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Dias Toffoli acusou Lava Jato de praticar “tortura psicológica” contra “inocentes”
Dias Toffoli acusou Lava Jato de praticar “tortura psicológica” contra “inocentes”| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) rebateu, em nota, as acusações do ministro Dias Toffoli de que a Lava Jato teria praticado “tortura psicológica” para obter provas de pessoas “inocentes” e de supostas irregularidades no acordo de leniência da Odebrecht, cujas provas foram anuladas pelo ministro na última terça-feira (6).

A entidade, que representa os membros do Ministério Público Federal, afirmou que “não é razoável, a partir de afirmação de vícios processuais decorrentes da suspeição do juízo ou da sua incompetência, pretender-se imputar a agentes públicos, sem qualquer elemento mínimo, a prática do crime de tortura ou mesmo a intenção deliberada de causar prejuízo ao Estado brasileiro” – outra acusação lançada por Toffoli em sua decisão.

A ANPR diz que a discussão sobre fatos envolvendo a Lava Jato deve ser “pautada por uma análise técnica, objetiva, que preserve as instituições e não se renda ao ambiente de polarização e de retórica que impede a compreensão da realidade”.

“O acordo de leniência firmado pelo Ministério Público Federal com a Odebrecht resultou de negociação válida, devidamente homologada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, com a participação de vários agentes públicos, pautados em atividade regular”, diz outro trecho da nota.

Na terça (6), Toffoli anulou todas as provas entregues pela Odebrecht em seu acordo de leniência, dentro de uma ação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que contesta a integridade dos sistemas da empresa que registravam pagamentos para centenas de políticos, empresários, lobistas e doleiros. Com a decisão, todos eles agora poderão anular condenações que sofreram na Justiça. Além disso, com base em mensagens capturadas ilegalmente por hackers, o ministro determinou investigações contra procuradores e juízes que participaram da pactuação do acordo, como o deputado cassado Deltan Dallagnol e o senador Sergio Moro.

A ANPR diz que não é correta a afirmação de Toffoli, alegada inicialmente pela defesa de Lula, de que o acesso aos sistemas Drousys e Mywebday, usados para gerir e registrar o pagamento de propinas, descumpriu o procedimento formal de cooperação internacional. A própria empresa, ao decidir colaborar com as investigações, entregou cópia ao MPF, e perícias realizadas pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República atestaram a autenticidade e integridade do material.

Além disso, ao contrário do que diz Toffoli, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça (DRCI/MJ), autoridade central que representa o Estado brasileiro em cooperações internacionais, acompanhou e aprovou todo o procedimento junto à Suíça, onde os sistemas da Odebrecht eram armazenados.

A ANPR ainda afirma que os acordos de leniência firmados pela Odebrecht com Brasil, Suíça e Estados Unidos são independentes, e que a legislação permite que os países troquem informações de suas respectivas investigações, sem com isso punir a empresa pelos mesmos fatos. A regularidade dos procedimentos já havia sido confirmada pela Corregedoria do MPF em sindicância, por ordem do ministro aposentado Ricardo Lewandowski.

A associação ainda expressou contrariedade com a ordem de Toffoli para que Controladoria-Geral da União (CGU, braço de fiscalização do Executivo; o Tribunal de Contas da União (TCU), vinculado ao Congresso; e a Advocacia-Geral da União (AGU), que faz a defesa dos órgãos federais, incluindo o próprio MPF, abram investigações sobre os procuradores e juízes envolvidos nas negociações e celebração do acordo de leniência da Odebrecht.

“As Leis Orgânicas do Ministério Público e da magistratura delimitam as autoridades competentes para a investigação da atuação funcional de seus membros, o que é uma garantia ao livre exercício de suas funções constitucionais, a fim de evitar pressões e ameaças advindas de poderes externos. A AGU e o TCU não têm atribuição para investigar membros do Ministério Público e do Judiciário, no exercício de suas atividades finalísticas, e tal proceder não é adequado no estado democrático de direito, justamente para afastar qualquer tentativa de fazer cessar a atuação de órgãos cujas atribuições estão previstas na Constituição Federal.”

Na conclusão da nota, a ANPR diz ser necessário respeitar o trabalho de dezenas de membros do MPF que trabalharam no caso, além de juízes de diversas instâncias, policiais federais e servidores do da CGU e Receita Federal, “dentre outros que agiram no estrito exercício de suas atribuições funcionais, com resultados financeiros concretos, revertidos aos cofres públicos”.

Leia, abaixo, a íntegra da nota da ANPR:

“Nota Pública

06 Setembro 2023

A Associação Nacional dos Procuradores da República vem, em razão da decisão proferida no Supremo Tribunal Federal, nos autos da Reclamação 43007, ressaltar a necessidade de que a discussão sobre os fatos envolvendo a Operação Lava Jato seja pautada por uma análise técnica, objetiva, que preserve as instituições e não se renda ao ambiente de polarização e de retórica que impede a compreensão da realidade.

Não é razoável, a partir de afirmação de vícios processuais decorrentes da suspeição do juízo ou da sua incompetência, pretender-se imputar a agentes públicos, sem qualquer elemento mínimo, a prática do crime de tortura ou mesmo a intenção deliberada de causar prejuízo ao Estado brasileiro.

O acordo de leniência firmado pelo Ministério Público Federal com a Odebrecht resultou de negociação válida, devidamente homologada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, com a participação de vários agentes públicos, pautados em atividade regular.

