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Câmara dos Deputados

Oposição mantém aliança com Motta apesar da resistência à anistia e pressão do STF

Oposição Motta anistia
Hugo Motta (centro) e deputados da oposição durante sessão da Câmara dos Deputados (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

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Apesar da resistência de Hugo Motta (Republicanos-PB) em pautar o requerimento de urgência para o projeto da anistia aos presos de 8 de janeiro, a bancada da oposição pretende manter a aliança e o apoio ao presidente da Câmara para evitar um possível isolamento. Mas também prepara estratégias para fazer a matéria ser votada. Diante disso, o STF aumentou a pressão sobre o Partido Liberal, determinando que o líder do partido na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), se explique sobre ter cogitado manobrar com emendas de comissão para forçar Motta a colaborar.

A oposição já tem as 262 assinaturas necessárias para levar a plenário a discussão sobre a anistia aos presos de 8 de janeiro de 2023, mas Hugo Motta entra na terceira semana seguida se recusando a pautar o projeto. Diante disso, a oposição sinalizou que vai retomar a estratégia de obstrução nas próximas semanas como forma de manter a mobilização sobre a proposta. Outras estratégias possíveis são aumentar a pressão nas redes sociais e até fazer greve de fome no Congresso.

Mas a opção que provocou uma reação no Supremo Tribunal Federal foi uma ameaça de não cumprir um acordo estabelecido entre líderes partidários e Motta sobre a repartição das emendas de comissão. Havia sido estabelecido que partidos que controlam comissões ficariam com 30% das verbas de emendas destinadas a elas. Hugo Motta poderia distribuir os outros 70% para outras siglas. O deputado Sóstenes disse ao jornal O Globo no domingo (27) que pode distribuir 100% de suas emendas de comissão somente para parlamentares que apoiam a anistia.

O PL preside atualmente as comissões de Relações Exteriores, Saúde, Agricultura, Segurança e Turismo, que juntas somam mais de R$ 7 bilhões em recursos.

O movimento reduziria o poder de Motta, que perderia a habilidade de barganhar apoio. A possibilidade provocou a reação do ministro do STF Flávio Dino, que desde o ano passado tenta limitar o controle do Congresso sobre as emendas parlamentares. O argumento dele é dar maior transparência à ferramenta, mas analistas políticos dizem que outro objetivo seria devolver ao Executivo maior controle sobre o Orçamento.

Dino deu 48 horas no domingo para que Sóstenes se explique, pois sua manobra pode ser contrária à Constituição e também ao intuito das emendas de comissão - que no ano passado passou a ser destinar recursos a ações de caráter nacional ou regional.

Sóstenes disse que não cederá à pressão. “O Parlamento é livre. Deputado eleito pelo povo não se curva a ameaças de ministro do STF. Fazemos política com transparência, dentro da Casa do Povo. E a luta pela Anistia é justa, constitucional e legítima. Não aceitaremos censura, não aceitaremos intimidação”, disse ele.

Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a ação de Dino pode ser considerada um "contra-ataque do STF", que tem defendido que a anistia não deve ser concedida. Há ainda o entendimento de que o movimento da anistia seja uma ameaça ao prestígio dos ministros do STF.

Além da pressão com emendas, a oposição está apostando na obstrução de votações de interesse do governo, embora essa estratégia já tenha sido adotada sem surtir resultado significativo.

“Vamos sair da obstrução somente quando tivermos a data marcada para a anistia”, disse Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara.

A obstrução é uma manobra regimental para atrasar a votação de outros itens da pauta da Câmara, enquanto o interesse do grupo não for negociado.

Os mecanismos usados, geralmente, são pronunciamentos, pedidos de adiamento da discussão e da votação e saída de parlamentares do plenário para evitar formação de quórum nas sessões da Casa.

Em outras ocasiões, inclusive, a bancada do PL acabou recuando da estratégia após ser pressionado por outros partidos da Casa, como no caso em que os deputados aprovaram o projeto de lei da reciprocidade que poderia ser usada para retaliar tarifas de comércio impostas pelos Estados Unidos.

