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o que Bolsonaro fez na política em 2019
Bolsonaro caminha ao lado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mas eles olham para lados opostos: síntese de uma relação de perdas e ganhos do Planalto no Congresso.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro ganhou a eleição de 2018 com uma trajetória política diferente da de seus antecessores: filiado a um partido pequeno, sem experiências anteriores no Executivo, sem coligações formais com legendas de peso e praticamente sem participar de debates com os demais candidatos. A caminhada inusual de Bolsonaro rumo ao Palácio do Planalto despertou questionamentos sobre como o ex-deputado se portaria como presidente. Adotaria um perfil mais conciliador? Continuaria com o tom bélico que lhe deu fama? Seria "enquadrado" pelas instituições?

Ao longo de 2019, o que se viu foi um Bolsonaro que acabou atendendo a todas essas expectativas, por mais contraditórias que elas sejam. O presidente não estendeu a mão a antigos adversários. Ao contrário, continuou alimentando a disputa política e transformou suas redes sociais em campos de batalha. Também foi para o conflito com antigos aliados que participaram do processo eleitoral e, em alguns casos, do início de governo.

Bolsonaro também teve uma relação difícil em muitos momentos com o Congresso Nacional – que aproveitou fragilidades do Planalto para obter protagonismo na política. Como resposta, o presidente teve de recorrer a alguns expoentes da "velha política" para ter uma relação mais produtiva com a Câmara e o Senado. No fim, Bolsonaro termina 2019 com a aprovação de projetos-chave de seu governo.

Conciliação política com a oposição? Passou longe…

Em 4 de janeiro, logo após assumir comando do país, Bolsonaro bateu boca nas redes sociais com Fernando Haddad (PT), a quem derrotara no segundo turno em 2018. O petista foi chamado pelo presidente de "marmita de bandido". O incidente deu o tom da relação de Bolsonaro com as lideranças de esquerda. O presidente indicou – e manteve a postura – de que não iria adotar um tom conciliador e de diálogo com os adversários mais habituais.

Ainda em janeiro, o então deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) anunciou a renúncia, a desistência do novo mandato para o qual havia sido eleito e a saída do Brasil, sob a alegação de que era vítima de ameaças. Poucas horas após a divulgação do anúncio, Bolsonaro postou em suas redes sociais uma mensagem de duas palavras: "Grande dia!". Embora ele tenha negado que a manifestação tenha se relacionado à decisão de Wyllys, a frase foi amplamente criticada pelos apoiadores do PSOL e acabou se tornando um bordão empregado pelo próprio Bolsonaro em outras ocasiões ao longo do ano.

A libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início de novembro, foi outro episódio que estimulou o lado conflituoso de Bolsonaro. Em seu primeiro discurso após deixar a cadeia, Lula atacou o governo Bolsonaro; em resposta, o presidente chamou o petista de "canalha".

Uma síntese do perfil de "briga" de Bolsonaro foi a postagem em suas redes sociais, em 28 de outubro, de um vídeo que mostrava uma luta real entre um leão e hienas. Os animais receberam legendas, de modo a relacioná-los a pessoas e entidades da política brasileira que estariam fazendo oposição ao governo. Bolsonaro era o leão; as hienas representariam os "oposicionistas", como a imprensa, a Organização das Nações Unidas (ONU), o Supremo Tribunal Federal (STF) e até mesmo seu partido à época, o PSL. O vídeo foi apagado do perfil de Bolsonaro horas depois e o presidente acabou reconhecendo que a publicação havia sido um erro.

A metamorfose política: antigos amigos viraram adversários

A comparação do PSL com hienas no vídeo que Bolsonaro divulgou em outubro é um indicativo de outro perfil de conflito que marcou Bolsonaro em 2019: a transformação de antigos aliados, alguns de primeira hora, em adversários (ou mesmo inimigos) na política. Bolsonaro, ao longo do ano, brigou com o presidente nacional do PSL, Luciano Bivar. A disputa culminou na desfiliação de Bolsonaro, que deixou o antigo partido para fundar um novo: a Aliança pelo Brasil.

