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Manifestantes invadem Congresso, no dia 8 de janeiro.
Manifestantes invadem Congresso, no dia 8 de janeiro.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Parlamentares eleitos e reeleitos que manifestaram algum tipo de apoio à manifestação que terminou no vandalismo em Brasília passaram a ser alvos de pedidos de cassação do mandato para o qual nem tomaram posse. A primeira tentativa de impedir a posse não obteve êxito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No último dia 19, o presidente da Corte, Alexandre de Moraes, rejeitou uma ação ajuizada por advogados ligados ao PT para suspender a posse e depois cassar três deputados federais e dois estaduais vitoriosos nas eleições de 2022. Há, porém, ação semelhante no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda em curso.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se, neste sábado (28), contra a suspensão da posse dos deputados recém-eleitos. Na manifestação, o subprocurador Carlos Frederico Santos lembra que os deputados possuem, desde a diplomação, prerrogativas constitucionais de imunidade formal e material, conforme previsto no artigo 53 da Constituição. Por isso, qualquer ato que constitua violação de decoro deve ser apurado e processado nos termos do Regimento Interno e no Código de Ética da Câmara dos Deputados, pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

A ação foi apresentada pelo grupo Prerrogativas, aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tinha como alvos Carlos Jordy (PL-RJ), Silvia Waiãpi (PL-AP), André Fernandes (PL-CE) e Nikolas Ferreira (PL-MG), que tomarão posse na Câmara, e Sargento Rodrigues (PL-MG) e Walber Virgolino (PL-PB), eleitos para as assembleias de Minas e da Paraíba, respectivamente.

Na ação contra eles, os advogados do grupo Prerrogativas denunciaram postagens que, na visão do grupo, teriam estimulado os atos de vandalismo contra o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro. “As condutas praticadas pelos requeridos configuram causa de inelegibilidade de natureza constitucional, dado que são incompatíveis com o decoro parlamentar e com os fundamentos (art.1º da Constituição Federal) e com os objetivos (art. 3º da Constituição Federal) da República Federativa do Brasil”, dizem os advogados na ação.

A petição é curta e não analisa de que modo, exatamente, os parlamentares eleitos teriam incentivado ou influenciado o comportamento dos invasores. Cita, por exemplo, postagem do deputado federal Carlos Jordy segundo a qual o “terrorismo” foi praticado por “vândalos de esquerda infiltrados”, mas que as manifestações aconteceram por causa de “ações antirrepublicanas do STF, [de] todo abuso de poder, [da] interferência nas eleições e [da] soltura do bandido [Lula] para que disputasse a eleição”.

Contra Silvia Waiãpi, o Prerrogativas apenas reproduziu trecho de uma notícia segundo a qual ela teria transmitido ao vivo, em suas redes sociais, a invasão às sedes dos três Poderes e que “ainda atacou, em seu perfil no Twitter, o trabalho da Polícia Militar do DF na contenção do ato”.

Contra André Fernandes, foi anexado trecho de notícia de que ele teria convocado, no dia 6 de janeiro, em seu Twitter, “o primeiro ato contra o governo Lula”, na praça dos Três Poderes. Contra Nikolas Ferreira, é apresentado uma postagem de uma terceira pessoa afirmando que ele teria convocado eleitores para o ato.

Sargento Rodrigues virou alvo porque teria postado vídeo de um manifestante gritando: “O Brasil é nosso! Tudo invadido aqui ó, é nosso o Brasil”. Walber Virgolino, por sua vez, foi acusado por postar vídeo da invasão, seguido de uma mensagem em que dizia ser contra a violência e outra em que alertava: “Chegou o momento do governo eleito do PT refletir sobre falas ameaçadoras de seus ministros, discursos ásperos de vingança e medidas ditatoriais contra quem não comunga com o pensamento de esquerda”.

“Como se vê, todos o(a)s requerido(a)s, de forma pública, apoiaram o atentado cometido contra a democracia brasileira no último dia 08 de janeiro”, afirmou o Prerrogativas na ação. Para tentar impedir a posse, foi citado um dispositivo do Código Eleitoral que permite suspender os efeitos da diplomação, que dá ao político o direito à posse, por causa “superveniente” (posterior) “ou de natureza constitucional”. A causa, no caso, seria a falta de decoro, e incompatibilidade com valores constitucionais que nem sequer foram mencionados.

Por que Moraes negou o pedido de suspender a posse dos eleitos

O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, negou o pedido do Prerrogativas e elencou vários motivos. Em primeiro lugar, afirmou que não houve “demonstração cabal” de “fumus boni iuris” e “periculum in mora” – expressões jurídicas que significam, ao pé da letra, “fumaça do bom direito” e “perigo da demora”. O primeiro diz respeito à probabilidade do direito em questão – no caso, a defesa do Estado Democrático de Direito – estar ou não em xeque, em razão das postagens. O segundo requisito, também necessário para o acolhimento do pedido, relaciona-se à urgência. Ou seja, caso a decisão não fosse favorável, se haveria algum risco iminente. Moraes considerou que não.

Além disso, Moraes considerou que o Prerrogativas nem sequer tinha condição de apresentar uma ação do tipo. Seria necessário que algum partido, coligação ou candidato acionasse o TSE para cassar o diploma dos eleitos.

O Prerrogativas ainda tentou argumentar que, após a posse, os novos deputados gozariam da imunidade parlamentar e passariam a ser invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Moraes corrigiu: disse que eles já gozavam dessa prerrogativa desde a diplomação, ocorrida em dezembro. Ainda cabe recurso dessa decisão.

