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Após reunir 259 assinaturas – duas a mais que o mínimo exigido – para dar caráter de urgência à tramitação do Projeto de Lei (PL) da Anistia na Câmara, a oposição conseguiu aumentar a pressão sobre o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), para que paute já o requerimento no plenário.
A articulação liderada pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do PL na Câmara e autor do pedido, atingiu seu objetivo na noite desta quinta-feira (10), provocando reação no governo, que tenta reverter adesões de parlamentares da base aliada, afetados pela pressão das bases eleitorais.
A atuação de Motta tem sido alvo de críticas da oposição e de setores da sociedade, que o veem como obstáculo à tramitação do projeto, apesar de ter se comprometido com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a pautá-lo, durante as negociações que lhe garantiram apoio do PL à sua eleição.
Apesar de ter atingido o número de assinaturas, a oposição ainda depende que Motta coloque a urgência do PL da anistia para ser votada. Diante disso, Sóstenes Cavalcante tentou amenizar o tom da cobrança nesta sexta-feira (11). Ele disse que o presidente da Câmara “tem compromisso com o PL desde sua eleição” por conta do apoio do dirigente do partido, Valdemar Costa Neto, e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Foi o primeiro aliado na eleição do presidente Hugo Motta. Nós nunca vamos expor o presidente Hugo Mota, ao contrário, ele é nosso aliado. E sabemos das expressões externas à Câmara, o que lamentamos”, disse em entrevista à CNN Brasil.
Mas, na semana passada, Sóstenes disse que Motta teria pedido pessoalmente aos líderes partidários que não assinassem o requerimento, o que obrigou os articuladores a intensificarem sua campanha pelas assinaturas pela urgência, fazendo até mesmo o corpo a corpo no Aeroporto de Brasília. Com isso, conseguiu até o apoio de parlamentares de partidos da base governista.
Caso o requerimento de urgência seja aprovado, o PL de anistia poderá ser votado diretamente em plenário, sem precisar tramitar previamente pelas comissões temáticas. Isso encurta o caminho legislativo e representaria o avanço decisivo para os defensores do perdão aos réus do 8 de janeiro.
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Motta alega risco de “crise institucional” para driblar a oposição e a sociedade
O presidente da Câmara se reuniu na quarta-feira (9) com Bolsonaro, maior mobilizador pela anistia ampla, em encontro marcado pela tensão em torno da matéria. Apesar disso, Motta mantém reservas em relação à proposta, alegando risco de “crise institucional” e defendendo o alívio a condenados.
Em declarações anteriores, Motta defendeu que eventuais revisões nas penas impostas aos envolvidos nos atos da Praça dos Três Poderes devem ocorrer caso a caso, via recursos no Judiciário, e não por perdão legislativo coletivo. Bolsonaro rechaçou a perspectiva e reiterou a urgência do projeto.
Nos bastidores, interlocutores do Palácio do Planalto buscam neutralizar o avanço do PL, convencendo parlamentares a tirar assinaturas ou esvaziando a urgência que a oposição quer imprimir. Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais de Lula, admitiu redução de penas, mas sem a anistia.
Ainda assim, com a pressão popular e o engajamento de líderes da oposição, cresce a expectativa de que o requerimento possa ser pautado nas próximas semanas, logo após a Páscoa, fato que colocará Hugo Motta no centro de um dos debates mais sensíveis do atual cenário político.
Operação para tentar abafar projeto da anistia reuniu Motta, Planalto e STF
A operação para tentar abafar o PL da anistia, diante do seu avanço na opinião pública, engendrou ações coordenadas entre a presidência da Câmara, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), visando amenizar o quadro dramático dos réus e enfraquecer o movimento pelo perdão para eles.
Além de procurar ocupar a pauta dos deputados em plenário com outros temas, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública, as ações contrárias à anistia tentam também enfraquecer a crescente impressão de abuso jurídico, que embasa a proposta legislativa.
Em tom provocador, o ministro Gilmar Mendes, do STF, disse em entrevista à Globonews que “não faz sentido algum discutir” o projeto, porque a sua eventual aprovação seria uma “consagração da impunidade”. Também paira no ar o risco de a Corte de derrubar a anistia, a julgando “inconstitucional”.
Para dissuadir parlamentares, Gleisi afirmou que muitos assinaram o requerimento de urgência sem ter se dado conta de que o projeto tem alcance amplo, beneficiando também Bolsonaro e os generais tornados réus pelo STF no inquérito sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado.
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Motta viaja ao exterior e votação da urgência pode ocorrer até início de maio
Antes de viajar com a família para o exterior, gesto interpretado como mais uma forma de esvaziar a mobilização pelo PL, Motta teria avisado aos líderes que o avanço da anistia na Câmara exige negociação com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), provável obstáculo ao texto.
Diante da ausência do presidente da Câmara, a expectativa é de que a urgência seja avaliada em reunião de líderes do próximo dia 24, retardando - na melhor das hipóteses -a votação em plenário para o dia 27 de abril ou para as primeiras semanas de maio. Nesse meio tempo, espera-se por mobilização.
Parlamentares da direita apontam forte pressão do Planalto sobre Motta, que vem desde acordos para apoiar sua eleição do deputado à Presidência da Câmara, incluindo as conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante viagem ao Japão e jantar com ministros do STF. Nesse jogo, entra em cena até pesquisas de opinião desfavoráveis à anistia.
Arlindo Chinaglia (PT-SP), novo líder da maioria na Câmara, também mencionou a ideia de criar uma comissão especial para analisar o texto seria apenas um recuo político. “É preciso ficar com um olho no gato e outro na sardinha”, disse ao portal InfoMoney, usando o ditado para ilustrar a necessidade de vigilância estratégica por parte da esquerda sobre o tema.
Especialista vê assinaturas pela urgência da Anistia como imposição a Motta
Para o cientista político Ismael Almeida, o avanço da oposição na coleta de assinaturas pelo regime de urgência ao PL da Anistia representaria uma pressão incontornável sobre o presidente da Câmara. Com apoio até de membros de partidos da base de Lula, o especialista opina que o movimento impõe à Mesa Diretora a responsabilidade de pautar o requerimento.
“Trata-se de um projeto de lei ordinária e a maioria obtida no requerimento de urgência já antecipa, na prática, a aprovação do mérito no plenário”, explica Almeida. Segundo ele, diante desse cenário, Motta estaria agindo para "precificar os danos", buscando minimizar desgastes com o Palácio do Planalto e o STF, que se opõem frontalmente à proposta de anistiar os réus.
O especialista avalia ainda que, embora haja uma percepção generalizada de que o desfecho jurídico da questão será dado pelo STF, o gesto político da oposição é de grande impacto. “Mesmo que a Corte venha a interferir na constitucionalidade da matéria, a votação da urgência e, eventualmente, do próprio projeto, configura clara demonstração de força. É um recado direto à opinião pública e um teste de lealdade para os governista”, observa.
Nos bastidores, a leitura é de que Motta não conseguirá resistir por muito tempo à pressão combinada do apoio numérico e da exposição midiática do tema. “A situação força um reposicionamento do presidente da Câmara, que tentava evitar protagonismo em uma matéria sensível. Mas o volume de apoios tornou o processo praticamente automático”, opina Almeida.