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O que dizem os presos pelo vandalismo em Brasília que pediram habeas corpus no STF
Manifestantes durante invasão ao Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Manifestantes presos sob a acusação de terem participado da invasão e depredação das sedes dos três poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro, alegam ao Supremo Tribunal Federal (STF) que não praticaram qualquer ato de vandalismo. Eles atribuem a destruição do patrimônio público a “infiltrados” da esquerda e dizem que estavam na manifestação por razões democráticas. Esses são os argumentos comuns em dezenas de habeas corpus que chegaram ao STF nas duas semanas seguintes aos ataques aos edifícios do Supremo, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto.

Para conhecer melhor quem faz parte desse grupo, a reportagem analisou 30 dessas ações. Todas foram enviadas ao ministro Ricardo Lewandowski, que nem sequer analisou o mérito das alegações. Ao rejeitar os pedidos de liberdade, argumentou apenas que as regras internas e a jurisprudência não admitem tentativas de derrubar a decisão de um ministro – no caso, Alexandre de Moraes, que determinou as prisões – acionando outro integrante do STF.

Ainda assim, a situação de cada uma das 1.406 pessoas presas nos dias 8 e 9 foi analisada individualmente, em audiências de custódia realizadas ao longo da semana passada por juízes designados por Moraes. Nessas audiências, realizadas por videoconferência, os magistrados puderam ouvir os presos, defensores, advogados e promotores que acompanham o caso.

Do total de detidos em flagrante – por estarem na Praça dos Três Poderes, dentro de um dos prédios depredados ou em frente ao quartel-general do Exército – 942 (67%) permanecerão na cadeia por tempo indeterminado. Moraes considerou que devem ficar em prisão preventiva por representarem risco à ordem pública, por considerar que podem reincidir em delitos; ou para preservar as investigações.

Segundo o ministro, haveria provas de que eles integrariam uma “organização criminosa que atuou para tentar desestabilizar as instituições republicanas” e que ainda é preciso mantê-los presos para se apurar como foi financiada a vinda e permanência deles em Brasília.

Um contingente, menor, de 464 pessoas (33%) conseguiu deixar a cadeia – improvisada num ginásio da polícia, em alas do presídio feminino de Brasília ou da penitenciária da Papuda. Segundo Moraes, nesses casos não há comprovação de que praticaram violência, invasão dos prédios e depredação do patrimônio público.

Ainda assim, em razão de serem suspeitoss, ficarão em “liberdade provisória”, enfrentando uma série de restrições: serão monitorados com tornozeleira, deverão se apresentar à Justiça periodicamente, não poderão deixar o país e estão proibidos de contactar outros investigados. Caso descumpram uma dessas medidas, voltam para a prisão.

Moraes determinou a prisão dos manifestantes na madrugada do dia 9. Apontou o cometimento dos crimes terrorismo, associação criminosa, abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado, ameaça, perseguição e incitação ao crime.

O que dizem os presos nos pedidos de liberdade ao STF

Os presos que pediram habeas corpus o STF rechaçam as imputações e dizem, na maioria, serem pessoas comuns que apenas exerciam seu direito de manifestação. Boa parte disse que nem sequer foi à Esplanada dos Ministérios no dia 8, tendo permanecido no quartel do Exército, ponto de partida do manifestação que acabou em vandalismo. O quartel que fica a 8,5 quilômetros de distância da Praça dos Três Poderes.

É o caso de Celestina de Morais Aureliano, moradora de Sorocaba (SP). Ela disse que estava apenas rondando espaços públicos de frente do quartel-general quando foi surpreendida por ordens policiais para entrar em um ônibus na manhã do dia 9, por volta das 8 horas. Sua defesa alegou que ela não esteve no local das invasões e nem sequer sabia do que havia ocorrido, “já que ficou sem bateria no celular e permaneceu com os manifestantes que ficaram no Quartel General durante os fatos”. Não convenceu. Após seu depoimento, Moraes converteu sua prisão em flagrante em prisão preventiva.

O mesmo destino teve a autônoma Francisca Elisete Cavalcante Farias, de 43 anos. Ela disse, no pedido de habeas corpus, que não saiu do QG do Exército, e ainda orientava aos demais participantes que também não deixassem o local. “Ali se encontrava de forma pacífica, tão somente participando de atividades religiosas com os demais católicos que também estavam lá. Sequer foi à Esplanada dos Ministérios no dia 08”, diz seu pedido de liberdade.

Algo semelhante foi dito pela dona de casa Kelin Alves de Lima e pela estudante Manuela Souza de Lima em seus habeas corpus, de teor idêntico e assinados pelo mesmo advogado. Alegaram que participavam “passivamente” de manifestação em frente ao QG, e que foram “surpreendidas” ao serem levadas de ônibus no dia 9 para serem presas. No caso delas, no entanto, Moraes considerou que não representam risco e decretou a liberdade provisória.

