou ONG, por exemplo.

Além da ausência de personalidade jurídica, o advogado Georges Humbert, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades), chama a atenção para a falta de parâmetros claros estabelecidos no edital para participação de organizações como o MST. "Falta ao edital trazer os requisitos objetivos inerentes a este tipo de negócio jurídico entre poder público e particulares".

Humbert cita como exemplo a necessidade de o edital apresentar normas de organização interna que prevejam expressamente os objetivos voltados à promoção de atividades e finalidades de relevância pública e social. Além disso, o especialista considera que seria necessário demostrar experiência prévia na realização, com efetividade, do objeto da parceria ou de natureza semelhante.

Para o advogado, seria importante também que as organizações tivessem instalações, condições materiais e demonstrassem capacidade técnica e operacional para o desenvolvimento das atividades ou projetos previstos na parceria e o cumprimento das metas estabelecidas.

Falhas na gestão do Fundo Amazônia motivam proposta legislativa 

A CPI das ONGs, que apresentou relatório final de suas atividades nesta terça-feira (5), apontou, dentre seus resultados, a necessidade de aprovação de uma lei para o Fundo Amazônia, exigindo, em especial, mais transparência sobre a destinação e uso dos recursos.

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A comissão relatou, por exemplo, ter identificado deficiências no detalhamento dos gastos, na comprovação de atividades realizadas, destinatários de transferências bancárias e finalidade de despesas.

Neste contexto, o presidente da CPI expressou sua preocupação com a liberação de recursos para movimentos sociais. “A CPI evidenciou a falta de transparência nas quantias vultosas recebidas por essas ONGs, revelando uma utilização questionável dos recursos. A proposta do BNDES de liberar verbas do Fundo para esses movimentos levanta mais dúvidas. Os verdadeiros necessitados de oportunidades são os indígenas, caboclos e ribeirinhos, que parecem estar excluídos dos benefícios enquanto clamam por apoio”, disse o presidente da CPI, senador Plínio Valério.

Para o senador, a ênfase do Fundo deveria ser exclusivamente para o desenvolvimento sustentável, a geração de renda e de oportunidades para os povos da Amazônia. “Isso não vem acontecendo. Não queremos ênfase em iniciativas que não contribuam diretamente para esses objetivos, sustentando movimentos questionáveis e ligados a grupos políticos. É um absurdo”, disse Valério.

O projeto apresentado no relatório da CPI das ONGs pretende estabelecer normas gerais para o funcionamento do Fundo. “[Estamos] definindo sua personalidade jurídica, seu objetivo, tipos de projetos que podem ser financiados, detalhes sobre o diploma emitido aos doadores, deveres do responsável pela execução do projeto. Muitas das regras de transparência incorporadas ao projeto estão em linha com recomendações do Tribunal de Contas da União ao BNDES na gestão de recursos do Fundo Amazônia", pontuaram os senadores.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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