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Contrato de R$ 37 milhões

PF terceirizará burocracia de registro de armas e gera temor por vazamento de dados de CACs

PF quer contratar terceirizados para tratar dados de CACs
PF quer contratar terceirizados para tratar dados de CACs (Foto: Hugo Harada/Arquivo/Gazeta do Povo)

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A Polícia Federal (PF) abriu uma licitação neste mês, com um valor estimado em R$ 37 milhões, para contratar digitadores terceirizados que auxiliem na gestão dos dados de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). A medida está gerando preocupação entre juristas e especialistas que defendem o setor. Eles temem que o manuseio de dados sensíveis por funcionários temporários possa resultar na exposição de informações sigilosas.

A licitação busca suprir a falta de pessoal da PF para operar o sistema de controle de armas, cuja gestão foi transferida do Exército para a Polícia Federal pelo decreto 11.615/2023. Esse decreto estabelece a transição gradual da fiscalização das armas de fogo dos CACs para a PF até janeiro do ano que vem. Com isso, a PF passará a ser responsável pelo registro de CACs, autorização de compra e venda de armas, concessão de guias de tráfego, fiscalização das atividades dos CACs e fiscalização e controle do comércio para pessoa física.

Especialistas apontam que a contratação temporária para lidar com informações sigilosas sobre armamentos, com vínculos de até dois anos, pode aumentar o risco de vazamentos, comprometendo tanto a segurança dos CACs quanto a do sistema de segurança pública.

Venda de dados para o crime organizado é um dos riscos apontados

A contratação de mais de 500 funcionários terceirizados para lidar com dados sensíveis de registros de armas no Brasil gerou alerta entre especialistas em segurança. O promotor de Justiça Luciano Lara, especialista em ciências criminais e criador do canal Bê-a-bá do Tiro, aponta que essa medida pode facilitar a manipulação ou até a venda de dados de CACs a organizações criminosas.

"O risco de que esses dados sejam vendidos ou manipulados é real, especialmente porque é mais fácil corromper ou cooptar um terceirizado do que um servidor de carreira", disse Lara em entrevista à Gazeta do Povo.

Lara destaca a vulnerabilidade que surge quando informações sobre acervo de armas, endereços e perfis dos CACs são acessadas por pessoas sem o devido treinamento ou comprometimento ético que o serviço público exige. Ele alerta que essa exposição representa uma ameaça à segurança dos proprietários de armas e à segurança pública em geral.

Além de possíveis fraudes ou uso indevido, o vazamento de informações confidenciais pode transformar os donos de armas em alvos de quadrilhas especializadas. "Esses dados podem cair em mãos erradas, como as de organizações criminosas, e transformar os CACs em alvos fáceis", disse o jurista Fabrício Rebelo, especialista em direito de armas. Para ele, a terceirização apenas aumenta os riscos para os proprietários de armas no país.

"Há um nítido desrespeito à sensibilidade dos dados inerentes a essa gestão, tendo em vista que, por eles, é possível alcançar informações detalhadas sobre acervos de armas, sua localização e até mesmo condições de segurança, elementos que, se vazados, não só expõem o próprio CAC a uma investida criminosa como vão ter reflexo negativo na segurança pública, permitindo que bandidos tenham acesso a esses artefatos", diz o jurista.

Rebelo também critica a transferência da gestão dos CACs do Exército para a Polícia Federal, destacando que isso contraria o Estatuto do Desarmamento, que atribui essa responsabilidade ao Exército. Segundo ele, essa mudança só poderia ser feita mediante alteração legal e não por decreto, como foi feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ele ainda afirma que o acordo de cooperação técnica entre Exército e PF para formalizar essa transferência é um instrumento inadequado, pois tal documento não possui valor normativo suficiente.

"Se não há estrutura para essa transferência de gestão, ela simplesmente não deveria ser feita, notadamente porque, para além de ilegal, não há um único argumento técnico que a justifique, o que acaba dando à medida feições de pura perseguição ideológica ao segmento", opina.

Presidente da Comissão de Segurança critica gestão do governo na área

O deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), presidente da Comissão de Segurança da Câmara, também se posicionou contra a decisão de terceirizar a gestão dos dados de armamentos. Para ele, o governo Lula demonstra "total incapacidade" de administrar o Sistema Nacional de Armas ao optar pela contratação de terceirizados para realizar esse serviço.

“É lamentável que o governo insista em desarmar o cidadão de bem, ao invés de combater o armamento dos bandidos. A terceirização desse sistema apenas mostra a falta de preparo do governo federal para lidar com questões de segurança pública”, afirma. “Todos sabíamos que a PF não tinha uma estrutura necessária para gerenciar essa transferência, e o resultado disso seria o caos”, concluiu.

Novas regras sobre armas prejudicam CACs e clubes de tiro

As medidas previstas no decreto antiarmas do governo de 2023 já afetaram diretamente o funcionamento dos clubes de tiro e o cotidiano dos CACs. A partir de janeiro de 2025, novas regras impostas pelo governo devem entrar em vigor, como a restrição do horário de funcionamento de clubes de tiro e o limite do transporte de armas, o que dificulta a prática esportiva e a rotina dos atiradores.

Os críticos apontam que o governo Lula está, de forma deliberada, impondo um cerco sobre os CACs e clubes de tiro, dificultando ainda mais o direito de acesso e posse de armas. “Essas medidas são absurdas. O governo está restringindo o direito de transporte de armas e impondo um controle severo sobre os clubes de tiro, prejudicando um segmento que já enfrenta obstáculos consideráveis”, critica o promotor Luciano Lara.

Um dos principais problemas no que se refere aos clubes de tiro, segundo Lara, é a questão imposta pelo decreto presidencial de que os clubes devem ficar distantes pelo menos um quilômetro de instituições de ensino, o que vai inviabilizar o setor.

O promotor também aponta que um decreto presidencial não poderia tratar sobre a ocupação do solo, como no caso da localização dos clubes, já que cabe aos municípios legislar neste caso.

O que diz o Ministério da Justiça

Questionado pela Gazeta do Povo, o Ministério da Justiça confirmou que a Polícia Federal abriu um processo licitatório para a contratação de digitadores para, entre outras demandas, apoio de atendimento aos CACs. A pasta informou ainda que solicitou ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos a realização de concurso para servidores administrativos e policiais.

Sobre um eventual risco de vazamento de dados sensíveis dos donos de armas, o ministério não se pronunciou.

Senado pode analisar texto que susta parte do decreto sobre armas

Enquanto se discute a transferência de dados prevista pelo decreto presidencial que determinou a mudança das informações sobre registro de armas do Exército para a Polícia Federal, os parlamentares tentam ainda mudar outros pontos do decreto antiarmas de Lula, como a questão da distância dos clubes de tiro das instituições de ensino.

Um projeto de decreto legislativo aprovado em votação simbólica na Câmara segue aguardando análise do Senado Federal. O texto chegou a tramitar em regime de urgência, mas foi retirado da pauta do plenário depois de um acordo com os líderes, e há expectativa de que o texto volte a ser discutido após o primeiro turno das eleições municipais.

Há ainda a possibilidade de que o governo envie um novo texto ao Senado com a correção dos pontos questionados pelos parlamentares. O líder do governo na Casa, senador Jaques Wagner (PT-BA), disse que já conversou a respeito com Lula.

Segundo o líder, outro ponto que pode ser alterado com um novo decreto é a questão da mudança de categoria das armas. O decreto em vigor proíbe a destinação da arma de fogo restrita para atividade diferente daquela declarada na compra.

Mais um ponto que pode ser alterado é a atual exigência de que as armas de fogo históricas e aquelas que fazem parte de acervo de coleção sejam declaradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

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