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Lula presidente
Lula tomou posse na Presidência da República neste domingo para um terceiro mandato.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu a Presidência da República neste domingo (1º) para um terceiro mandato, 12 anos depois de deixar o cargo. A nova gestão promete ser marcada por uma expansão da participação do Estado na economia, pela ampliação de programas de assistência social, ênfase em políticas ambientais e nas demandas de minorias e classes, além do retorno de regras mais rígidas para aquisição de armas de fogo – ação iniciada já neste domingo via decreto – e da reaproximação com líderes de esquerda da América Latina.

Quando ainda era candidato, Lula apresentou apenas um plano de governo com diretrizes genéricas sobre temas diversos que devem nortear o futuro mandato. O documento traz poucos números e não se aprofunda em dados.

Apesar disso, com base no documento, nas medidas adotadas já no primeiro dia de governo e em uma série de declarações públicas feitas pelo novo presidente e seus principais auxiliares durante o governo de transição, é possível ter uma ideia do que esperar do novo governo em áreas chaves como segurança pública, economia, educação, assistência social e saúde.

Nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos

Em um dos seus primeiros discursos como presidente eleito, Lula colocou a responsabilidade fiscal como antagônica à responsabilidade social, tecendo críticas a medidas implementadas na curta era pós-PT, como o teto de gastos. O mecanismo limita o crescimento anual das despesas primárias do governo à inflação medida pelo IPCA.

O teto já foi "burlado", com aval do Congresso, pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), mas Lula é abertamente contra a regra, tendo defendido durante a campanha a revogação dela – o que precisaria ser aprovado no Congresso. Há um entendimento na equipe econômica de Lula de que o mecanismo “se mostrou inviável”.

O primeiro passo para o fim do teto de gastos já foi dado. A mesma emenda que aumentou o limite de gastos em quase R$ 170 bilhões no Orçamento de 2023 – a chamada PEC fura-teto –, também abriu caminho para a extinção da regra ao prever a instituição de um novo arcabouço fiscal, por meio de uma lei complementar que deve ser apresentada pelo governo Lula até 31 de agosto do ano que vem.

O dispositivo facilita o fim da atual âncora fiscal, uma vez que, para ser aprovado, um projeto de lei complementar precisa do voto favorável de 257 deputados e 41 senadores. No caso de uma mudança por emenda constitucional seria necessária a assinatura de 171 deputados ou 21 senadores para apresentação de proposta, além do apoio de 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação nos plenários da Câmara e no Senado.

O novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que tratará do tema com prioridade, apresentando uma proposta no primeiro semestre, mas até agora não deu indicativos sobre como será esse novo mecanismo de controle fiscal.

Por outro lado, a autonomia do Banco Central (BC), aprovada no governo Bolsonaro, não será revista. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, garantiu, além disso, que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, permanecerá no cargo até 31 de dezembro de 2024, quando encerra seu mandato.

Maior participação do Estado na economia e suspensão das privatizações

Lula defende para seu terceiro mandato uma política econômica desenvolvimentista. Nesse sentido, deve retomar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que engloba um conjunto de políticas de investimento público em infraestrutura com o objetivo de estimular o desenvolvimento econômico do país e gerar empregos.

Nas duas etapas conduzidas no passado pelos governos petistas, no entanto, o PAC foi criticado em razão da falta de planejamento, que acabou por deixar diversas obras inacabadas, gerando desperdício de recursos.

Seu plano de governo fala na necessidade de “proteger o patrimônio do país” e de “recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais”, que seriam responsáveis pelo processo de desenvolvimento econômico e pelo progresso “social, produtivo e ambiental do país”.

Neste domingo, Lula determinou aos ministros que encaminhem propostas para retirar do processo de desestatização empresas públicas como Petrobras, Correios e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), entre outras, cujos trâmites tiveram início no atual governo. O senador Jean Paul Prates (PT-RN), indicado para assumir a presidência da Petrobras, afirmou em novembro que a equipe de transição de Lula pediu à estatal a suspensão da venda de ativos da companhia, como refinarias, até a posse de Lula. Por outro lado, o presidente eleito diz que não pretende reverter a venda do controle da Eletrobras à iniciativa privada, nem das refinarias que estão em processo de venda mais avançados.