Não é correta a afirmação de que o acesso aos sistemas Drousys e Mywebday, mantidos pela Odebrecht para registrar o pagamento de propina, descumpriu o procedimento formal de cooperação internacional.

Em razão do acordo de leniência, a Odebrecht entregou uma cópia dos sistemas diretamente ao MPF no Brasil.

Adicionalmente, para confirmar a integridade dos sistemas, o MPF solicitou à Suíça, por meio de regular procedimento de cooperação jurídica internacional, no qual atuou o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça (DRCI/MJ), cópia integral dos sistemas que haviam sido apreendidos em autônoma investigação suíça.

O pedido, formulado em 17 de maio de 2016, foi encaminhado pelo DRCI para as autoridades suíças em 3 de junho de 2016, por meio da Official Letter 3300/2016/CGRA-SNJ-MJ, e, em 28 de setembro de 2017, o DRCI encaminhou ao MPF a resposta à solicitação (Ofício 7676/2017/CGRA-DRCI-SNJ-MJ).

Todo o procedimento de entrega e recebimento dos discos rígidos contendo os sistemas está documentado e foi atestado por relatórios técnicos elaborados pela Secretaria de Pesquisa e Análise da Procuradoria-Geral da República (SPPEA/MPF) e por laudo pericial elaborado pela Polícia Federal (LAUDO No 0335/2018 – SETEC/SR/PF/PR), ressaltando-se, inclusive, as menções feitas nesses laudos à tramitação das mídias recebidas de autoridades estrangeiras por intermédio do DRCI.

O acordo celebrado pela empresa Odebrecht com o MPF não é um acordo internacional. Estados Unidos e Suíça não são partes do acordo brasileiro, e vice-versa, pois cada um dos países atuou em sua esfera de jurisdição, assinando acordos em separado e absolutamente independentes com a empresa. A menção a EUA e Suíça indica, apenas, ter havido coordenação entre as diferentes jurisdições, para evitar duplicidade de punições à empresa, já que os valores pagos no Brasil seriam abatidos dos valores a pagar nos Estados Unidos, procedimento este que é recomendado em manuais e convenções internacionais de combate à corrupção. Por essa razão, inclusive, os acordos celebrados pelos EUA e Suíça com a empresa Odebrecht continuam válidos e não são afetados pela decisão do Supremo Tribunal Federal.

Esse mesmo procedimento – celebração de acordos de leniência com empresas no Brasil, de forma concomitante à celebração de acordos por autoridades estrangeiras com a mesma empresa – já foi utilizado em diversos outros casos. Menciona-se que há registros de múltiplos acordos celebrados pelo MPF e pela própria Advocacia-Geral da União (AGU), em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), utilizando o mesmo procedimento, sem que fosse necessária a tramitação de cooperação jurídica internacional especificamente para que cada autoridade pudesse celebrar seus acordos com validade interna. Da mesma forma, os diversos países que já assinaram acordos semelhantes com empresas investigadas na Lava Jato – incluindo Reino Unido, França, Singapura, além de EUA e Suíça – jamais precisaram transmitir pedidos de cooperação internacional ao Brasil para viabilizar a assinatura de seus próprios acordos.

Quando se fez necessária a transmissão e o recebimento de quaisquer provas, informações ou valores, entre autoridades nacionais e estrangeiras, o MPF sempre seguiu precisamente o procedimento determinado na legislação, fazendo os requerimentos em juízo e transmitindo-os por intermédio do DRCI/MJ.

Os acordos de colaboração premiada celebrados com diretores e empregados da Odebrecht, que se valeram também de provas extraídas dos sistemas da companhia e que foram entregues voluntariamente, foram firmados pela Procuradoria-Geral da República e homologados pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que, na época, reconheceu sua validade. Já o acordo de leniência foi homologado pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, assim como por juízo federal.

As questões suscitadas pelo Exmo. Min. Dias Toffoli já haviam sido remetidas pelo Min. Ricardo Lewandowski às esferas competentes para apuração – a Corregedoria-Geral do MPF e a Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público. Após vasta análise de provas e informações, foi reconhecida a legalidade do procedimento adotado pelo MPF nos acordos envolvendo a Odebrecht e seus diretores e empregados. Encerrada a apuração, a conclusão da Corregedoria-Geral do MPF foi comunicada ao STF, mas tais documentos não foram mencionados na decisão proferida e precisam ser expressamente analisados.

As Leis Orgânicas do Ministério Público e da magistratura delimitam as autoridades competentes para a investigação da atuação funcional de seus membros, o que é uma garantia ao livre exercício de suas funções constitucionais, a fim de evitar pressões e ameaças advindas de poderes externos. A AGU e o TCU não têm atribuição para investigar membros do Ministério Público e do Judiciário, no exercício de suas atividades finalísticas, e tal proceder não é adequado no estado democrático de direito, justamente para afastar qualquer tentativa de fazer cessar a atuação de órgãos cujas atribuições estão previstas na Constituição Federal.

Por fim, é necessário respeitar-se o trabalho de dezenas de membros do Ministério Público Federal que atuaram no acordo de leniência firmado com a empresa Odebrecht, magistrados de diversas instâncias, policiais federais, agentes públicos da CGU e Receita Federal, dentre outros que agiram no estrito exercício de suas atribuições funcionais, com resultados financeiros concretos, revertidos aos cofres públicos.”

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