Antes da reunião do colégio de líderes da última quinta-feira (24), o deputado Sóstenes chegou a sinalizar que o partido poderia romper com Hugo Motta, caso o pedido de urgência não fosse pautado. “Se esse requerimento não for incluído na pauta, nós do PL estamos entendendo que é um gesto do presidente Hugo Motta para com o PL da antipolítica, do desrespeito políticos e da falta de consideração para quem foram os seus primeiros aliados”, afirmou na tribuna.

O partido do ex-presidente Jair Bolsonaro tem 92 deputados e foi uma das primeiras bancadas que declarou apoio à candidatura de Motta para presidente da Câmara, ainda em agosto do ano passado. Com o acordo, o PL indicou o deputado Altineu Côrtes (RJ) para a primeira vice-presidência. 

"O presidente Hugo Motta está fazendo pouco caso da anistia e dizendo que a Câmara tem que se concentrar em saúde, educação e segurança justamente na semana em que eles colocam na pauta projetos, com urgência, para beneficiar o Judiciário. Nós temos que focar, sim, segurança, educação e saúde, mas temos que focar também algo que é prioritário, que é fazer justiça para os reféns do 8 de janeiro", criticou o deputado Carlos Jordy (PL-RJ). 

Apesar do tom do discurso de Sóstenes e de Jordy na véspera da reunião do colégio de líderes, parlamentares do PL ouvidos pela reportagem admitem que não houve debate dentro da bancada sobre a possibilidade de romper a aliança com Motta. A avaliação do grupo é de que um rompimento com o presidente da Câmara neste momento poderia resultar no isolamento da oposição dentro da Casa.

Pressão do STF pesa em decisão sobre anistia

O cenário de tensão e disputas estratégicas coloca o presidente da Câmara, Hugo Motta, no centro de pressões divergentes enquanto o tema ganha projeção popular e ocupa espaço relevante na agenda legislativa. Além da pressão dos parlamentares, Motta tem que lidar com os esforços do governo e do STF sobre a pauta da anistia.

A intimação de Dino, embora tenha sido direcionada ao líder do PL, reforça a atuação da Suprema Corte na pauta. "Com certeza, [a intimação] é um contra-ataque. Lembrando que Dino fez parte do governo Lula e é o ministro mais político de todos, por ter sido governador e senador", aponta o cientista político e professor do IBMEC-BH, Adriano Cerqueira. Para ele, a intimação do Dino a Sóstenes é uma tentativa de arrefecer o ânimo da oposição que está muito forte na pauta da anistia.

"A tática da oposição tem funcionado, tendo em vista que o assunto da anistia tomou as ruas e se popularizou", avalia Cerqueira. O cientista político afirma ainda que, diante das ações da oposição, Motta corre o risco de perder o controle da Casa, gerando a chamada "paralisia legislativa".

Além disso, o cientista político Paulo Kramer aponta que Alexandre de Moraes e os colegas de STF que se alinham às posições dele "veem o movimento pela anistia" aos presos e perseguidos políticos do 8 de janeiro "como uma ameaça ao seu prestígio".

Sendo assim, segundo o analista da Consultoria Política Kramer, a movimentação revela não apenas o embate político em torno da pauta da anistia, mas também a disputa silenciosa por espaço e autonomia entre os Poderes. "Os deputados pró-anistia se esforçam para jogar com os ‘brios corporativos’ do presidente da Câmara, deixando claro que estaria mais que na hora de a Casa impor limites à ingerência do STF, obrigando suas excelências supremas a recuarem de volta para o seu ‘quadrado’ constitucional", afirmou Kramer.

Oposição responsabiliza líderes e governo por decisão de Motta sobre anistia 

Além de minimizar as críticas com Hugo Motta, integrantes da oposição responsabilizaram os líderes partidários e o governo pela decisão do presidente da Câmara em não pautar o pedido de urgência da anistia. Durante a reunião do grupo, apenas os líderes do PL, do Novo, da oposição e da minoria defenderam que o requerimento entrasse na pauta de votações desta semana. 

