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8 de janeiro
Atos de 8 janeiro em Brasília| Foto: André Borges / EFE

Os representantes da oposição na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro fazem em todas as sessões a mesma pergunta: “Onde estava a Força Nacional?”. O "mantra" está no centro da investigação proposta por eles, na busca de provas para sustentar a tese de que autoridades federais foram negligentes a ponto de ter contribuído ou mesmo induzido os atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes.

Até mesmo aliados ao governo já reconhecem a inação do ex-ministro Marco Gonçalves Dias, quando exercia a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A oposição, contudo, considera o ministro da Justiça, Flávio Dino, o principal suspeito de negligência diante da série de avisos que recebeu dos setores de inteligência sobre sérios riscos de violência nos prédios públicos.

A suposta omissão de Dino, acreditam os oposicionistas, poderia alcançar Lula. Mas eles duvidam que a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), aliada de Dino e relatora da CPMI, anotará qualquer evidência de omissão do ministro ou do presidente da República em seu parecer final. No entanto, esperam que as apurações evidenciem fatos ocultados antes mesmo da comissão ser instalada.

Além do depoimento de Gonçalves Dias, a oposição conta com o exame das imagens internas do Ministério da Justiça no 8 de janeiro para confirmar Dino como espectador das invasões e conversando ao telefone com Lula. Neste sentido, há pedidos protocolados e não aprovados para a quebra do sigilo telemático dele, para confirmar localização, horários e interlocutores.

Após o plenário da CPMI ter aprovado requerimento para acessar imagens da sede da sua pasta, o ministro resistiu até quando pode em entregá-las, alegando que integravam o conjunto de provas levantadas pelo inquérito sigiloso no Supremo Tribunal Federal (STF). Após o impasse que despertou duras críticas, inclusive do presidente da CPMI, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), o próprio STF confirmou que o material poderia ser compartilhado, sem qualquer restrição ou adiamento.

Governistas tentaram esconder responsabilidades do ministro

A pergunta sobre onde estaria o efetivo de soldados em prontidão da Força Nacional de Segurança Pública superou outra interposta pelos governistas sobre a competência ou não de o ministro para acionar os efetivos. Os aliados do Planalto insistiam que essa era atribuição exclusiva dos governadores, transferindo a responsabilidade pelo não acionamento para Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal. Bastou a leitura da lei para esvaziar a afirmação.

Mas a demora em mobilizar e convocar ao final um número escasso de soldados que efetivamente atuaram trouxeram novas dúvidas. Neste sentido, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) requereu dados sobre o efetivo da Força Nacional no 8 de janeiro, para saber a localização de até 800 soldados e quais foram empregados ao final. “As informações que recebi até agora foram evasivas”, disse.

O deputado Aluísio Mendes (Republicanos-MA) enfatizou que Flávio Dino exercia autoridade sobre importantes órgãos federais de segurança além da Força Nacional, como a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Ele ressaltou que, em 7 de janeiro, tanto a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) quanto o diretor-geral da PF, indicado por Dino, fizeram o alerta ao ministro sobre os trágicos e iminentes acontecimentos. Apesar disso, nenhuma medida efetiva foi tomada para empregar policiais sob o controle de Dino. “É crucial avançar na investigação dos aspectos que Dino parece relutante em esclarecer”, disse.

O parlamentar lembrou que o ministro apresentou quatro versões para o horário em que teria chegado ao Palácio da Justiça em 8 de janeiro, o que naturalmente levanta a indagação sobre qual delas é a verdadeira.

Já o senador Eduardo Girão (Novo-CE) lembrou que a imprensa mostrou que o maior contingente empregado pela Força Nacional só chegou na Esplanada dos Ministérios às 16h25 daquele domingo. “Onde estava ela? Eis o grande questionamento da CPMI. Não podemos esconder a poeira embaixo do tapete”, disse.

Para o senador, a questão sobre a Força Nacional se cruza com os fatos já revelados pelas imagens do Palácio do Planalto, mostrando o ex-ministro Gonçalves Dias interagindo amistosamente com invasores. Além disso, ela se ampara no grupo de alertas produzidos pela Abin acerca do estímulo a invasões e ocupação de prédios, inclusive com indivíduos armados.

Plano de segurança não foi executado, confirma depoentes

O plano de segurança para o dia 8 de janeiro estava a cargo da Secretaria Nacional de Segurança Pública, que dispõe de serviço próprio de inteligência. Esse fato foi confirmado pelo ex-diretor da Abin, Saulo Moura Cunha, em depoimento à CPMI na semana passada. Ele revelou também que tinha avisado diretamente a Gonçalves Dias sobre as movimentações preocupantes na manhã do domingo e, depois, ligou pessoalmente para dizer estar convicto das invasões.