Ainda sobre a Petrobras, o governo eleito indicou que deve abandonar a atual política de preços dos combustíveis, que prevê reajustes conforme a cotação do preço do barril de petróleo no mercado internacional, em dólar.

Reforma tributária deve ser "fatiada"; isenção do IRPF pode ir para R$ 5 mil

Durante a campanha, Lula defendeu uma reforma tributária “solidária, justa e sustentável”, que simplifique tributos para que “os pobres paguem menos e os ricos paguem mais”.

Nas diretrizes de governo, apresentadas durante a campanha eleitoral, o PT propõe a redução da tributação sobre consumo, o que, segundo a sigla, garantirá progressividade tributária e restaurará “o equilíbrio federativo”. Também diz que o modelo deve contemplar “a transição para uma economia ecologicamente sustentável” e aperfeiçoar a tributação sobre o comércio internacional, de modo a desonerar progressivamente produtos com maior valor agregado e tecnologia embarcada.

Em mais de uma entrevista, no entanto, o petista disse que as mudanças devem ser feitas de forma “fatiada”. “Eu não acredito em uma reforma tributária ampla. Você tem que fazer por pontos o que você quer mudar a cada momento”, disse Lula, no dia 21 de setembro, em entrevista ao Canal Rural.

Haddad já indicou que a reforma tributária também será prioridade no Ministério da Fazenda. Ele chamou para a sua equipe Bernard Appy, autor intelectual da proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/2019, que propõe a unificação do IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins em um único, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A ideia de Haddad é aproveitar a tramitação desta proposta no Congresso.

“Há duas PECs sobre reforma tributária tramitando. Vou conversar com o Appy, que formulou a proposta que mais avançou. Vamos mexer nela para aprovar. Ela precisa ser negociada. Vou manifestar opiniões sobre mudanças específicas que eu faria. Quero conversar com o Appy sobre esses pontos, para facilitar a aprovação do texto”, afirmou Haddad ao site Metrópoles. Appy será secretário especial para a reforma tributária.

A outra proposta de reforma tributária que tramita no Congresso é a PEC 110/2019, que prevê um modelo de IVA em substituição aos atuais PIS, Cofins, ICMS e ISS. Ela está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado desde o início do ano.

Lula também prometeu atualizar a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), elevando a faixa de isenção, que atualmente abrange quem ganha até R$ 1.903,98 mensais, para quem recebe até R$ 5 mil.

Reforma administrativa, versão PT

A reforma administrativa que o PT quer é bem diferente da proposta pelo governo de Jair Bolsonaro. Na visão do partido, a PEC 32, que tramita no Congresso desde 2020, abriria “caminho para que os serviços sejam desmontados e entregues nas mãos da iniciativa privada, dando aos endinheirados mais um naco das riquezas do país e, aos profissionais que tanto se dedicaram ao país nos últimos meses, menos direitos e piores condições de trabalho”, sob a “desculpa” de modernizar o Estado e gerar economia.

Na campanha, ao ser questionado sobre reforma administrativa, Lula disse que “essas coisas não me preocupam, porque muitas vezes o que é gasto, na sua cabeça, para mim, é investimento”, indicando que o tema não deve ser prioritário em sua agenda de governo.

Em outra ocasião, o petista disse que uma reforma administrativa seria necessária para equilibrar os salários das diferentes categorias do funcionalismo. “Tem pouca gente ganhando muito, e muita gente ganhando pouco”, afirmou. “É preciso tentar fazer um equilíbrio, e aí vamos ter que pensar direitinho.”

Nesse ponto, há uma ala do novo governo que defende aumentar o número de “degraus” entre o salário inicial e o do auge das carreiras, já que atualmente, em algumas profissões, servidores conseguem receber a remuneração máxima em poucos anos. O tema ainda precisa ser debatido internamente, mas há um entendimento geral de que não se deve mexer na estabilidade dos servidores.

