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O blogueiro Allan dos Santos (à esquerda), do site bolsonarista Terça Livre, é apontado como um dos influenciadores que propagam fake news contra o Supremo no inquérito aberto no STF.
Blogueiro Allan dos Santos (à esquerda), do site bolsonarista Terça Livre, foi alvo da Polícia Federal no inquérito das fake news aberto pelo STF.| Foto: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Relatório técnico da Polícia Federal identificou 11 perfis influenciadores suspeitos de divulgar e propagar publicações fake news (notícias falsas) com conteúdo ofensivo contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Entre eles, estão as páginas no Twitter do blogueiro Allan dos Santos, do site Terça Livre, do deputado estadual Gil Diniz (PSL-SP), conhecido como "Carteiro Reaça", e do deputado federal Filipe Barros (PSL-PR).

O laudo pericial da PF foi citado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news no STF, para embasar a decisão que deflagrou a operação desta quarta-feira (27) contra pessoas ligadas a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Celulares, computadores, tablets, notebooks e outros aparelhos eletrônicos dos suspeitos foram apreendidos pela polícia em cumprimento a mandados de busca e apreensão. As contas nas redes sociais dos investigados foram alvo de uma ordem de bloqueio do ministro-relator.

Parte das diligências realizadas pela PF foram transcritas na decisão de Moraes e descrevem que, ao realizar buscas por palavras-chave no Twitter, os investigadores identificaram "a existência de um mecanismo coordenado de criação e divulgação das referidas mensagens entre os investigados".

Os perfis utilizavam seus seguidores para criar hashtags que atacassem os ministros para então reproduzi-las em suas contas. Dessa forma, ficariam seguros de que não foram eles os responsáveis pela criação da hashtag. A PF também identificou indícios que as publicações sejam disseminadas por meio de robôs com objetivo de atingir números expressivos de leitores.

A estrutura seria financiada por empresários que forneciam recursos "de maneira velada". Entre eles, segundo a PF, o dono da rede de lojas Havan, Luciano Hang; e o dono da rede de academias Smart Fit, Edgard Gomes Corona.

A busca da PF identificou, entre 7 a 11 de novembro do ano passado, publicações que utilizaram uma ou mais das seguintes palavras-chave: #impeachmentgilmarmendes, #STFVergonhaNacional, #STFEscritoriodocrime, #hienasdetoga, #forastf, #lavatoga, STF, SUPREMO, IMPEACHMENT, toffoli ou gilmar. O período coincide com o julgamento que pôs fim à prisão em segunda instância, após um placar apertado de 6 votos a 5.

Para explicar a atuação do grupo, a PF utilizou como exemplo o período em que as contas cobraram impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal, em novembro do ano passado. De acordo com as diligências, os onze perfis influenciadores não necessariamente utilizaram uma hashtag para direcionar o ataque escolhido, "valendo-se muitas vezes de seus seguidores para criar uma hashtag e impulsionar o ataque". “Assim, os perfis influenciadores não apareciam como criadores da hashtag que simboliza o ataque”, aponta a PF.

No caso do impeachment de ministros do Supremo, os perfis ‘influenciadores’ iniciaram os ataques no dia 7 de novembro, declarando que o STF "é uma vergonha" e clamando por pedidos de impeachment contra os ministros, mas sem usar a hashtag #ImpeachmentGilmarMendes.

Em seguida, os seguidores das contas criaram e passaram a comentar as publicações dos perfis influenciadores com a hashtag. Somente no dia 11 de novembro, dez dos onze perfis influenciadores passaram a utilizar a hashtag para impulsionar o ataque de forma para alcançar o trend topics (assuntos mais comentados) do Twitter.

“Uma vez que uma hashtag alcança o “Trend Topics”, sua visualização é ampliada significativamente para fora da ‘bolha’, alcançando muitos outros usuários, que não são seguidores dos influenciadores iniciais”, aponta a PF.

Na decisão que deflagrou a operação desta quarta-feira, Alexandre de Moraes determinou o bloqueio de contas em redes sociais, tais como Facebook, Twitter e Instagram, dos investigados. A medida, diz o ministro, é necessária "para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática".