Um dos primeiros a cruzar a fronteira foi o ex-ministro Gustavo Bebianno – que foi uma das peças-chave da campanha de Bolsonaro em 2019 e que comandou a Secretaria-Geral da Presidência da República entre janeiro e fevereiro. Bebianno caiu do ministério após ser acusado de envolvimento no caso do "laranjal do PSL" – suposto esquema de candidaturas falsas que receberiam recursos públicos. Sua demissão envolveu briga pública e vazamento de áudios por parte de Carlos Bolsonaro, o filho mais controverso do presidente da República. Nos meses seguintes, Bebianno deu uma série de declarações contrárias a Bolsonaro e se filiou ao PSDB.

Outro ex-ministro que caiu por desavença política com Carlos Bolsonaro foi Santos Cruz, titular da Secretaria de Governo do início do mandato até junho. Santos Cruz foi um dos expoentes da chamada "ala militar" do governo. Mas foi fritado após contrariar Carlos e ser acusado de não ter "alinhamento ideológico" com o Palácio do Planalto.

Na Câmara dos Deputados, os principais exemplos aliados convertidos em adversários são Joice Hasselmann e Alexandre Frota, ambos eleitos pelo PSL de São Paulo. A deputada iniciou o ano alçada ao posto de líder do governo no Congresso, mas tem passado os últimos meses sob ataques de Eduardo Bolsonaro, o filho deputado federal do presidente. Já o ex-ator teve série de conflitos menores com Bolsonaro e seu entorno que culminaram na sua expulsão do PSL, em agosto. Frota migrou para o PSDB, se tornou uma voz ativa nas críticas a Bolsonaro na Câmara.

Outras guinadas importantes se deram em relação aos governadores dos dois estados mais ricos do Brasil, João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ) – antigos aliados de Bolsonaro. Nos dois casos, o rompimento tem relação com as pretensões presidenciais dos governadores.

Doria se elegeu com o mote "#bolsodoria" no segundo turno das eleições de 2018, mas foi direcionando críticas ao presidente ao longo de 2019 e recebeu o troco – Bolsonaro acusou o tucano de "mamar nas tetas" do BNDES.

Já Witzel viu o bolsonarismo romper com o seu governo em setembro, por causa de declarações do governador interpretadas como ingratas. Aos poucos, o conflito ficou ainda mais aberto. Bolsonaro acusou o governador do Rio de tentar envolvê-lo no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), ocorrido em 2018. Tanto o presidente quanto o governador disseram considerar processar o antigo aliado na Justiça.

Com Mourão, relação chegou a ficar tensa. Mas se acalmou

A relação de Bolsonaro com o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) também foi foco de tensão. Um rompimento entre ele e Bolsonaro chegou a ficar no radar da política, mas a polêmica arrefeceu.

Um primeiro momento de instabilidade se deu em janeiro, quando Bolsonaro viajou a Davos (Suíça) para o Fórum Econômico Mundial e Mourão assumiu a Presidência da República. O vice deu declarações contra propostas do presidente, como a transferência para Jerusalém da embaixada brasileira em Israel e o decreto que ampliava o direito à posse de armas.

Mourão se transformou em alvo de críticas de aliados próximos de Bolsonaro, como o filho Carlos Bolsonaro e o deputado federal Marcos Feliciano (Podemos-SP), que chegou a apresentar um pedido de impeachment do vice.

Ao longo dos meses, entretanto, o general adotou estilo mais discreto. Nas ocasiões seguintes em que assumiu a Presidência, acabou por não despertar insatisfações entre o bolsonarismo.

Atritos com a imprensa

O tom bélico também foi adotado por Bolsonaro na relação com a imprensa – que já era conturbada desde antes da posse. Os sinais foram dados logo no início do ano, na posse presidencial, em que jornalistas foram submetidos a restrições que não haviam sido aplicadas por outros presidentes na mesma ocasião.

Nos meses seguintes, Bolsonaro e seus aliados dispararam críticas à imprensa em diversas ocasiões, tendo a Rede Globo e a Folha de S.Paulo como alvos principais. O governo chegou a excluir a Folha de licitações e a editar uma medida provisória desobrigando as empresas a publicarem balanços em jornais impressos, o que diminuiu o faturamento do setor.