O plano de governo do PT registrado no TSE fala em uma “reforma do Estado”, “que traga mais transparência aos processos decisórios, no trato da coisa pública de modo geral, direcionando a esfera pública e a ação governamental para as entregas públicas que realizem os direitos constitucionais”. Também cita “o respeito e compromisso com as instituições federais” e com “a retomada das políticas de valorização dos servidores públicos”.

Revisão das reformas trabalhista e previdenciária

O petista também defende a revisão de pontos da reforma trabalhista de 2017. Seu plano de governo fala em revogar “marcos regressivos da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma”, referindo-se às mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aprovadas no governo Michel Temer (MDB).

Sugere ainda estender a proteção social “a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho”, citando mais especificamente trabalhadores autônomos, domésticos, em home office e mediados por aplicativos e plataformas, e reestabelecer o acesso gratuito à Justiça do Trabalho.

“Esse pessoal que trabalha com aplicativo, esses caras precisam ter uma regulação. Eles têm que ter jornada de trabalho, têm que ter descanso semanal remunerado, têm que ter algum direito, porque inventaram que eles são empreendedores, mas eles não são empreendedores”, disse Lula durante a campanha. “A gente precisa fazer uma regulação em que a gente garanta às pessoas um mínimo de seguridade social”.

Outro ponto que deve ser estudado pelo novo governo é a possibilidade de reformular a contribuição sindical para financiar os sindicatos, mas sem retornar ao pagamento obrigatório, banido na reforma trabalhista.

A reforma da Previdência, aprovada no governo Bolsonaro, também deve passar por revisão, no que depender do novo presidente. Quando ainda era candidato, ele declarou, em nota, que pretende rever pontos como a idade mínima para aposentadoria e os redutores da pensão por morte, que podem até mesmo ser revogados.

A equipe de transição de Lula também falou em mudar as regras para a aposentadoria por invalidez. A sugestão do grupo ao presidente eleito é que ela volte a ser paga de maneira integral – atualmente o benefício corresponde a 60% da média de contribuições mais 2% a cada ano que exceder os 15 anos de contribuição. Se forem implementadas, estas mudanças devem diminuir a economia prevista com a reforma da Previdência para os próximos anos.

O plano de governo do novo presidente da República fala ainda em buscar um modelo previdenciário “que concilie o aumento da cobertura com o financiamento sustentável”, incluindo “milhares de trabalhadores e trabalhadoras hoje excluídos”.

Volta do Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Mais Médicos

Na agenda social, a principal promessa de Lula é a volta do Bolsa Família, programa que marcou sua primeira gestão e que acabou rebatizado de Auxílio Brasil por Bolsonaro em 2021. Além da retomada do nome, o novo presidente diz que vai renovar e ampliar o programa “para garantir renda compatível com as atuais necessidades da população”.

Por meio da emenda "fura-teto", aprovada pelo Congresso em 21 de dezembro, o novo governo conseguiu garantir o pagamento de R$ 600 para famílias em situação de vulnerabilidade, além de R$ 150 a mais para cada crianças de 0 a 6 anos, já a partir de janeiro. A mudança vai custar mais R$ 70 bilhões aos cofres públicos. Com os recursos garantidos, Lula assinou neste domingo uma medida provisória que oficializa os R$ 600 do Bolsa Família em 2023.

Em seu plano de governo, Lula promete ainda que o novo Bolsa Família será orientado por “princípios de cobertura crescente, baseados em patamares adequados de renda”, e que o programa viabilizará a transição, por etapas, rumo a um sistema universal e uma renda básica de cidadania. O Auxílio Brasil atende atualmente 20,65 milhões de famílias.

Se atender uma das condições que o PDT impôs para apoiá-lo no segundo turno, Lula pode apresentar, ainda, um programa de renda mínima de R$ 1 mil, que fundiria o atual Auxílio Brasil, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o seguro-desemprego e a aposentadoria rural. A ideia é originalmente de Eduardo Suplicy (PT), mas inicialmente foi rejeitada pelo programa da campanha petista.

