À CPMI, Silvinei Vasques disse que dificultar votação de eleitores de Lula seria um “crime impossível”| Foto: Pedro França/Agência Senado
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Na investigação que resultou na prisão do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, a Polícia Federal (PF) captou mensagens e imagens de celular de alguns de seus ex-colegas que indicam ter ocorrido um “policiamento direcionado” da corporação, no dia do 2º turno das eleições no ano passado, em cidades do Nordeste onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve mais votos que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno.

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Silvinei foi preso nesta quarta-feira (9), por ordem do ministro Alexandre de Moraes, pela suspeita de ter coordenado uma operação para dificultar a chegada de eleitores de Lula às seções eleitorais, ao reforçar a fiscalização de transporte de passageiros nas rodovias da região Nordeste no dia da votação.

Ele é investigado pelo suposto cometimento dos seguintes crimes:

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  • prevaricação, que consiste em praticar ato contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal;
  • violência política, que é restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional;
  • impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio (crime eleitoral);
  • ocultar, sonegar, açambarcar ou recusar no dia da eleição o fornecimento, normalmente a todos, de utilidades, alimentação e meios de transporte, ou conceder exclusividade dos mesmos a determinado partido ou candidato (crime eleitoral);
  • omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo (crime de abuso de autoridade).

Somadas, as penas podem ultrapassar 10 anos de prisão, em caso de condenação.

No pedido de prisão, a PF anexou fotos captadas no WhatsApp da delegada Marília Alencar, então diretora de inteligência do Ministério da Justiça, que mostram tabelas e localização de cidades onde Lula teve mais de 75% dos votos. Veja:

Imagem captada em celular de ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça lista cidades do Nordeste onde Lula teve mais de 75% dos votos (Fonte: PF)

Em outros prints, há fotos de tabelas listando cidades de Goiás e Minas Gerais:

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Delegada que chefiava Inteligência também tirou foto de levantamento com cidades de Goiás (Fonte: PF)
Imagem com lista de cidades de Minas, encontrada no celular de delegada, aponta votação de Bolsonaro na capital e interior (Fonte: PF)

No celular da delegada, ainda foi encontrada uma planilha listando 19 cidades da Bahia, com a quantidade de equipes que seriam mobilizadas para cada uma delas, informando ainda o número de eleitores e o alcance no estado:

Planilha encontrada em celular de delegada da Inteligência do Ministério da Justiça lista efetivo mobilizado para cidades na Bahia (Fonte: PF)

Todas essas mensagens foram enviadas na manhã de 17 de outubro, quando, segundo a PF, ocorreu uma reunião de Marília com o então ministro da Justiça, Anderson Torres.

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Ainda de acordo com a PF, outro indício do direcionamento da fiscalização foi encontrado numa mensagem de Adiel Alcântara, então coordenador de Análise de Inteligência da PRF. Em conversa no dia 29 de outubro, véspera do segundo turno, com um de seus subordinados, Paulo César Botti Alves Júnior, Alcântara teria criticado Silvinei por ter determinado um “policiamento direcionado” e falado “muita m****” durante reuniões de gestão. Veja:

Em conversa com subordinado, coordenador de Inteligência da PRF teria criticado Silvinei Vasques por conduta durante reuniões (Fonte: PF)

A investigação da PF chama a atenção para uma reunião do Conselho Superior da Polícia Rodoviária Federal ocorrida na noite do dia 19 de outubro, onde estariam presentes diretores, superintendentes e todos os coordenadores-gerais da PRF. O próprio Silvinei disse à PF que “foi proibido o uso de celulares, pois estavam vazando as reuniões do conselho”.  Mais tarde, ele teria participado de outra reunião com o então ministro da Justiça, Anderson Torres. A PF suspeita que nessas reuniões foram discutidos detalhes da fiscalização no 2º turno.

Silvinei Vasques nega que fiscalização foi para dificultar o acesso de eleitores

Na CPMI do 8 de janeiro, no Congresso, Silvinei Vasques negou que a fiscalização de veículos tenha sido intensificada no Nordeste para dificultar o acesso de eleitores de Lula aos locais de votação. “Isso não é verdade. Não é verdade porque o Nordeste brasileiro é a região onde mais temos infraestrutura da PRF no Brasil”, afirmou aos parlamentares, no dia 20 de junho.

“Temos 13 mil policiais, grande parte dos nossos policiais também eram eleitores do presidente Lula. Além disso, é um crime impossível, que não ocorreu, não tem como”, disse o ex-diretor. Na mesma ocasião, ele criticou colegas que insinuaram essa acusação. “Esses policiais que divulgaram são covardes, quebraram o juramento da instituição”.

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Em depoimento à PF, a delegada Marília Alencar confirmou que solicitou a um servidor o levantamento dos locais onde cada um dos candidatos – Lula e Bolsonaro – tiveram mais de 75% dos votos no primeiro turno, “confrontando com os partidos políticos dos respectivos prefeitos de cada município do Brasil inteiro, o que poderia caracterizar indicativo de compra de voto a depender do informe recebido”.

Ela relatou ter entregue esses dados a Anderson Torres. Ela negou, porém, que tenha ocorrido qualquer atuação da Diretoria de Inteligência para impedir os eleitores de votar.

Em depoimento à PF, Anderson Torres confirmou que tratou com Silvinei sobre a fiscalização nas rodovias, que teria lhe dito que “a atuação da PRF era normal, chegando, inclusive, a escoltar veículos que estariam sem condições de trânsito para garantir o direito de voto”. Ele afirmou ainda que a PRF tinha autonomia para realizar o planejamento operacional nas eleições e que ele, enquanto ministro da Justiça, “não tinha atribuição para vetar o planejamento operacional de qualquer instituição”.

Torres disse ainda que não levou os dados dos locais com votação maior que 75% dos candidatos à PRF, “acreditando que não houve sequer difusão pelos canais de inteligência”. Segundo ele, Silvinei teria lhe dito que a ação da PRF no 2º turno “foi praticamente a mesma do primeiro turno, não tendo havido qualquer direcionamento”.

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Atuação no Nordeste

No pedido de prisão de Silvinei, a PF ainda juntou dados que mostram uma atuação mais incisiva da PRF no Nordeste, no dia 30 de outubro, data do segundo turno. A região recebeu um efetivo de 795 policiais; seguido do Sudeste, com 528; Sul, com 418; Centro-Oeste, com 381; e Norte, com 230 policiais.

De 29 a 30 de outubro, a PRF reteve 48 ônibus na região Nordeste, 9 no Sudeste, 8 no Centro-Oeste, 5 no Norte e 4 no Sul. No mesmo período, 2.185 ônibus foram fiscalizados no Nordeste, 893 no Centro-Oeste, 632 na região Sul, 571 no Sudeste e 310 na região Norte.

A PRF também mobilizou mais recursos para o Nordeste do que para outras regiões na Operação Eleições 2022: R$ 997,2 mil. No Sudeste, foram gastos R$ 685,7 mil; no Centro-Oeste, R$ 545,4 mil; no Sul, 526,5 mil; e no Norte, R$ 313,2 mil.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]