Ministro vê indícios de associação criminosa em "gabinete do ódio"

Em sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes caracterizou o "gabinete do ódio" como uma associação criminosa dedicada a ataques ofensivos, subversão da ordem e quebra da normalidade democrática. O gabinete do ódio é como é chamado um núcleo de assessores que tem forte influência sobre o presidente Jair Bolsonaro e suas redes sociais. Eles trabalham no terceiro andar do Palácio do Planalto.

Moraes afirma, a partir de depoimentos e provas já colhidos, que "há real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como 'Gabinete do Ódio', dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática."

Na avaliação de Moraes, as provas colhidas na investigação apontam “sérios indícios” de que o grupo praticou os crimes de calúnia, difamação, injúria, associação criminosa e contra a segurança nacional.

“Essas tratativas ocorreriam em grupos fechados no aplicativo de mensagens Whatsapp, permitido somente a seus integrantes. O acesso a essas informações é de vital importância para as investigações, notadamente para identificar, de maneira precisa, qual o alcance da atuação desses empresários nessa intrincada estrutura de disseminação de notícias fraudulentas”, apontou o ministro do STF.

A decisão do ministro também destaca os depoimentos prestados pelos deputados federais Alexandre Frota (PSDB-SP), Joice Hasselmann (PSL-SP) e Heitor Freire (PSL-CE), que contaram detalhes sobre o funcionamento do “gabinete do ódio”.

Em seu depoimento, Freire citou os nomes dos assessores especiais da Presidência da República Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz como responsáveis pelo gabinete do ódio. Eles são responsáveis pelas redes sociais da Presidência e, nas palavras do deputado cearense, por produzir e propagar fake news contra autoridades públicas em um esquema replicado em outros estados, como Bahia, Paraíba, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, entre outros.

O que é o inquérito das fake news e por que ele foi contestado por procuradores

O inquérito das fake news foi instaurado em março de 2019, de ofício (sem a provocação do Ministério Público), por determinação do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para apurar ameaças, ofensas e notícias falsas disseminadas contra integrantes da Corte e seus familiares. O relator do caso, Alexandre de Moraes, foi escolhido sem sorteio.

A abertura ocorreu depois de críticas feitas pelo procurador da Lava Jato, Diogo Castor de Mattos, ao STF. Em um artigo publicado no site O Antagonista, o procurador acusou o Supremo de realizar um "golpe contra a operação" e chamou os ministros de "turma do abafa". As acusações foram feitas a propósito do julgamento no STF sobre a competência para decisões sobre crimes eleitorais (se da Justiça Federal ou da Justiça Eleitoral).

Pouco depois da decisão de Toffoli, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) protocolou um mandado de segurança para a suspensão do inquérito, pois havia o temor de que o inquérito fosse uma forma de intimidar procuradores críticos à Corte. À época, a ANPR afirmou que o inquérito era ilegal e inconstitucional.

O inquérito também é questionado no mundo jurídico porque estaria além das atribuições do STF, já que a Corte só poderia instaurar investigações por conta própria em caso de crimes ocorridos dentro do tribunal.

Além disso, a decisão de Toffoli teria burlado a separação entre quem acusa e quem julga, prevista no processo penal brasileiro. A acusação, nesse caso, deveria partir do Ministério Público, e não do próprio STF.

A exemplo do que fez sua antecessora Raquel Dodge, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu nesta quarta-feira o arquivamento do inquérito das fake news.

Em documento enviado ao STF, Aras afirma que a PGR foi “surpreendida” com a operação contra alvos bolsonaristas realizada “sem a participação, supervisão ou anuência prévia do órgão”. Na visão dele, isso “reforça a necessidade de se conferir segurança jurídica” ao inquérito, “com a preservação das prerrogativas institucionais do Ministério Público de garantias fundamentais, evitando-se diligências desnecessárias, que possam eventualmente trazer constrangimentos desproporcionais”.

Aras se posicionou no âmbito de uma ação da Rede Sustentabilidade, enviada em março de 2019 ao ministro Edson Fachin, na qual o partido pedia que fosse declarada inconstitucional a portaria de instauração do inquérito. O procurador-geral, no entanto, já havia enviado parecer nessa mesma ação, em outubro do ano passado, pelo prosseguimento das investigações.

Se o pedido de Aras for aceito por Fachin, a ação impetrada pela oposição acabará beneficiando apoiadores bolsonaristas.

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