Entre outras políticas sociais, está prevista ainda a criação dos programas Empreende Brasil, que dará crédito a juros subsidiados a empreendedores, e Desenrola Brasil, de renegociação de dívidas de famílias com o nome em serviços de proteção ao crédito. Ambas as iniciativas devem ser oferecidas por meio de bancos públicos e privados.

“Vamos criar condições de fazer crédito mais barato, como o crédito consignado no meu tempo. Não sei se vocês foram pedir dinheiro à Caixa Econômica, ao Banco do Brasil, mas era 1,7% ao mês, o que já era muito caro. Mas os outros bancos cobravam 8%, 9% ao mês. O Estado serve para isso, para ser indutor e facilitar a vida das pessoas para ter acesso a tudo, inclusive a crédito e financiamento”, disse Lula durante a campanha.

Para receber o apoio de Simone Tebet, prometeu ainda sancionar a lei que impõe equidade salarial entre homens e mulheres na mesma função. A proposta foi aprovada pelo Congresso e chegou a ir à sanção presidencial em abril do ano passado, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu de volta o texto alegando que mudanças feitas no Senado haviam sido de mérito, o que exigiria nova análise dos deputados.

Ainda na área social, Lula promete a retomada da política de valorização do salário mínimo, o fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (Suas) e a volta de “um amplo programa de acesso à moradia”, em referência ao Minha Casa, Minha Vida, de subsídio à aquisição da casa ou apartamento próprio para famílias de baixa renda. Na gestão Bolsonaro, o programa foi rebatizado de Casa Verde e Amarela e reduziu o subsídio do governo federal para a compra de imóveis.

Na saúde, uma das prioridades do novo governo será a injeção de mais recursos para o Farmácia Popular, programa criado em seu primeiro mandato para fornecer medicamentos de uso comum gratuitamente. O orçamento do Farmácia Popular para 2023 havia sido cortado em 60% (R$ 1,08 bilhão), mas com a ampliação do teto de gastos, o programa receberá mais de R$ 3 bilhões no próximo ano.

A equipe de transição também falou sobre a volta do Mais Médicos, que levou profissionais de saúde para periferias de grandes cidades e regiões do interior do Brasil, mas foi alvo de críticas por trazer médicos cubanos sem a mesma qualificação exigida de homólogos brasileiros, além da controvérsia sobre o pagamento desses médicos que, por um acordo do governo de Dilma Rousseff (PT) com Cuba, recebiam cerca de um quarto do salário pago aos demais profissionais – o restante do valor era destinado à ditadura cubana.

Porém, o Mais Médicos deve voltar repaginado, dando prioridade para a contratação de médicos brasileiros e sem um novo acordo com Cuba, a princípio.

Sem compromisso com a lista tríplice para escolher o PGR

Com mandatos passados marcados por escândalos de desvio de dinheiro público, Lula fez poucas sinalizações à pauta do combate à corrupção.

Cristiano Zanin, advogado de Lula, está propondo uma revisão de acordos de cooperação jurídica internacional firmados pelo Brasil no auge da Lava Jato, que deram celeridade às investigações. Ele é cotado para assumir a Secretaria de Assuntos Jurídicos, vinculada à Presidência e até mesmo a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

Lula também não se comprometeu a escolher um procurador da lista tríplice para a Procuradoria-Geral da República (PGR), divergindo da prática adotada nos quatro governos do PT, em que sempre era escolhido alguém da lista – o presidente Jair Bolsonaro rompeu com essa tradição ao indicar Augusto Aras para o cargo.

O novo presidente disse que, em vez disso, que fará reuniões com o Ministério Público para discutir critérios de seleção que precisam ser justos para ele e para o Brasil. Lula deve indicar o próximo PGR em setembro, quando termina o mandato de Aras.