Também conseguiu deixar a cadeia Silvia Maria da Silva Pião, de 52 anos, residente em Taubaté (SP). Contou apenas que estava próxima do QG do Exército, “de forma pacífica e, inclusive, escoltada pela Polícia Militar juntamente com um grupo pacífico de manifestantes”. “Ora, se escoltada estava, próxima à Polícia Militar, representante do estado e guardiã da lei, não haveria com o que a paciente se preocupar”.

O jovem Igor Gustavo da Silva Barros, de 24 anos, também conseguiu sair da cadeia ao provar não estava em Brasília na hora das invasões. No habeas corpus, anexou passagens aéreas demonstrando que, no período da tarde, estava em Cuiabá (MT), de onde embarcou para Brasília. “O único erro dele foi ter ido se encontrar com amigos e dormido no acampamento localizado na praça dos Cristais, que fica em frente ao QG do Exército”, diz o pedido do habeas corpus.

O profissional autônomo Eduardo Zeferino Englert, morador de Santa Maria (RS) de 41 anos, alegou algo semelhante. Ele disse que chegou em Brasília de ônibus à noite, “quando toda a destruição já havia ocorrido”, com destino à Praça dos Três Poderes. “Comprou a passagem com dinheiro próprio com a finalidade de realizar, de forma pacífica, a manifestação em prol da sua opinião política”. Nesse caso, porém, Moraes decretou a prisão preventiva.

O empresário Jairo de Oliveira Costa, 51 anos, de Campo Verde (MT), afirmou ter sido detido quando estava no acampamento no QG do Exército. Admitiu que guardava em sua bolsa um estilingue, esferas e um facão, mas disse que os objetivos “eram somente para uso no acampamento”. “Com a sua liberdade, a sociedade não sentiria qualquer impunidade, intranquilidade ou insegurança, já que o paciente é bem-visto na sociedade, comunicativo, conhecido por muitos”, alegou. Moraes optou pela prisão preventiva.

Alguns manifestantes confessaram ter entrado dentro de algum dos edifícios públicos que foram depredados, mas negaram vandalismo. Rosemeire Aparecida Morandi, moradora de Tupã (SP), disse que viajou a Brasília para participar de uma “manifestação pacífica para lutar contra a implantação do comunismo no Brasil”. “Nunca desejou ingressar no local, mas na hora da confusão acabou acompanhando a multidão. Dentro do local, não fez qualquer tipo de vandalismo. Tentou impedir que quebrassem as coisas, bem como ajudou pessoas que estavam caídas dentro do Palácio do Planalto”. Moraes decretou sua prisão preventiva, por tempo indeterminado.

O empresário de Ilhabela (SP) Fabrício de Moura Gomes, de 45 anos, disse que fez um “protesto pacífico” e ainda tentou “dissuadir outros manifestantes da prática de violência contra o patrimônio público”. “Embarcando na tentativa frustrada e resistida pela grande quantidade de pessoas ao seu redor, foi conduzido até o Palácio do Planalto e acabou preso, pela Polícia Militar do DF, por tremenda ingenuidade de manifestante de boa-fé”, disse. Moraes decidiu que ele ficará em prisão preventiva.

O produtor rural João Raimundo Sobrinho, de São Francisco do Guaporé (RO), alegou que, “ao ser confundido com manifestantes desordeiros, fora preso no gramado em frente ao Congresso Nacional”. Ele tem 71 anos de idade e disse ter saúde fragilizada. Não ficará preso. Moraes concedeu a ele liberdade provisória.

O psicólogo João Lucas Vale Giffoni, morador do Lago Sul, bairro nobre de Brasília, continuará preso. Disse ter sido preso pela Polícia Legislativa do Congresso, que atua dentro da Câmara e do Senado. Sua defesa pediu que fossem observadas as imagens das câmeras internas “para demonstrar que o paciente [acusado] jamais praticou os atos apenados [descritos] no inquérito”.

Alguns manifestantes se defenderam apenas descrevendo a si mesmos como pessoas “de bem”, com bons antecedentes, e dizendo que se portaram de maneira correta no ato. Alguns foram soltos, outros não.

João Carlos de Moraes, de Blumenau (SC), disse que fez uma manifestação “ordeira, contestando e protestando especialmente com o objetivo de defender direitos e liberdades constitucionais que entendia estarem sendo violado”. Obteve a liberdade provisória.

Noêmio Laerte Hochsheidt, 52 anos, militar da reserva, residente na cidade de Vera Cruz (RS), disse que seu único objetivo de ter participado do ato era o “exercício do direito constitucional de democracia”. “Os desdobramentos da manifestação por parte de alguns integrantes ocasionaram o lamentável episódio de invasão de depredação do Três Poderes, sem que houvesse qualquer participação do paciente para estes atos de vandalismo”. Também conseguiu ser solto.