Menos ministérios e nada de loteamento dificultaram articulação política

Uma das promessas de Bolsonaro era reduzir o número de ministérios. E uma de suas primeiras medidas após tomar posse, em janeiro, foi enxugar as 29 pastas herdadas da gestão de Michel Temer. Bolsonaro ficou com 22 ministérios – mais, no entanto, do que os 15 que havia previsto inicialmente.

Bolsonaro cumpriu a promessa de campanha de não lotear o governo entre grupos políticos. Apesar de alguns de seus ministros terem filiação partidária (como os titulares de Agricultura, Cidadania e Casa Civil, por exemplo), a lógica das gestões anteriores não se repetiu.

As duas medidas, contudo, dificultaram a articulação política com o Congresso. Com menos ministérios para entregar a políticos e recusando-se a trocar cadeiras na Esplanada por apoio no Parlamento, o presidente não construiu uma base aliada sólida no Legislativo.

Congresso viu espaço para protagonismo. Mas aprovou o essencial para Bolsonaro

A recusa de Bolsonaro em lotear o governo o levou a ter de negociar caso a caso a aprovação de projetos de interesse do Planalto. E nem sempre o que foi aprovado pelo Congresso era a proposta original do Planalto.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o principal projeto da área econômica. A reforma da Previdência passou, mas com alterações que levaram adversários e apoiadores do governo a dizer que a proposta teria ficado com "a cara" do Congresso, e não do Executivo. Outra proposta que foi alterada no Legislativo foi o pacote anticrime.

Nesse contexto, a Câmara dos Deputados acabou adquirindo um protagonismo raramente visto em anos anteriores. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi chamado de "primeiro-ministro" em diferentes ocasiões e não recuou de embates com ícones do governo como Sergio Moro, Paulo Guedes e o próprio Bolsonaro.

No balanço final de 2019, o governo acumulou vitórias e derrotas no Congresso. Por exemplo, o decreto das armas e a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça acabaram rejeitados pelo Parlamento.

Mas alguns projetos-chave do Planalto, além da Previdência e do pacote anticrime, foram aprovados: a MP da Liberdade Econômica, a reestruturação da carreira militar e das aposentadorias dos integrantes das Forças Armadas, a transferência do Coaf para o Banco Central. Outra medida importante de Bolsonaro – a indicação do procurador-geral, Augusto Aras – também foi aprovada sem contrariedades.

Na hora do aperto, a "velha política" esteve de volta

A postura diferente de Bolsonaro na relação com o Congresso Nacional não impediu que o aceno a veteranos na política fosse uma constante ao longo de 2019.

Bolsonaro nomeou Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) para a liderança do governo no Senado. Entre outros cargos, Bezerra havia sido ministro durante a gestão de Dilma Rousseff (PT). Entre seus primeiros vice-líderes no Congresso esteve o deputado Darcísio Perondi (MDB-RS), um dos principais defensores da gestão de Michel Temer.

A sinalização de que a "velha política" poderia ser acionada em momentos cruciais veio no início do ano, quando Bolsonaro ligou para Renan Calheiros (MDB-AL) nas vésperas da eleição para a presidência do Senado. A ligação vazou para a imprensa e despertou controvérsias, já que Bolsonaro havia anunciado neutralidade na disputa.

Filhos foram fontes de dor de cabeça para Bolsonaro

Um ponto de incerteza no início do ano era a respeito da influência no governo dos filhos de Bolsonaro: Flávio, eleito senador; Carlos, vereador do Rio de Janeiro; e Eduardo, deputado federal por São Paulo. A expectativa de que eles poderiam gerar controvérsias ao presidente se concretizou.

Flávio se manteve como o filho mais reservado, sem declarações polêmicas como os outros dois irmãos. Mas acabou recebendo destaque por causa do "caso Queiroz" – a acusação de que teria operado, junto com seu ex-assessor Fabrício Queiroz, um esquema de desvios de salários de funcionários quando era deputado estadual no Rio. As controvérsias em torno do assunto se repetiram ao longo do ano – intensificando-se novamente agora em dezembro – e influenciaram na relação de Bolsonaro com o Judiciário.

