Resposta quase que imediata à formalização de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, a sinalização dos Estados Unidos de que pretendem negociar um acordo comercial bilateral com o Brasil causou surpresa e entusiasmo no mercado brasileiro.
O sinal veio com declarações do próprio presidente norte-americano, Donald Trump, conhecido por adotar medidas protecionistas e fechar o mercado ao exterior, e ficou ainda mais evidente com a visita ao Brasil de seu secretário de Comércio, Wilbur Ross, na última semana de julho.
Qual o interesse dos americanos nesse acordo? Quais as implicações para o Brasil? Há risco de conflito com o pacto recém-assinado com a União Europeia? E com outros países do Mercosul? A Gazeta do Povo ouviu especialistas e representantes de setores exportadores para decifrar essas questões.
Acordo Mercosul-UE "chocou" norte-americanos
"Só haverá acordo bilateral com os Estados Unidos por conta do acordo do Mercosul com a União Europeia e só depois que finalizados os termos do acordo com a Europa", diz o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
A posição dele é compartilhada pelo gerente-executivo de Assuntos Internacionais do Sistema Fiep (Federação das Indústrias do Paraná), Reinaldo Tockus, e pelo professor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Universidade Positivo João Alfredo Lopes Nyegray. Todos apontam o acordo entre Mercosul e União Europeia como a principal motivação do interesse norte-americano em negociar um pacto bilateral com o Brasil.
Estudo da Câmara Americana de Comércio (Amcham) mostra que Estado Unidos e União Europeia concorrem diretamente por um volume de US$ 59 bilhões por ano em importações brasileiras, com tarifas médias de 14% a 16%. Desse total, hoje, o Brasil importa 55% da Europa e 45% dos EUA, conta que deverá ficar ainda mais vantajosa para a União Europeia quando caírem essas tarifas em decorrência do acordo entre os blocos.
Mas não é só o mercado brasileiro que preocupa os americanos neste acordo entre os blocos europeu e sul-americano. “Nosso mercado é pequeno para os Estados Unidos. Representamos cerca de 1% das exportações e importações deles. Mas eles têm como maior parceiro comercial a União Europeia e, com o acordo do Mercosul, poderemos vender para a Europa alguns produtos que poderão atrapalhar os negócios dos Estados Unidos”, avalia Nyegray.
Para Castro, os Estados Unidos ficaram "chocados" com o acordo do Mercosul com a União Europeia. "Esse acordo é péssimo para eles [norte-americanos]. Exportamos os mesmos produtos que eles: commodities, carne, suco de laranja, açúcar. Ao fazer acordo com a União Europeia, o Mercosul criou uma reserva de mercado", enfatiza o presidente da AEB. "A Europa só vai comprar dos Estados Unidos o que ela não puder comprar do Mercosul, porque, entre comprar do Mercosul sem tributos e comprar dos Estados Unidos com tributos, é óbvio que vai preferir comprar da gente."
Para Nyegray, há interesse dos Estados Unidos em influenciar os termos do acordo com o Mercosul: “Nosso presidente tem se mostrado bem alinhado aos EUA, até subserviente, como no caso dos navios iranianos. Existe um claro interesse [norte-americano] em interferir no acordo com a União Europeia”.
Embora afirme que não foi coincidência a procura dos Estados Unidos logo depois do acordo com a União Europeia, Castro avalia que o governo Trump não terá nenhuma influência sobre esse pacto. "Claro que vão fazer pressão sobre o Brasil, para que não se adote algumas medidas, mas daí é questão de soberania nacional", comenta.
Acordo com os EUA dificilmente sai neste mandato de Bolsonaro
Lembrando que o acordo entre Mercosul e União Europeia levou 20 anos para ser firmado – e ainda deve demorar mais algum tempo até passar a ter validade, precisando, ainda de definição das bases e aprovação de todos os parlamentos –, Tockus, do Sistema Fiep, não acredita que o acordo com os Estados Unidos possa ser firmado até o fim deste mandato do presidente Jair Bolsonaro, em 2022.
