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Elmar Nascimento, líder do DEM na Câmara
Elmar Nascimento, líder do DEM na Câmara (ao centro), recebeu apoio até de antigos adversários petistas após discurso incisivo contra o PSL.| Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

A decisão da Câmara dos Deputados de determinar a volta do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao Ministério da Economia foi uma derrota da gestão de Jair Bolsonaro no Congresso Nacional. Mas parlamentares do PSL e de outras legendas da base têm adotado, desde a conclusão da votação, o discurso de que o resultado pode indicar benefícios para o governo.

A votação foi efetuada pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (22). Os deputados analisaram a Medida Provisória (MP) 870, que reorganiza a estrutura administrativa do governo federal. O texto contém tópicos como a extinção de ministérios, a transferência da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Justiça e o destino do Coaf. A redução dos ministérios e o repasse da Funai para a Justiça foram aprovados, enquanto a proposta de fixar o Coaf na Justiça foi rejeitada.

Com quem o governo pode contar

As leituras se pautam em três diferentes análises. A primeira é de que o resultado ajuda a identificar quem são os “verdadeiros” apoiadores do governo, segundo o deputado federal Loester Trutis (PSL-MS). Na opinião do deputado, a votação nominal vai fazer com que a população - e também o governo - saiba a postura de cada parlamentar.

“A agenda mais forte da eleição de 2018 foi a de combate à corrupção, e o apoio às manifestações do próximo domingo também aponta para isso. Então quem não quer o Coaf com Sérgio Moro vai ter dificuldades para se eleger até para síndico de prédio”, ironizou.

Já a segunda análise - que o PSL também tenta emplacar como uma leitura positiva do resultado - é a de que existe um grupo expressivo de deputados que, mesmo pertencendo a outras siglas, pode estar inclinado a votar junto com o governo. “A votação como foi [210 votos para o Coaf na Justiça, 228 para o Coaf na Economia] deixa claro que existe uma boa base de deputados para conversarmos, para argumentarmos, que podem estar ao nosso lado”, disse Carlos Jordy (PSL-RJ).

Por fim, a terceira vertente é de que a votação indicou que o peso do “centrão”, o bloco de deputados que não é a priori nem favorável e nem contrário ao governo e que vota de acordo com circunstâncias diversas, não é tão grande como poderia parecer. Essa é a opinião de um parlamentar defensor de Bolsonaro, mas que não é integrante do PSL, que conversou com a Gazeta do Povo de forma reservada:

“O governo sai ganhando. O medo do centrão passa a ser muito menor. Se apenas nove deputados mudassem de opinião, o resultado seria outro”, declarou. O deputado também é da opinião de que o trabalho do Coaf não será significativamente alterado dentro do Ministério da Economia, então os prejuízos da decisão para o governo tendem a ser pequenos.

Ainda antes da votação, mas com a derrota esperada, o PSL buscou passar união durante o discurso do deputado federal Filipe Barros (SC). Deputados da sigla se aglomeraram no plenário da Câmara, cena rara no parlamento. O PSL é composto majoritariamente por estreantes no Legislativo e, desde o início do ano, a sigla tem convivido com brigas internas - a mais recente envolveu as deputadas Carla Zambelli (SP) e Joice Hasselmann (SP), e contou até com acusações de nepotismo contra Zambelli.

Porém, há empecilhos

A leitura positiva para o governo, entretanto, não vai muito além disso. O Planalto viu um acirramento de ânimos por conta, novamente, da articulação com o Legislativo - e a votação positiva dos outros pontos da MP 870 não apaga os problemas.

Quase no apagar das luzes da sessão da quarta-feira (22), o líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), fez um duro discurso contra representantes do PSL. O deputado do DEM contestou um pronunciamento que o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), havia feito minutos antes - na ocasião, o correligionário de Bolsonaro havia pedido que os deputados rejeitassem uma emenda à MP 870 que proíbe auditores da Receita Federal de comunicar ao Ministério Público situações que considerem irregulares.

