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O coordenador da Lava Jato no Rio, Eduardo El Hage, é um dos que pode ser demitido
O coordenador da Lava Jato no Rio, Eduardo El Hage, é um dos que pode ser demitido| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) está prestes a julgar um processo disciplinar que pode levar à demissão seis dos oito procuradores que hoje atuam na Lava Jato do Rio de Janeiro. Além de seu coordenador, Eduardo El Hage, estão sob ameaça de dispensa outros 10 procuradores e uma promotora. Se concretizado, o desfalque poderá enterrar de vez a operação que, em cinco anos de existência, mais de 50 fases, apresentou uma centena de denúncias, condenou quase 200 pessoas e levou à prisão, entre outros, o ex-presidente Michel Temer, os ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, o empresário Eike Batista e o megadoleiro Dario Messer.

Mais dura punição prevista em âmbito administrativo, a demissão poderá ser aplicada por causa da publicação, em 10 de março deste ano, de uma notícia no site oficial do Ministério Público Federal no estado, que resumia denúncias apresentadas na véspera contra os ex-senadores Romero Jucá e Edison Lobão, ambos do MDB. Eles foram acusados de corrupção nas obras de Angra 3, por suposto recebimento de R$ 10,6 milhões de propina da construtora Andrade Gutierrez.

Os políticos, então, apresentaram ao CNMP reclamações, acusando 11 procuradores e uma promotora, que assinaram a denúncia à época (alguns já não fazem parte da equipe da Lava Jato no estado), de violarem o sigilo do caso, por divulgarem o resumo da denúncia. Em junho, o corregedor nacional do MP, Rinaldo Reis, aceitou as ações e abriu um processo disciplinar. Em julho, propôs a demissão de todos, à exceção de promotora, para quem sugeriu suspensão por 30 dias.

Na decisão, Reis disse que houve "divulgação consciente e prematura" do caso, considerando que dados financeiros, obtidos anteriormente, ainda estavam sob sigilo e que, à época, havia um bloqueio de bens pendente contra os alvos. A juíza do caso, Caroline Figueiredo, derrubou o segredo de Justiça da ação penal nove dias após a apresentação da denúncia e a publicação da notícia. Mas para o corregedor, a divulgação antecipada do caso foi "reprovável".

"Estamos diante do descumprimento de dever legal de manter sigilo sobre algo alcançado em razão da função exercida na atividade-fim [...] Os processados, em unidade de desígnios, conduziram-se sem o zelo necessário, direcionando-se com consciência e plena vontade no sentido de divulgar rapidamente o trabalho atinente à conclusão das investigações e correspondente oferecimento de exordiais acusatórias que nem ao menos haviam sido recebidas naquele momento", afirmou.

Nas ações levadas ao CNMP, Jucá e Lobão afirmaram que a divulgação trouxe "danos irreparáveis às suas reputações" e configura também crime comum e de abuso de autoridade, além de improbidade administrativa. "Os fatos aqui relatados não são um episódio isolado, mas sim ecoam os reiterados vazamentos de informações sigilosas de forma midiática no âmbito da Operação Lava Jato, violando frontalmente o decreto judicial de sigilo, proferido pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, e o princípio constitucional de Presunção da Inocência", disseram.

Os procuradores da Lava Jato recorreram contra a abertura do processo disciplinar. Caberá agora aos outros 11 integrantes do CNMP referendar a decisão do corregedor, levando adiante o processo, ou acolher o recurso dos procuradores e arquivar o caso. Esse julgamento é aguardado desde agosto e vem sendo adiado desde então.

O que dizem os procuradores

No recurso apresentado contra a abertura do processo disciplinar, os procuradores do Rio afirmaram que toda denúncia é pública e só foi classificada como sigilosa em razão de uma falha no sistema eletrônico da Justiça Federal no momento do protocolo. Eles argumentaram que os fatos já eram conhecidos ao menos desde 2017, quando, de forma pública, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou Jucá e Lobão por organização criminosa junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), quando os dois ainda tinham foro privilegiado.

Negaram, assim, a violação de sigilo dos autos, muito menos de forma dolosa (intencional), e disseram que poderiam ser punidos, no máximo, com uma pena de advertência.

"A publicidade dos atos processuais é a regra. É a forma democrática de se controlar os atos administrativos/judiciais produzidos pelo órgão ministerial. Não há qualquer ilicitude na divulgação da denúncia por parte do Procurador-Geral da República, bem como não houve violação de qualquer norma proibitiva pelos representados. Já eram de conhecimento do público geral os fatos imputados na denúncia ajuizada em 2021", afirmaram os procuradores.

Como exemplo, apresentaram ainda diversas notícias, publicadas nos sites do MPF e também de MPs estaduais, nas quais um resumo das denúncias costuma ser apresentado, em alguns casos, anexando a própria peça processual.

"O reclamante [Jucá] pretende silenciar a atuação de todo o Ministério Público, impactando consequentemente e negativamente no direito à informação, à transparência, à publicidade e, especialmente, à independência funcional", argumentaram.

O que dizem juristas

Para reforçar sua defesa, os procuradores ainda juntaram ao processo pareceres escritos por dois renomados juristas: o procurador Daniel Sarmento, do MPF fluminense; e o advogado Saul Tourinho Leal, do escritório do ministro aposentado do STF Carlos Ayres Britto.

Sarmento afirmou que a punição com demissão seria "absolutamente desproporcional" diante de uma "conduta regular e absolutamente banal: a simples divulgação de um release de denúncia criminal ofertada contra políticos poderosos, sobre fatos de indiscutível interesse público, sem que sequer houvesse, à época, efetiva decretação do sigilo dos autos pelas autoridades competentes".

"A natureza dos cargos ocupados pelos principais denunciados e o inegável interesse público no conhecimento dos fatos narrados – suposta prática de corrupção em grande obra pública – legitimavam a comunicação dos fatos à imprensa e aos cidadãos, em uma república democrática preocupada com o controle social dos seus agentes políticos e das autoridades públicas", disse no parecer.

Na mesma linha, Tourinho Leal citou vários julgamentos do STF que autorizaram a ampla divulgação de escândalos envolvendo políticos. "A publicidade é a regra e o sigilo à exceção", afirmou, lembrando que dados financeiros sigilosos de Jucá e Lobão não foram divulgados na notícia. "A jurisprudência do STF é inteiramente refratária ao segredo, ao mistério, a mergulhar as coisas republicanas na escuridão ou na penumbra [...] Quem, numa República, detém essa especial prerrogativa de não ser incomodado por um órgão de investigação na divulgação fidedigna de uma iniciativa institucional?", afirmou.

Caso o CNMP avance com o processo, ainda é possível recorrer ao próprio STF. Desde 2019, e sem muitos obstáculos por parte do Supremo, o conselho tem endurecido a apuração das condutas de procuradores que se notabilizaram no combate à corrupção. Em 2019, o então coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, foi punido com advertência por causa de uma entrevista em que dizia que os ministros passavam a mensagem de leniência a favor da corrupção em algumas de suas decisões. No ano passado, ele foi novamente punido, desta vez com a pena de censura, por postagens em que alertava para retrocessos caso Renan Calheiros (MDB-AL) fosse eleito presidente do Senado em 2019.

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