Foram distribuídos a um grupo de órgãos federais e distritais um relatório de inteligência e 32 alertas relacionados ao 8 de janeiro, sendo que 18 dos avisos foram enviados por meio de WhatsApp antes mesmo do início da invasão dos prédios. Essa realidade levou os membros da oposição a suspeitarem de omissão dos tomadores de decisão desses órgãos.

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) ressaltou que a Diretoria de Inteligência do Ministério da Justiça recebeu 14 alertas, além do relatório, antes dos atos de vandalismo. “O que se sabe é que, após isso, o general Gonçalves Dias, que era a autoridade responsável pela Abin mandou o diretor da agência excluir o nome do chefe do GSI da lista de destinatários dos avisos”, disse.

“Independentemente do governador, o ministro Dino poderia ter chamado a Força Nacional. Chamou, só que ela chegou quando tudo já havia sido praticamente executado”, lamentou o senador. Ele opina que seria razoável esperar uma reação mais contundente e proativa por parte do Ministério da Justiça, dado que no dia 7, já havia a confirmação de que haveria invasão de prédios públicos.

Para o deputado André Fernandes (PL-CE), a responsabilização devido aos atos de 8 de janeiro foi rapidamente direcionada às autoridades do Distrito Federal, o que motivou prisões injustas, como a do comandante da Polícia Militar, coronel Jorge Eduardo Naime, “que saiu em luta corporal com vândalos e está preso há meses”. O policial estava de folga em 8 de janeiro e foi substituído dias antes pelo coronel Paulo José Ferreira. No dia das invasões prendeu manifestantes e acabou ferido por um rojão. “Mas quem estava servindo água para os vândalos está solto, não é investigado nem denunciado”, afirmou Fernandes.

O deputado entende que os governistas trabalham para definir um culpado para poupar “alguém maior”, que ignorou os planos Escudo (de defesa do Palácio do Planalto), do GSI, e o Protocolo de Ações Integradas (PAI), que envolve autoridades de segurança da União e do Distrito Federal. Na sua visão, o quadro de suspeição é reforçado ainda pela viagem de Lula a Araraquara (SP) no dia das invasões, que só foi planejada na tarde do dia anterior. “A impressão que tenho é a CPMI lida com dois lados: o dos intocáveis poderosos e o dos que estão carregando toda a culpa”, resumiu.

Para senador, negligência ficou escancarada por documentos

O senador Esperidião Amin (PP-SC), que presidia a Comissão do Congresso para Assuntos de Inteligência (CCAI) no período anterior e durante o 8 de janeiro, descreve com os documentos recebidos pelo colegiado, que já se sabia em 6 de janeiro, às 19h40, que os prédios da Praça dos Três Poderes seriam invadidos. Às 8h do domingo, houve interações entre o diretor da Abin e o chefe do GSI, que depois conversaram por volta das 13h.

“O Plano Escudo prevê que, em 25 minutos, a chegada do batalhão para proteger o Palácio do Planalto. Como a negligência foi tão escancarada, todas especulações são válidas. A quem isso beneficiaria? Estamos ousando conhecer na CPMI aquilo que muita gente sabia”, questionou o senador. Ele recorre a uma frase de Lula, em 12 de janeiro de 2023, para também perguntar “quem abriu a porta”.

Para Amin, a falha do Plano Escudo é particularmente preocupante, pois não se viu a repetição de medidas adotadas pelas versões anteriores, menos rígidas, com interdições na Esplanada dos Ministérios, como foi na sessão do impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, por exemplo.  “Onde é que estava a Força Nacional?”, pergunta Amin, lembrando que a sede dela é o Ministério da Justiça.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) completa o questionamento perguntando por que Dino “ficou de camarote, observando tudo, sem fazer nada, tal qual o GSI e o Batalhão da Guarda Presidencial”.

Para mostrar que Dino sabia do que iria ocorrer em 8 de janeiro, Flávio Bolsonaro lembra que o ofício de Andrei Rodrigues, chefe da Polícia Federal, em 7 de janeiro, às 18h51, dirigido ao ministro sugeria o emprego da Força Nacional, “notadamente para garantia da ordem pública e do patrimônio público e privado entre a Rodoviária de Brasília e a Praça dos Três Poderes". Essa teria sido também a razão, segundo o senador, para Lula sair de Brasília e ficar ausente no dia dos atos de vandalismo.

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