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Reforma eleitoral em pauta

Parlamentares brasileiros vão na contramão de Trump e discutem fim da reeleição

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Relator do novo código eleitoral no Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), também proporá emenda constitucional para acabar com a reeleição. (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

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A declaração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta semana, de que não estava brincando ao cogitar um terceiro mandato - apesar da proibição constitucional -, reforça a tendência global de líderes, de diferentes ideologias, buscarem a perpetuação no poder. No Brasil, contudo, as forças políticas caminham no sentido oposto e miram o fim da reeleição, apesar da persistente polarização dominada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à esquerda, e o seu maior rival, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), à direita.

Nesta quarta-feira (2), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado inicia a leitura do novo Código Eleitoral relatado por Marcelo Castro (MDB-PI). O Projeto de Lei Complementar (PLP), que propõe várias alterações, já passou pela Câmara e está sob a análise dos senadores há quatro anos.

O senador também é o relator de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para acabar com a reeleição para os cargos de presidente, governador e prefeito. Em contrapartida, a proposta 12/2022, criada pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO), visa ampliar os mandatos desses cargos executivos de quatro para cinco anos e aumentar os mandatos dos senadores de oito para dez anos.

A proposta em tese agrada a maioria dos parlamentares, que teriam seus mandatos prolongados (para que todas as eleições possam ocorrer de uma vez só) e não seriam afetados pelo fim da possibilidade de reeleição.

Castro espera aprovar o novo Código Eleitoral no Senado nas próximas semanas e até outubro na Câmara, para onde retornará após sofrer as alterações sugeridas por ele. A aprovação dos projetos precisa ocorrer nesse prazo para que as novas regras possam valer já nas eleições do ano que vem.

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FHC reconhece prejuízos com a reeleição

A reeleição para presidente foi criada em 1997 durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que foi também seu primeiro beneficiário. O avanço no Congresso do debate sobre o fim da reeleição para cargos do Executivo deve-se ao consenso de que o modelo atual é um fator responsável por distorções e má governança.

Chefes do Executivo tendem a focar esforços em medidas eleitoreiras e gastar recursos públicos com despesas populistas para se perpetuar no poder. Além disso, a cada dois anos o debate político se foca demasiadamente nas eleições e reformas e avanços essenciais para o país ficam relegados ao segundo plano.

Após uma década em discussão no Legislativo, o fim da reeleição esbarra na definição da transição para mandatos mais longos, de cinco anos, e a adoção do novo calendário eleitoral. No mundo político, há uma percepção de que quatro anos de mandato não são suficientes para um governante realizar projetos. Já um período de seis anos de mandato é encarado como excessivo.

Em artigo publicado em setembro de 2020 no jornal O Estado de S. Paulo, Fernando Henrique Cardoso admitiu ter sido “um erro” a aprovação da emenda constitucional que instituiu a reeleição. O ex-presidente avaliou que teria sido mais adequado mudar para um mandato único de cinco anos.

Apesar de ter defendido a medida à época, comparando-a ao modelo dos Estados Unidos, ele reconheceu ter subestimado o uso da máquina governamental na busca da reeleição. A emenda constitucional foi aprovada após articulações iniciadas em 1995 e foi alvo de denúncias de compra de votos no Congresso.

Especialistas medem impactos do desejo de Trump sobre a reeleição no Brasil

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo divergem sobre a intensidade do impacto na política brasileira do aceno de Trump para obter o prolongamento do atual mandato. Mas eles dizem que tais manifestações do político mais poderoso do mundo e o mais influente sobre a direita mundial jogam luz sobre o tema no Brasil.

Para Luiz Felipe Freitas, assessor legislativo da Malta Advogados, o fim da reeleição deve vingar, por ser um tema que já está maduro no Congresso. “A negociação iniciou há 10 anos na comissão especial da Câmara, criada pelo presidente Eduardo Cunha, e acelerou nesses anos de polarização Lula- Bolsonaro”, diz.

Segundo o cientista político, embora a hipotética reeleição de Lula em 2026 esteja cercada de incertezas, uma mudança radical nos EUA acerca do tema pode influenciar o Brasil. “O momento é propício para pôr fim ao casuísmo da reeleição e ainda buscar um meio de reduzir a polarização atual”, afirma.

Daniel Afonso Silva, pesquisador de política externa da USP, discorda de que qualquer mudança no instituto da reeleição nos EUA repercuta no Brasil. “No curto prazo, a política brasileira seguirá soterrada pelos episódios do processo do Supremo Tribunal Federal (STF) contra Jair Bolsonaro”, prevê.

O professor avalia que a revisão do dispositivo da reeleição no Brasil pode evoluir para uma discussão ainda mais séria, envolvendo a necessidade de uma reforma política, o que demandaria “quase uma Constituinte”. “Por isso, não vejo clima interno para isso nos próximos cinco ou 10 anos”, aposta.

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Trump afirma ainda ser cedo, mas vê "métodos" para se recandidatar em 2028

Trump, que tomou posse em 20 de janeiro de 2025 para um segundo mandato não consecutivo na Casa Branca, vinha fazendo alusões vagas à busca por um terceiro mandato. Ele abordou diretamente o assunto em entrevista à NBC News. “Existem métodos para fazer isso”, argumentou ele, sem dar mais detalhes.

Os presidentes dos EUA são limitados a dois mandatos de quatro anos, seguidos ou não, conforme a 22ª Emenda da Constituição americana. Entre os “métodos” cogitados para contornar essa vedação, estaria sendo levado em conta a chance de Trump sair candidato a vice-presidente na próxima eleição. Um projeto de mudança na Constituição também é cogitado, mas requer ampla maioria na Câmara e no Senado.

A disposição de Trump para concorrer a um terceiro mandato reflete uma tendência que vem ganhando força no mundo desde os anos de 2010: o papel do indivíduo na política se sobrepondo a sistemas políticos baseados em redes institucionais e partidárias. Outros exemplos dessa tendência, que estenderam seus mandatos, foram os presidentes Narendra Modi, na Índia, Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, e o líder Xi Jinping, na China.

Marcus Deois, diretor da Ética Consultoria Política, avalia que, embora os desafios enfrentados por Trump estejam inseridos no contexto político dos Estados Unidos, suas repercussões podem ecoar indiretamente no debate brasileiro.

Segundo ele, iniciativas como uma proposta de alteração da Constituição americana representam movimentos políticos extremos e desgastantes, capazes de gerar instabilidade institucional e insegurança jurídica - especialmente em um cenário de fragilidade econômica.

Deois ressalta também que o discurso de Trump, com traços individuais mais acentuados, pode encontrar também ressonância no Brasil. No entanto, ele descarta a possibilidade de o Congresso brasileiro cogitar mudanças constitucionais para permitir mais de uma reeleição.

“Pelo contrário, o debate por aqui caminha na direção oposta: o fim da reeleição e a ampliação dos mandatos majoritários para cinco anos”, afirma.

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