Lula quer retomar Estatuto do Desarmamento

Na segurança pública, uma das principais mudanças em relação à política do atual governo é a retomada de restrições à circulação de armas de fogo. Neste domingo, logo após a posse, o presidente Lula assinou um decreto que reduz o acesso às armas e munições e suspende o registro de novas armas de uso restrito de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs). Também suspende as autorizações de novos clubes de tiro até a edição de nova regulamentação.

O decreto condiciona a autorização de porte de arma à comprovação da necessidade – atualmente, bastava uma simples declaração. E determina o recadastramento no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, em 60 dias, de todas as armas adquiridas a partir da edição do Decreto n° 9.785, de 2019.

Entre as restrições estabelecidas pelo decreto assinado por Lula estão a proibição do transporte de arma municiada, a prática de tiro desportivo por menores de 18 anos e a redução de seis para três na quantidade de armas para o cidadão comum, entre outras. Pelo decreto, o presidente determinou a criação de um grupo de trabalho que terá 60 dias para apresentar uma proposta de nova regulamentação do Estatuto do Desarmamento. A medida atende sugestão da equipe de transição de Lula.

Apesar disso, durante a campanha, Lula disse ser legítimo que moradores de áreas rurais tenham armas em casa para se defender. “Ninguém vai proibir que um dono de fazenda tenha uma arma, tenha duas armas. Agora, se ele tiver 20 já não é mais para defesa. Se tiver 30, pior ainda. É apenas o bom senso”.

Também está nos planos do presidente eleito a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que integraria as forças policiais dos Estados e da União, além de mecanismos de fiscalização e supervisão da atividade policial, como o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Em relação às drogas, o PT defende uma nova política de enfrentamento, “intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário”, segundo consta no programa do partido. “O atual modelo bélico de combate ao tráfico será substituído por estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência.”

Veto ao homeschooling e revisão da política nacional dos colégios cívico-militares

Na educação, o partido do presidente é contra a prática da educação domiciliar (homeschooling), à qual Bolsonaro foi favorável. Uma proposta que dispõe sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está em análise no Senado, mas deve sofrer resistência por parte da base que irá compor com o governo Lula na Casa.

O modelo de escola cívico-militar, promovido por Bolsonaro, também deve ser descontinuado no novo governo Lula, pelo menos em âmbito nacional. No grupo de transição, a maioria dos integrantes da área da Educação defende que os militares não têm de fazer gestão do processo pedagógico e descartam novos acordos para escolas deste modelo. Eles sugeriram que Lula revise o custo-benefício do programa nacional de escolas cívico-militares, podendo, eventualmente, cancelá-lo.

Segundo o deputado federal Idilvan Alencar (PDT-CE), o novo governo "não deve chegar chutando a porta" do programa cívico-militar, mas avaliar cada caso e dialogar com estados e municípios que fazem a gestão do modelo para tomar uma decisão. Porém, os colégios cívico-militares devem ser mantidos nos estados que serão governados por representantes de centro-direita.

Pautas identitárias

O próximo governo pretende ainda implantar “um amplo conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural” e também a continuidade das políticas de cotas sociais e raciais.

Outras pautas identitárias previstas no plano de governo do PT incluem “a proteção dos direitos e dos territórios dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais” e a garantia de “direitos, o combate à discriminação e o respeito à cidadania LGBTQIA+ em suas diferentes formas de manifestação e expressão”.

O primeiro passo nesse sentido foi a criação dos ministérios da Mulher, da Igualdade Racial e dos Povos Originários. Esta última pasta será ocupada por uma indígena, Sônia Guajajara, algo inédito no primeiro escalão de um governo.

O novo ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, afirmou recentemente nas redes sociais que uma secretaria LGBTQIA+ já consta no organograma da nova pasta.

Política internacional: a volta do relacionamento com ditaduras de esquerda

Nas relações internacionais, o novo governo petista deve retomar a política que caracterizou os mandatos anteriores do partido, com foco na integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe com vistas ao desenvolvimento da região, e a cooperação internacional Sul-Sul, entre América Latina e África.