Elmar ainda endossou críticas que outros congressistas têm feito ao Planalto e ao líder governista, um dia antes bateu boca com Rodrigo Maia, presidente da Casa. Segundo esses deputados, Vitor Hugo tem divulgado insinuações de que parlamentares receberiam propinas para apoiarem determinados projetos.

No discurso, Nascimento também disse que o governo adotou uma “estratégia canalha” e que não “mexe com laranja” - referência ao episódio de candidaturas-laranjas que o PSL teria lançado nas eleições do ano passado. O parlamentar do DEM disse ainda que membros do PSL estariam convocando pessoas para uma manifestação “contra as instituições”, a do próximo domingo.

A fala de Nascimento gerou reações imediatas no plenário. Governistas se alternaram entre vaias e viradas de costas. Já os oposicionistas, com o PT à frente, aplaudiram - até a gestão Bolsonaro, PT e DEM faziam uma das maiores rivalidades do Congresso Nacional.

Antes, no período da tarde, Vitor Hugo havia sofrido críticas pesadas da deputada Bruna Furlan (PSDB-SP). Em discurso, a tucana disse que o líder do PSL tinha respeito dos deputados “quando era consultor legislativo” e que “com a indumentária de lacaio do governo” teria mudado de patamar. Após sua fala, foi acuada por um grupo de deputadas do PSL: Bia Kicis (DF), Carla Zambelli (SP), Dayane Pimentel (BA) e Caroline de Toni (SC). Vitor Hugo, que estava a poucos passos da tucana, não se manifestou.

Linha do tempo

A Câmara se centrou no debate a partir das 16 horas da quarta-feira. As MPs que correm risco de caducar dominaram a atenção dos parlamentares em dia que havia sido cheio dentro do Congresso, com mais uma atuação incisiva da deputada Tabata Amaral (PDT-SP) contra o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e ainda a presença do ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, em CPI que discute possíveis irregularidades no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Antes da votação do mérito das MPs, os deputados se debruçaram em questões ligadas ao próprio sistema de votação, como se a medida seria realmente avaliada nesta quarta e se cada parlamentar apresentaria individualmente seu voto. Essas etapas são recorrentes em votações com esse perfil, e são utilizadas principalmente pelas oposições para ganhar tempo.

Ao longo da tarde, entretanto, o sentimento foi o de que o governo venceria a maior parte das votações - à exceção da relacionada ao Coaf, que dividiu o chamado centrão. A análise dos parlamentares era a de que os outros tópicos da MP 870 teriam a objeção apenas dos partidos da oposição, como acabou ocorrendo. Tópicos como a recriação dos ministérios da Cultura e do Trabalho foram defendidos unicamente por siglas como PSOL, PT e PCdoB.

Enquanto isso, no Senado…

A aprovação da MP 863/2019, que permite 100% de capital estrangeiro em companhias aéreas e impede a cobrança pelo despacho de uma bagagem de até 23 quilos, não indica que a quarta-feira (22) foi um mar de rosas entre o Senado e o governo, e mesmo entre Senado e a Câmara.

Isso porque a votação se deu no último dia possível antes de a MP perder sua validade. O quadro fez com que senadores como Lasier Martins (Podemos-RS) e Jorge Kajuru (PSB-GO) se queixassem de pressões recebidas por parte do Executivo e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A insatisfação se deu por conta do pouco tempo para análise e apresentação de sugestões sobre a proposta. Kajuru chegou a dizer que “nós [senadores] não somos office-boys de Rodrigo Maia”.

Para que se chegasse à aprovação, o Senado abriu mão de um destaque que havia sido proposto pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que indicava a obrigatoriedade, às empresas com mais de 20% de capital estrangeiro, de ter no mínimo 5% dos seus voos em linhas regionais. Caso os senadores modificassem a redação, a MP deveria voltar à Câmara - o que faria com que a medida expirasse.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), falou em entrevista coletiva sobre as insatisfações e sobre a necessidade de “aprimoramento de diálogo” entre as casas. “Há divergências dentro do parlamento, e o parlamento não é obrigado a ser um avalizador das matérias encaminhadas pelo governo”, afirmou, em referência à discussão sobre a reestruturação administrativa.

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