“É menos complexo, por ser um acordo bilateral e não entre blocos, e não deverá levar os mesmos 20 anos. Mas nem se começou a tratar do assunto, e é uma negociação de anos. Talvez, nos quatro anos deste primeiro mandato do Bolsonaro dê para fechar alguma coisa. Alguma facilidade para alguns produtos, de forma isolada. Mas um acordo amplo e completo ultrapassa esse fato”, diz.
Segundo Castro, por enquanto "foi apenas lançada uma semente, que, aparentemente, tem tudo para germinar". "Mas, enquanto o Brasil não finalizar o acordo com a União Europeia, não haverá acordo com os Estados Unidos, mesmo porque o Brasil nem sequer tem pessoal para tratar duas negociações desse porte ao mesmo tempo”, reforça Castro.
Eles lembram que, pelas regras do Mercosul, acordos bilaterais de seus países-membros precisam ter o aval dos demais integrantes do bloco. A eleição na Argentina, com o risco de derrota do projeto de continuidade do governo Macri, pode ser um novo obstáculo, bem como as próprias eleições norte-americanas, em 2020.
“Por conta do Mercosul, temos uma amarração com o bloco e é um obstáculo que o Brasil precisa romper. Nesta amarração, os participantes do bloco precisam ser inseridos neste acordo. Não sei qual a estratégia do Ministério da Economia para isso, mas eles devem estar pensando nisto”, comenta Tockus.
Os riscos e benefícios de um acordo do Brasil com os EUA
Com ressalvas de que o acordo pode trazer risco de competitividade no mercado interno a alguns setores da indústria, Tockus, Nyegray e Castro veem com bastante otimismo as possibilidades, para a economia brasileira, de um acordo com os EUA.
“Para nós seria vantajoso, produtos chegaria lá mais baratos e poderíamos comprar produtos dele também mais baratos. Para não ter impactos negativos, não afete indústria, governo precisa efetuar ajustes como concessão de maior liberdade econômica redução da burocracia e reforma tributária que não sufoque empreendedores industriais”, diz o professor da Universidade Positivo. “Acordo de livre comércio envolve toda uma pauta do que cada país produz. Muitos setores vão buscar proteção do governo – maquinários, automóveis, combustíveis. Esses setores precisam ser ouvidos antes que se bata o martelo sobre taxa zero ou uma taxa maior”, acrescentou.
Para o presidente da AEB, num primeiro momento o Brasil teria mais vantagens políticas que econômicas com o acordo. “Primeiro pela repercussão mundial do acordo, e segundo por colocar os dois países em igualdade de condições para negociar. Economicamente, o impacto [favorável ao Brasil] seria menor, porque as tarifas de importação dos Estados Unidos [cobradas dos produtos brasileiros] já são bem menores que as nossas, então, enquanto as taxas sobre nossos produtos cairiam de 2% para zero lá, a dos produtos deles aqui poderiam cair até de 15% para zero”.
Tockus vê pontos positivos na concorrência com produtos americanos no mercado interno. "Tem o risco de se competir com produtos americanos mais baratos, mas tem o lado bom também, que a gente vai poder trazer peças, insumos, equipamentos e matérias-primas, que não temos muita competição aqui no país, e produzir mais barato no Brasil, inclusive para o mercado interno. Na questão da concorrência, as empresas precisam se modernizar, corrigir processos, buscar a competitividade."
Na avaliação dele, em razão das dificuldades que o ambiente econômico, a burocracia e a tributação impõem à atividade das empresas no Brasil, não se pode falar em acordo com os EUA antes da aprovação das reformas da previdência e, principalmente, tributária – que, na avaliação do gerente do Sistema Fiep, podem ajudar o empresariado brasileiro a ficar mais competitivo.
Por outro lado, alguns setores da economia dos EUA também têm razões para temer a concorrência brasileira, avalia Tockus: "Nós temos produtos altamente competitivos no mundo inteiro. Não existe país no mundo mais competitivo que o Brasil no setor de alimentos, principalmente carnes e grãos".
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