O corretor de imóveis Telmário Sobreira, de 20 anos, morador de Manaus (AM), por sua vez, teve a prisão preventiva decretada.  Disse que “goza do mais ilibado comportamento, sendo o único responsável por prover o sustento de sua família em todos os aspectos (alimentar, educacional, cultural, etc.)”. Moraes decidiu que ele ficará preso por tempo indeterminado.

O fotógrafo e professor de Magé (RJ) Uelinton Guimarães de Macedo também ficará em prisão preventiva. Disse ter uma vida pregressa “límpida e sem máculas”, que é réu primário e tem bons antecedentes. “Não contribuiu de maneira alguma para a baderna e a destruição ocorrida nos prédios públicos, estando no local somente para realizar fotos”.

Oziel Lara dos Santos também ficará em prisão preventiva. Disse ser um “cidadão de bem, que nunca se envolveu com atos criminosos em toda a sua vida, sendo um pai de família, muito respeitoso a toda a legislação” e que "naquela ocasião estava exercendo o direito de livre manifestação de expressão e pensamento”. Moraes negou a liberdade provisória.

A agente de limpeza Shara Silvano Silva, de Franca (SP), disse que passa por transtornos de depressão e ansiedade, e desde 2021 é acompanhada por psiquiatra. Ela negou participação em organização criminosa e admitiu que foi “utilizada como massa de manobra, frente as diversas fakes news disponibilizadas nas redes sociais, sendo ludibriada pelas falsas notícias”. Moraes não aceitou o argumento e decretou sua prisão preventiva.

Também ficará presa a personal trainer Sarah Gabriella Oliveira, de Goiânia (GO). Disse ser pessoa “íntegra, de bons antecedentes e que jamais respondeu a qualquer processo criminal”, e que é mãe de uma menina de 9 anos de idade. “A paciente não tem tido contato com a sua filha, não podendo estar presente em um momento de separação entre os genitores”, alegou.

Outra prisão preventiva foi decretada para Durcilene Pires da Silva, empresária de Cuiabá (MT). Assim como Sarah, disse ser “pessoa íntegra, de bons costumes e bons antecedentes e que jamais respondeu a qualquer processo criminal”. Disse ter um salão de beleza, residência e trabalho fixos. “Não apresenta e não ocasionará nenhum risco para a ordem pública quiçá à ordem econômica, já que dará continuidade na sua vida cotidiana, razão pela qual não se pode cometer a injustiça de presumir uma periculosidade inexistente”.

Habeas corpus coletivos culpam supostos infiltrados de esquerda

Alguns habeas corpus foram apresentados de forma coletiva, a favor de todos os presos. Quase todos concentraram-se em alegar que a manifestação era pacífica e que os atos de vandalismo foram praticados por supostos infiltrados de esquerda.

“Os manifestantes, dentre eles inúmeros idosos e mulheres, pacificamente se dirigiram à Praça dos Três Poderes, caminhando uma distância superior a 8 quilômetros, ‘armados’ alguns com uma garrafa de água mineral de 500 ml. Quando estes manifestantes chegaram à Praça dos Três, os prédios públicos já tinham sido invadidos e depredados. Inúmeras imagens publicadas mostram, com absoluta clareza, que a violência e depredação foi executada por grupos da esquerda infiltrados entre os manifestantes”, diz a ação apresentada pelo advogado Oídes Rodrigues Silva Junior, de Curvelo (MG), que participou do ato, mas não foi preso.

Num outro habeas corpus coletivo, o advogado Dijalma Lacerda, de Campinas (SP), responsabilizou a polícia pela invasão e depredação. “As coisas ocorreram sob as luzes do já tecnicamente conhecidíssimo flagrante preparado. A polícia claramente fazendo ‘corpo mole’, inclusive rindo e fotografando calmamente a invasão como mera espectadora, quando muito jogando gás de pimenta no ar (não diretamente nas pessoas) e somente ingressando nos próprios públicos quando a destruição já era grande”, alegou. Isso demonstraria, para ele, a “leniência do Estado” e a “conivência e incentivo para que as coisas acontecessem como aconteceram”.

Um grupo de 33 advogados de 12 estados (SP, PR, RN, RJ, ES, RS, CE, SC, MG, DF, MS, RO) pediu a libertação de todos os presos, sob o argumento de que nem todos praticaram delitos. “Alguns foram presos sem sequer terem adentrado ao local do palácio, outros estavam distantes dali, sendo responsabilizados pelo simples ato de estar se manifestando, alguns estavam apenas acampados na frente de quartéis”, alegaram.

“O histórico de manifestações praticados nos últimos 100 dias foram pacíficos, jamais se pareceram com os atos praticados no dia 08.01.2023. Em diversos vídeos do momento da depredação, que circulam na internet, é possível notar que muitos manifestantes pedem para alguns identificados pelos perfis das redes sociais, como pertencentes a ideologias diversa, conhecido como ‘esquerda’, não ‘quebrarem’. Até mesmo se sentaram na frente de alguns patrimônios, protegendo-os com seu próprio corpo”, disseram na ação.

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