Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Racha nos partidos aliados

Recusa de ministério pelo Centrão expõe a fragilidade da base parlamentar de Lula

Líder do União na Câmara, Pedro Lucas Fernandes (MA), que declinou ao convite de Lula para assumir ministério. (Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados)

Ouça este conteúdo

A recusa ao convite para assumir o Ministério das Comunicações pelo deputado Pedro Lucas (MA), líder do União Brasil, impôs ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um dos maiores constrangimentos de seu mandato. A negativa também escancarou a fragilidade da sua base de apoio parlamentar e projeta mais dificuldades de acordos com o Centrão.

Informada pelo próprio Pedro Lucas nesta terça-feira (22), a rejeição ao convite de Lula, 12 dias após a sua escolha ter sido anunciada pelo governo, ocorre em meio a divisões internas no União Brasil e em outros partidos aliados, além da crescente impopularidade de Lula registrada em pesquisas, o que deixa a hipotética reeleição incerta.

Mesmo apontado como futuro ministro, Pedro Lucas pediu prazo até a Páscoa para consultar a bancada e confirmar o anúncio. Mas acabou desistindo: “Sou líder de bancada diversa. Posso contribuir mais com o governo na função que exerço na Câmara”, disse. O União Brasil não informou se indicará outro nome para ocupar a pasta.

O fracasso na troca de Juscelino Filho (União Brasil-MA), que deixou a pasta após ser denunciado pelo Ministério Público por suspeita de desvio de verbas de emendas parlamentares, representou ainda derrota pessoal para o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que havia indicado tanto Pedro Lucas quanto o ministro que deixou o cargo.

Parlamentares da oposição celebraram a recusa de Pedro Lucas em aceitar o ministério. Eles classificam o episódio como um vexame para Lula e um indicativo da fragilidade de seu governo. “Há rumores de que outros nomes também foram sondados e declinaram do convite. Este governo já terminou — ninguém quer deixar sua digital nele”, disse o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS).

Para analistas, a recusa de Pedro Lucas em aceitar o cargo de ministro é mais um alerta para Lula sobre a crescente disputa entre projetos eleitorais abrigados dentro da base governista. A avaliação deles é que parte expressiva dos aliados do Centrão teme ser arrastada para um eventual fracasso nas urnas em 2026, caso fiquem demasiadamente vinculados à gestão petista.

Esse temor explicaria, por exemplo, o desinteresse dos ex-presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em integrar a equipe ministerial, mesmo após deixarem os cargos que ocupam até fevereiro. Ambos sequer foram convidados porque Lula, ciente da resistência, evitou o desgaste das recusas.

Já Pedro Lucas, que chegou a aceitar a nomeação, acabou recuando após sofrer forte pressão da bancada do União Brasil na Câmara e do seu presidente, Antônio Rueda. O episódio evidenciou a fragilidade das negociações e o avanço de tensões internas no partido, que ocupava três ministérios: Comunicações (posição vaga), Desenvolvimento Regional e Turismo.

A recusa pode também marcar o início do afastamento formal do União Brasil do governo, com desembarque até o início do ano eleitoral. A pré-candidatura do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, à Presidência em 2026, em oposição ao PT, coloca mais tensão dentro da legenda. Só questões regionais poderiam fazer membros do partido apoiarem a reeleição de Lula.

VEJA TAMBÉM:

União Brasil é o partido do Centrão com mais deputados a favor da anistia

O fato mais expressivo para marcar o abalo na relação entre governo e União Brasil vem, contudo, do fato de que a legenda foi, dentre as que integram o Centrão, a que proporcionalmente mais apoiou o pedido de urgência para a votação do projeto de anistia aos presos do 8 de janeiro, liderado pela oposição. Ao todo, 40 de seus 59 deputados assinaram.

O requerimento de urgência para o projeto de lei da anistia foi protocolado com o apoio de 264 deputados, incluindo 146 de cinco partidos do Centrão com cargos no governo – União Brasil, PP, Republicanos, PSD e MDB.

Cabe ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidir se submete o pedido ao plenário. Entre os signatários estão nomes relevantes em pautas do governo, como Cláudio Cajado (PP-BA) e Danilo Forte (União Brasil-CE). O fato evidencia a falta de coesão de aliados, como critica o líder do PT, deputado Lindbergh Farias (RJ).

Para piorar a situação do governo, o PSD pode repetir o constrangimento a Lula deixado pelo União Brasil. Além da chance de apoiar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), se ele for candidato à Presidência, o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), já tem o compromisso de Gilberto Kassab, presidente do partido, de viabilizar sua candidatura.

Neste contexto, o Instituto Paraná Pesquisas divulgou nova pesquisa na terça-feira (22), na qual Jair Bolsonaro (PL) lidera a disputa pela Presidência em 2026 em todos os cenários, mesmo inelegível. O ex-presidente alcança 38,5% das intenções de voto, contra 33,3% de Lula. Em eventual segundo turno, Bolsonaro venceria o petista: 44,4% a 38,8%.

O Paraná Pesquisas ouviu 2.020 eleitores entre os dias 16 e 19 de abril, em 26 estados e no Distrito Federal. A margem de erro do levantamento é de 2,2 pontos percentuais, para mais ou para menos.

VEJA TAMBÉM:

Divisões internas de partidos do Centrão ameaçam a governabilidade

Para o cientista político Leandro Gabiati, diretor da consultoria Dominium, o cenário envolvendo o União Brasil e outros partidos reflete a realidade de um sistema político em que o Executivo já possui menos poder sobre o Congresso, o qual passou a ter mais autonomia e acesso a verbas públicas. No entanto, Gabiati aponta como principal fator a fragmentação interna dessas siglas de centro, marcada pela polarização e por especificidades regionais de seus parlamentares.

"Essa divisão interna faz com que parte da bancada veja vantagens em permanecer na base do governo, enquanto outra defende o afastamento, argumentando que a aliança prejudica o partido", explicou.

Segundo ele, essa ambiguidade dificulta a atuação dos presidentes partidários e dos líderes no Congresso, que não conseguem impor uma orientação unificada, o que, por sua vez, gera impasses e contribui para o desgaste do próprio governo.

Além disso, a Esplanada dos Ministérios reflete a desarticulação vista desde a posse de Lula e que já foi criticada pelo próprio presidente. Ministros de partidos aliados cuidam dos próprios espaços políticos, sem compromisso com a coesão ou mesmo com a governabilidade. O risco é de o governo contar com apoios só pontuais — e condicionados.

João Henrique Hummel Vieira, diretor da consultoria política Action, avalia que o avanço do PL da Anistia — evidenciado pela obtenção e manutenção da maioria das assinaturas no requerimento de urgência, mesmo diante das fortes pressões do Executivo, de líderes partidários e até do Supremo Tribunal Federal (STF) — revela uma mudança intrigante na dinâmica de forças dentro do Congresso e na relação entre os Poderes.

“Será que o jogo virou? Será que o baixo clero está puxando a corda? Tempos novos, talvez. Vamos observar”, afirmou. Hummel questiona o ainda onde está a força até então atribuída ao Palácio do Planalto e aos principais articuladores políticos. “Será que os deputados vão passar a pressionar seus próprios líderes e o governo? Vão enfrentar até o STF? Parece improvável, mas há sinais de uma mudança cultural que o tempo poderá confirmar ou dissipar”, opinou.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros