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PL Antifacção: relator no Senado reduz penas aprovadas na Câmara e mantém votos de presos

Senador Alessandro Vieira (MDB-SE) propôs mudanças no PL Antifacção aprovado na Câmara. (Foto: Andressa Anholete/Agência Senad)

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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado votou e aprovou nesta quarta-feira (10) o novo marco legal de combate às facções criminosas, o PL Antifacção, apresentado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O texto é um substitutivo apresentado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) ao projeto aprovado pela Câmara, relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PL-SP).

A versão do Senado do PL Antifacção é mais amena do que o texto aprovado pelos deputados. Em seu parecer, Alessandro Vieira prevê penas menores do que as propostas na Câmara para líderes de facções criminosas e seus comparsas. O texto de Derrite previa até 40 anos de prisão para chefes do PCC e do Comando Vermelho, por exemplo. Vieira, por sua vez, limita a punição desses criminosos a 30 anos de prisão.

Além disso, Vieira retirou do texto a proibição de presos votarem e devolveu ao Tribunal de Júri o julgamento de faccionados acusados de homicídio. Em relação a um dos pontos mais sensíveis do projeto, relacionado à destinação de recursos tomados das facções, que opõe União e estados, o texto de Vieira beneficia o governo federal, retomando a centralização, na esfera federal, da gestão do dinheiro e dos bens apreendidos.

Na prática, Alessandro Vieira tenta retomar, em boa medida, o teor original da proposta inicial de Lula. Nos bastidores, a proposta é vista como uma resposta direta à derrota do governo na Câmara. O Planalto havia enviado um texto próprio, com foco na reestruturação dos fundos de segurança, mas a versão acabou desfigurada por Derrite.

A leitura no Congresso é de que o governo encontrou no Senado a trincheira para reequilibrar o PL Antifacção sem sofrer um novo desgaste político, como ocorrido na Câmara.

O relator tem sustentado que o substitutivo corrige distorções aprovadas pelos deputados e reconstrói um marco jurídico com base técnica, segurança jurídica e financiamento estável — um tripé que, segundo ele, foi rompido na tramitação anterior.

Vieira defende a criação da CIDE-Bets, um novo tributo que seria cobrado das casas de apostas virtuais, como fonte exclusiva para financiar ações de combate ao crime organizado. A fonte adicional de recursos é uma tentativa de prometer mais verba para os estados, que reclamam da falta de apoio federal para a segurança pública local.

“A gente parte de uma premissa que é consensual aqui no Senado: não se pode retirar nenhum centavo do financiamento da Polícia Federal”, diz Vieira — o discurso agrada ao governo federal.

O relator trata a CIDE-Bets como a principal inovação estrutural do Senado. Na avaliação dele, o endurecimento penal só se sustenta se houver fluxo permanente de recursos para inteligência, investigação e custeio do sistema prisional federal.

Correções técnicas e blindagem constitucional no PL Antifacção

Assim que foi escolhido relator, Alessandro Vieira enfatizou que o Senado deveria “limpar” o texto das supostas inconstitucionalidades aprovadas pela Câmara.

Um dos pontos centrais foi a troca dos conceitos criados pelos deputados — como “domínio social estruturado” e “organização ultraviolenta” — pelos tipos penais como “facção criminosa” e “milícia privada”, ambos inseridos na Lei de Organizações Criminosas, com pena de 15 a 30 anos. “Tipos penais não podem ser abertos, não podem estar entregues à subjetividade”, declarou o senador.

Ele também retirou dispositivos que proibiam voto de presos provisórios e vedavam o auxílio-reclusão para dependentes de condenados por facção, afirmando que tais mudanças exigiriam aprovação de emenda constitucional, não lei ordinária.

Apesar das correções, o relator insiste que o projeto não foi suavizado e garante que "as penas para líderes de facções podem chegar a 120 anos". "Penas duras e execução muito mais dura”, reforçou.

Além disso, ampliou a regulamentação de spywares, operações encobertas, com agentes infiltrados com identidades fictícias e espelhamento remoto de dados — medidas que necessitam de autorização judicial.

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Oposição pressiona por linha mais dura e tenta reincluir pontos barrados

A oposição no Senado — incluindo Carlos Portinho (PL-RJ), Rogério Marinho (PL-RN) e Eduardo Girão (Novo-CE) — atua para reverter mudanças feitas por Vieira, especialmente no que diz respeito ao voto de presos provisórios e à não equiparação das facções ao terrorismo.

A equiparação a terrorismo foi a principal bandeira da oposição na Câmara no PL Antifacção e pode voltar na CCJ do Senado por meio de emendas.

Sensível a esse ponto, Eduardo Girão criticou a retirada de dispositivos e a mudança feita pelo relator na proposta da Câmara.

“Foi muito mudado no Senado. Tiraram conquistas da sociedade, como a proibição de voto dos presos provisórios. Vamos tentar incluir novamente. E continuo achando claro que o que está acontecendo no Brasil é terrorismo. Não tem que suavizar nada. A sociedade merece a equivalência", disse à Gazeta do Povo.

A tendência é de que a oposição apresente três tipos de emendas:

  • restauração da vedação ao auxílio-reclusão para dependentes de condenados por facção;
  • reinclusão da equiparação das facções a terrorismo;
  • reforço de dispositivos de endurecimento retirados pelo relator.

Visão técnica: PL 2.646 seria mais consistente que a proposta em votação

Para especialistas, o projeto aprovado pela Câmara e retrabalhado no Senado ainda não é o marco mais robusto possível. O cientista político João Henrique Martins, consultor e pesquisador de políticas criminais, avalia que o debate correto deveria estar em torno do PL 2.646/25, parado na Comissão de Segurança Pública da Câmara, e não no PL Antifacção.

O PL 2.646/2025, com o substitutivo apresentado pelo deputado Paulo Bylinskyj (PL-SP), reorganiza o marco legal contra facções em três eixos: punição mais rigorosa para líderes e integrantes reincidentes, ataque direto ao patrimônio ilícito e modernização dos instrumentos processuais.

A proposta também altera 21 leis, cria tipos penais voltados ao mercado ilícito transnacional, amplia mecanismos de rastreabilidade econômica, reforça a cooperação entre órgãos de segurança e estabelece critérios mais duros para progressão de pena e prisão preventiva.

Para o consultor, esse desenho corrige fragilidades históricas da legislação brasileira e mira o “empreendedor do crime”, que utiliza logística, finanças e brechas legais para manter redes de atuação nacional e internacional.

Ele classifica o PL 2.646/25 como o projeto “mais consistente”, por ter sido construído de forma ampla, sendo elaborado com os 27 secretários de segurança pública (Concesp) e debatido com o Judiciário, especialmente com o DIPO de São Paulo, setor do Judiciário paulista dedicado a investigações criminais. Segundo Martins, é um projeto que conta com o apoio do setor produtivo, principal vítima de extorsões e lavagem; e que foi desenvolvido tecnicamente ao longo de anos, e não em regime político de urgência.

“O que deveríamos estar discutindo é o 2.646. É equilibrado, tem consistência e respaldo técnico. O que está sendo votado agora é a iniciativa do governo e a relatoria, mas houve pouca discussão. O modo como o texto vem sendo conduzido explica as várias versões sucessivas”, declarou.

Para Martins, o esforço do relator corrige problemas da proposta do Executivo, mas o processo legislativo permanece “correndo atrás” do melhor marco já disponível — o 2.646.

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Principais pontos de divergência entre Câmara e Senado no PL Antifacção

1. Tipificação: “domínio social estruturado” x “facção criminosa”

Câmara:
Criou dois novos crimes:
– Domínio social estruturado (pena de 20 a 40 anos)
– Favorecimento ao domínio social estruturado (12 a 20 anos)

Senado:
Abandona essa nomenclatura e cria diretamente os tipos penais de:
– Facção criminosa
– Milícia privada
Ambas passam a ser formalmente enquadradas como organizações criminosas, com penas entre 15 e 30 anos.

2. Tribunal do Júri: retirada foi revertida

Câmara:
Retirava do Tribunal do Júri os homicídios praticados por facções, transferindo o julgamento para juízo colegiado.

Senado:
Mantém o Júri por entender que a competência é cláusula pétrea da Constituição. Em troca, cria um pacote de proteção aos jurados com sigilo de dados, interrogatórios por videoconferência e desaforamento ampliado para comarcas maiores.