Flávio também atraiu polêmicas ao se opor à CPI da Lava Toga, proposta para apurar abusos no poder Judiciário. Ele se desentendeu com a também senadora Juíza Selma (MT), o que levou a parlamentar a trocar o PSL pelo Podemos (posteriormente, ela acabou sendo cassada pela Justiça Eleitoral).

Carlos foi o pivô de controvérsias nas redes sociais. Além dos embates com ministros, ele foi acusado de comandar o que seria o "gabinete do ódio" – equipe do Palácio do Planalto que estaria focada para disseminar conteúdos na internet. Foi ainda citado como o responsável pela gestão dos perfis nas redes sociais do pai. E teria sido o responsável por postagens polêmicas em nome do presidente nas redes sociais.

Já Eduardo conduziu sua atuação na Câmara focado em temas internacionais, o que acabou por lhe render uma indicação informal para ser o embaixador brasileiro nos Estados Unidos. A nomeação – que não chegou a se consolidar – abriu debates sobre um suposto nepotismo por parte do presidente e também sobre o desgaste que a ideia poderia gerar entre Bolsonaro e o Congresso. O sonho acabou enterrado (ou adiado) por outra controvérsia: a luta interna no PSL que levou, em um primeiro momento, Eduardo à liderança da legenda na Câmara e, posteriormente, à saída dos bolsonaristas do partido. Eduardo também causou problemas ao governo ao dizer, em outubro, que o Brasil poderia ter "um novo AI-5".

Com o STF, relação foi de proximidade institucional e ataque de aliados

As acusações contra Flávio Bolsonaro no caso Queiroz levaram o presidente da República a tratar como prioridade o diálogo com o Poder Judiciário. Diferentemente dos adversários habituais, o STF e outros membros da cúpula da carreira jurídica foram poupados da metralhadora verbal do presidente da República. Bolsonaro chegou a participar de um almoço com o presidente do STF, Dias Toffoli, e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para estimular a "harmonia" entre os poderes. O ministro Gilmar Mendes, um dos mais contestados pelos bolsonaristas, suspendeu uma investigação que corria contra Flávio Bolsonaro.

O clima de paz de Bolsonaro com o STF, porém, não se reproduziu entre seus aliados. Ao longo de 2019, o Supremo foi alvo de críticas constantes de bolsonaristas, o que incluiu protestos que pediam o fechamento da Corte que geraram rachas dentro da própria direita.

E em relação às novas indicações para o STF, Bolsonaro enfatizou que pretende apresentar um ministro que compartilhe de seu viés ideológico. Em 2020, com a aposentadoria de Celso de Mello, abre-se a primeira das duas vagas a que Bolsonaro terá de direito a indicar para o Supremo durante seu mandato.

O presidente falou, em maio, que havia firmado um compromisso com Sérgio Moro para que o titular da Justiça fosse indicado ao STF, algo que posteriormente as duas partes negaram. Depois dessa especulação, ganhou força o nome de André Mendonça, atual comandante da Advocacia-Geral da União (AGU).

Nordeste, polo de resistência política e dificuldades para Bolsonaro

A vitória de Bolsonaro em 2018 só não foi maior por causa da votação no Nordeste, onde o presidente perdeu em todos os estados para Fernando Haddad (PT). Ao longo de 2019, a região acabou por permanecer como um foco de disputa para o presidente da República.

Em julho, Bolsonaro foi flagrado dizendo ao seu ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a seguinte frase: "daqueles governadores da 'Paraíba', o pior é do Maranhão. Não tem que ter nada com esse cara". A declaração continha um termo preconceituoso – a expressão "Paraíba" para se referir à totalidade do Nordeste – e um ataque a um governador de estado, Flávio Dino (PCdoB).

A fala motivou uma série de declarações de repúdio por parte de forças da oposição e representantes do Nordeste. E esteve entre os motes da criação do Consórcio Nordeste, no início de agosto, fundado para ser um foco de aliança entre os gestores mas também como um contraponto político a Bolsonaro.

Entre os governadores do Nordeste há dois nomes apontados como possíveis candidatos da esquerda à sucessão de Bolsonaro: Dino e o gestor da Bahia, Rui Costa (PT).

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