Outro caminho para impedir a posse, porém, já está trilhado no STF. Um pedido semelhante ao protocolado no TSE, mas agora com 11 deputados recém-eleitos, também foi ajuizado pelo Prerrogativas dentro do inquérito que investiga os atos de 8 de janeiro. Nesta sexta (27), sem qualquer avaliação do pedido, Moraes o encaminhou para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) para que emitam parecer sobre o pedido.

Em outra frente, PGR investiga os deputados eleitos

Os deputados que foram alvo da ação do grupo Prerrogativas e alguns outros eleitos, porém, ainda não estão livres de punições pela acusação de suposto incentivo às invasões. Nos dias seguintes aos atos, a Procuradoria-Geral da República (PGR), pressionada por ministros do STF, passou a acionar a Corte para denunciar os participantes e investigar possíveis instigadores. Dentro desse grupo, a PGR apresentou como suspeitos Silvia Waiãpi, André Fernandes e também a deputada eleita Clarissa Tércio (PP-PE).

Nesses pedidos de abertura de inquérito, já aceitos por Moraes, o subprocurador Carlos Frederico Santos, designado pela PGR para processar envolvidos em “atos antidemocráticos”, buscou fundamentar de forma mais extensa a imputação de possível cometimento do delito de incitação ao crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Para pedir a investigação de Waiãpi, citou a postagem dela no Instagram com a seguinte frase: “Povo toma a Esplanada dos Ministérios nesse domingo! Tomada de poder pelo povo brasileiro insatisfeito com o governo vermelho”, em meio a vídeos da manifestação.

Contra André Fernandes, a PGR citou a mesma postagem mencionada pelo Prerrogativas: “Neste final de semana acontecerá, na Praça dos Três Poderes, o primeiro ato contra o governo Lula. Estaremos lá”, escreveu o deputado.

A base para pedir a investigação de Clarissa Tércio foi a postagem de um vídeo em que uma mulher dizia: “Acabamos de tomar o poder. Estamos dentro do Congresso. Todo povo está aqui em cima. Isso vai ficar para a história, a história dos meus netos, dos meus bisnetos”.

Fora essas citações, o pedido de investigação da PGR para os três é idêntico. Começa narrando como ocorreu a manifestação, desde a véspera, com a chegada de dezenas de ônibus rumo ao quartel-general do Exército, onde manifestantes pediam “uma intervenção militar para derrubar o governo eleito”, até a invasão dos edifícios, com a destruição do patrimônio público.

Para a PGR, “o discurso em apoio e a conclamação dos atos que culminaram na invasão às sedes dos Poderes constitucionais são indicativos de que o incitamento difundido pelo requerido [deputado ou deputada eleita] por meio da referida postagem estimulou a prática das ações criminosas acima narradas”.

A Procuradoria-Geral da República argumentou ainda que, para a configuração do crime de incitação à tentativa de impedir ou restringir o livre exercício dos três poderes, não é necessário provar uma relação de causa e efeito “entre o conteúdo da postagem e a situação perigosa que efetivamente conduziu à lesão do bem jurídico tutelado”. O subprocurador Carlos Frederico argumentou que basta que o conteúdo disseminado tenha o potencial de causar a violência ou a grave ameaça aos poderes. Ainda assim, considerou que o estímulo contribuiu para os atos. “Os comportamentos incitados a partir de suas declarações publicamente difundidas revestiram-se das características a que aludem o referido preceito”, afirmou.

O que pode acontecer com os deputados daqui em diante

A partir de agora, caberá aos deputados eleitos se defender em interrogatórios a serem feitos pela Polícia Federal (PF), que também poderá investigar o nível de engajamento ou participação deles na manifestação, ainda que para incentivar o comparecimento.

Até o momento, a única que já se defendeu, antes mesmo de ser intimada, foi Clarissa Tércio. Alegou, basicamente, que não estava em Brasília e que não disse a frase atribuída a ela no pedido de inquérito da PGR. Afirmou que estava num hotel de luxo no litoral de Pernambuco e negou ter participado de qualquer preparação, organização ou financiamento do ato.

“No dia dos acontecimentos, como fizeram milhões de brasileiros, limitei-me a compartilhar em minha conta na rede social Instagram um vídeo dos episódios lamentáveis, no qual pedi orações pelo Brasil. Não houve, de minha parte, qualquer apoio ou palavra fomentando ou exaltando os atos antidemocráticos”, disse.

Clarissa Tércio atualmente é deputada estadual e também pediu à Procuradoria da Assembleia de Pernambuco que a defendesse. Em manifestação enviada ao STF, o órgão, que faz a defesa dos parlamentares estaduais, considerou que não houve quebra de decoro. “A expressão ‘oremos pelo Brasil’ veiculada pela deputada Clarissa Tercio aponta para uma preocupação com a situação que se noticiava e o que representaria para o futuro do Brasil. Não se vislumbra a ocorrência de incitação ou aprovação dos atos danosos”, afirmou a Procuradoria em defesa de Clarissa.

Caso sejam denunciados e depois condenados no STF por incitação ao crime de abolição do Estado Democrático de Direito, os novos deputados poderiam pegar uma pena pequena, de até seis meses de detenção ou multa. É uma punição que não deixa a pessoa na prisão, pois poderia ser cumprida em regime aberto e substituída por pagamento de multa.

Quando a condenação de um parlamentar é definitiva, com o esgotamento dos recursos e o chamado “trânsito em julgado”, o STF pode determinar a perda do mandato. A cassação, porém, na prática, só se efetiva quando a Casa legislativa aprova essa punição.

Independentemente de condenação penal, os próprios deputados podem iniciar um processo de cassação interno, por quebra de decoro. Nesse caso, o parlamentar tem de ser alvo de uma investigação no Conselho de Ética. Também é necessária aprovação da cassação no plenário, por maioria absoluta de votos. Na Câmara, seriam no mínimo 257 votos.

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