Lula defende, mais especificamente, o fortalecimento dos blocos do Mercosul (Mercado Comum do Sul), da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Nesse sentido, deve haver uma reaproximação do governo Lula com as ditaduras de Cuba e Venezuela. No caso da Venezuela, Nicolás Maduro deve voltar a ser reconhecido como presidente do país a partir do ano que vem – a gestão Bolsonaro reconhece, desde 2019, Juan Guaidó como presidente interino do país vizinho.

O novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que foi instruído por Lula a retomar as relações com a Venezuela. Maduro, inclusive, já designou um novo embaixador venezuelano para atuar no Brasil. Será o diplomata Manuel Vicente Vadell.

Defesa da Amazônia com exploração sustentável

O presidente eleito comprometeu-se a desenvolver uma política ambiental transversal e integrada em seu governo. Consta da pauta itens como a conclusão da demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas; a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática; a retomada e atualização dos planos de prevenção e controle do desmatamento da Amazônia e do Cerrado; e a recomposição e ampliação de quadros técnicos e de orçamentos de órgãos como Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro (SFB).

Neste domingo, o presidente da República assinou decreto que reestabelece o combate ao desmatamento na Amazônia, no Cerrado e em todos os biomas brasileiros, recuperando o protagonismo do Ibama. Dessa maneira, Lula marca a retomada do compromisso brasileiro com a agenda climática global. Por meio de despacho, o presidente determinou ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima que apresente, em 45 dias, uma proposta de nova regulamentação para o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Em outro decreto assinado neste domingo, Lula reestabelece o Fundo Amazônia e viabiliza a utilização de R$ 3,3 bilhões em doações internacionais para combater o crime ambiental na Amazônia. Também por meio de decreto, o presidente revoga medida do governo anterior que incentivava o garimpo ilegal na Amazônia, em terras indígenas e em áreas de proteção ambiental.

“Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030, da mesma forma que mais de 130 países se comprometeram ao assinar a Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas”, disse Lula ao discursar na Cúpula Mundial do Clima, a COP27, primeiro evento internacional que ele participou como presidente eleito, a convite do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal e do presidente do Egito, Abdel Fattah El Sisi, em novembro.

Lula também defendeu parcerias com a União Europeia para a exploração sustentável da Amazônia. “A Amazônia é de interesse de sobrevivência da humanidade e, portanto, todos têm responsabilidade para ajudar a cuidar dela. A gente não quer transformar a Amazônia num santuário da humanidade, a gente quer explorar da Amazônia aquilo que a biodiversidade pode oferecer”, afirmou quando ainda era candidato.

Regulação dos meios de comunicação e das big techs

Uma das propostas mais controversas que Lula pretende levar adiante é a chamada regulação dos meios de comunicação, que, para seus opositores, abriria espaço para censura prévia da informação. Quando candidato, Lula argumentou que a medida não é prerrogativa do presidente, mas do Congresso Nacional. Segundo ele, a ideia é regulamentar a comunicação eletrônica “de acordo com o interesse da sociedade”.

“É importante a gente lembrar que a última regulação foi de 1962; a gente ainda vivia no tempo do telégrafo. Então é preciso adaptar a legislação à realidade contemporânea que estamos vivendo”, disse.

Seu plano de governo registrado na Justiça Eleitoral apresenta aspectos gerais da proposta, que abrange liberdade de expressão, neutralidade da rede, combate a “fake news” e democratização do acesso às mídias digitais, entre outros assuntos.

Parte desta proposta do PT está voltada à regulação das chamadas big techs, como Google e Facebook: “É preciso, ainda, fortalecer a legislação, dando mais instrumentos ao sistema de Justiça para atuação junto às plataformas digitais no sentido de garantir a neutralidade da rede, a pluralidade, a proteção de dados e coibir a propagação de mentiras e mensagens antidemocráticas ou de ódio”.

Ainda no setor de comunicação, o novo governo deve fortalecer a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) como um canal do sistema público de comunicação.

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