“Foi imputada a decisão a líderes que, inclusive, estão contra a própria bancada. É muito ruim para a Câmara dos Deputados. Esses líderes deixaram o presidente Hugo Motta sozinho nessa decisão”, avaliou o deputado Zucco. 

As críticas da oposição são principalmente dirigidas aos representantes das bancadas de partidos como União Brasil, MDB, Republicanos e Podemos. Boa parte dos deputados filiados a esses partidos assinaram o requerimento de urgência da anistia, mas seus líderes optaram por não dar aval à tramitação do projeto. 

A sinalização contrária dos líderes acontece justamente em meio à pressão por parte do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre esses partidos. Das 262 assinaturas recolhidas pela oposição, 55% são de partidos com ministérios e 61% são filiados a siglas da base governista. Ou seja, contemplados com outros cargos de segundo escalão, mas não com ministérios.  

Desde que o requerimento foi protocolado, o Palácio do Planalto iniciou uma operação para retaliar os partidos que tivesse aderido ao pedido de urgência. É o caso, por exemplo, do Podemos, que havia entregado nove assinaturas dentro da sua bancada de 15 deputados. 

A sigla indicou recentemente o presidente da Geap, a operadora de planos de saúde que atende servidores públicos, aposentados e seus familiares. Após a pressão do Planalto, quatro deputados, incluindo a deputada Renata Abreu (SP), presidente do Podemos, pediram que a assinatura fosse retirada. 

O gesto, no entanto, tem valor simbólico. O Regimento Interno da Câmara, prevê que as assinaturas não podem ser retiradas (nem adicionadas) depois de protocolado o projeto de lei. O requerimento, porém, pode perder a validade se metade dos deputados que assinaram o texto — 132 ao todo — pedirem a retirada. 

"Eles diziam que iriam pautar após as assinaturas e votar no plenário com urgência, mas hoje obtivemos uma grande vitória. Não será pautado como eles querem. Os líderes dos maiores partidos perceberam que isso jogaria o país em uma grave crise, livrando o Bolsonaro, os militares da trama golpista. Eles sentiram, e aqui prevaleceu a responsabilidade. Sem anistia", disse o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ). 

Partido de Bolsonaro discute texto que reduz o tamanho da anistia 

Em outra frente, o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro discute a possibilidade de apresentar um projeto que restringe o tamanho da anistia. A ideia é limitar o texto para beneficiar apenas quem cometeu o crime de depredação do patrimônio público e fique restrita à data do 8 de janeiro de 2023.  

A proposta atual perdoa todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional de 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor da lei, caso seja aprovada. Ou seja, a nova proposta iria diferir da expectativa original da oposição de que o projeto também se estendesse ao ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no processo da suposta trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF).

A avaliação dentro da oposição é que uma eventual restrição do texto poderia reduzir as resistências dentro do Congresso. O próprio Hugo Motta já sinalizou que está disposto a discutir mecanismos para corrigir "possíveis injustiças" em relação aos condenados pelo 8 de janeiro de 2023. 

"Há esse sentimento de convergência de que algo precisa ser feito para que, se houve algum tipo de injustiça, isso possa ser também combatido, para que ao final o parlamento, a casa do debate, jamais possa ser insensível com qualquer pauta", disse Motta.

Para apresentar a nova versão, o PL espera que Hugo Motta indique um relator ao projeto original. O partido de Bolsonaro deseja que Rodrigo Valadares (União-SE) seja o indicado, pois ele foi deputado que relatou a proposta quando ela passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no ano passado.

“Já temos o esboço de uma proposta sintética e precisa para contemplar somente o dia 8 de janeiro e corrigir as penas das pessoas que depredaram o patrimônio público. Essa será a nossa primeira sugestão para o relator”, explicou Sóstenes Cavalcante. 

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