3. Execução provisória da pena: rejeitada

Câmara:
Abriu espaço para interpretação favorável à execução antecipada em crimes.

Senado:
Rejeitou expressamente a execução provisória após primeira instância. Mantém o sistema recursal atual, mas endurece progressão de regime e reforça o envio de líderes ao sistema federal.

4. Voto de presos e auxílio-reclusão:

Câmara:
Restringia o direito de voto de presos provisórios e criava limitações ao auxílio-reclusão.

Senado:
Retirou ambos os dispositivos por considerá-los inconstitucionais.

5. Medidas patrimoniais e bloqueios:

Câmara:
Autorizava bloqueios de bens de ofício pelo juiz, inclusive no início da investigação.

Senado:
Proíbe bloqueio de ofício. Exige sempre pedido do Ministério Público ou da polícia. Também transforma a Ação Civil de Perdimento de Bens em instrumento subsidiário, só quando não houver condenação penal.

6. Drones, escutas e espionagem digital:

Câmara:
Prevê criminalização do uso de drones em ações criminosas.

Senado:

Vai além e regulamenta spywares para interceptação remota, gravações ambientais como prova e espelhamento de dados de celulares mediante ordem judicial.

7. Presídios federais e líderes de facção:

Câmara:
Torna obrigatória a transferência de líderes de facções para presídios federais.

Senado:
Mantém a diretriz e endurece regras de progressão, mas vincula o modelo ao reforço orçamentário do sistema, inclusive com criação de fonte própria via CIDE-Bets.

8. Destinação de recursos:

Câmara:
Dividia bens apreendidos entre União, estados e DF.

Senado:
Centraliza a destinação no Fundo Nacional de Segurança Pública e fundos estaduais, além de prever uma reestruturação completa de todos os fundos em até 180 dias.

CCJ aprova texto complementar ao projeto; texto vai ao plenário

No final da manhã, desta quarta-feira, a CCJ do Senado aprovou o texto complementar do PL Antifacção e liberou o projeto para votação no plenário. A proposta mantém a reversão dos principais pontos endurecidos pela Câmara — como a elevação generalizada das penas e a restrição ao voto de presos provisórios — e consolida o modelo técnico defendido pelo relator Alessandro Vieira, que inclui a CIDE-Bets como nova fonte de financiamento e a substituição dos tipos penais vagos por crimes de facção e milícia. 

O relator, Senador Alessandro Vieira, acatou diversas emendas para complementar o PL nº 5.582/2025. As principais alterações introduzidas pelas emendas são:

  1. Recursos e Fundos: Destinação de 60% da Cide-Bets (apostas) para os Estados e DF (combate ao crime e sistema prisional), e inclusão dos GAECO's (MP) como destinatários de recursos.
  2. Atribuições Policiais: Esclarecimento de que a coordenação da PF nas FICCO's é exclusivamente administrativa, sem interferência em inquéritos das Polícias Civis.
  3. Investigação e Patrimônio: Garantia de sigilo dos dados requeridos e possibilidade de penhora de ativos em caso de descumprimento judicial.
  4. Aumento de Pena e Tipificação: Aumento de pena para o crime organizado que causar lesão/morte de militar das Forças Armadas ou interromper infraestrutura essencial (portos, rodovias, etc.).
  5. Novos Crimes: Criação dos crimes de receptação por organização criminosa e recrutamento de crianças/adolescentes.
  6. Regulação: Inclusão de contadores, auditores e consultores no controle da Lei Antilavagem e criação da Declaração Única de Regularização para operadores de apostas.
  7. Combustíveis: Aperfeiçoamento do controle legal sobre a formulação e venda de combustíveis (registro eletrônico obrigatório e autorização da ANP).
  8. Permissão para Delegados e MP requisitarem acesso a bases de dados públicas e de concessionárias.
  9. Modernização do conceito de instrumento do crime.

A oposição promete reagir em plenário para tentar retomar dispositivos que considera “conquistas” do texto original, além de tentar emplacar uma emenda que equipara as facções ao terrorismo. 

O projeto sai da Câmara com perfil punitivo máximo. No Senado, ganha contornos mais técnicos, jurídicos e estruturais — sem abrir mão do endurecimento penal, mas corrigindo excessos que poderiam inviabilizar a aplicação da lei.

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