O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL).| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

Um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro obriga as entidades Sistema S a detalhar gastos com salários e serviços prestados à sociedade. Pegas de surpresa, organizações do sistema reclamam de falta de diálogo. Três das nove entidades -Senai, Sesi e Sescoop- estudam questionar as normas na Justiça.

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O decreto de Bolsonaro, publicado na sexta-feira de 3 de maio, seria o primeiro passo para abrir o que chama de caixa-preta do Sistema S, que terá de obedecer às mesmas regras de transparência do setor público impostas pela LAI (Lei de Acesso à Informação). As regras entram em vigor em 90 dias.

As entidades deverão apresentar, em seus sites, todas as informações antes mesmo de um pedido formal de esclarecimentos. Senai e Sesi, por meio da CNI (Confederação Nacional da Indústria), dizem que a medida é inconstitucional.

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Orientação de Paulo Guedes

O decreto foi feito por orientação dos ministros Paulo Guedes (Economia) e Wagner de Campos Rosário (Controladoria-Geral da União).

Auxiliares do presidente dizem acreditar que a abertura dos dados poderá revelar que algumas dessas entidades pagam salários muito elevados. Essas remunerações são custeadas com contribuições compulsórias. Os tributos incidem sobre as folhas de pagamentos das empresas.

Guedes já avisou que pretende cortar parte desses encargos. Ele disse que é preciso "meter a faca" na Sistema S.
O Ministério da Economia trabalha na formulação de contratos de gestão para participar da administração desses recursos. Em 2018, a Receita Federal repassou R$ 17,1 bilhões às entidades.

Integrantes do governo afirmam que as organizações deveriam seguir os limites impostos aos órgãos públicos, como o teto do funcionalismo (R$ 39 mil) e a vedação de nepotismo.

A publicação do decreto é mais um capítulo da guerra travada entre a equipe econômica e as entidades. Elas alegam que os recursos são privados, pagos pelas empresas a organizações que as representam. Especialistas, porém, discordam desse argumento e elogiam a iniciativa do governo.

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"Óbvio que o dinheiro é público, o repasse é obrigatório. Há natureza tributária", diz Vanessa Canado, diretora do C.CiF (Centro de Cidadania Fiscal), pesquisadora do Insper e professora de direito tributário da FGV.
Ela lembra que o Estado impôs a cobrança das contribuições. A maior parte das entidades foi criada nos anos 1940.

"Se o dinheiro fosse privado, as empresas teriam a liberdade de recolher ou não", afirma Canado. "A importância do decreto para a transparência é fundamental."

Por pressão do governo, o TCU (Tribunal de Contas da União) baixou, no dia 30 de abril, uma norma determinando que o Sistema S adote, em um ano, o padrão do serviço público em sua contabilidade.

As entidades alegam que já prestam contas, expõem seus dados, estão adequadas às decisões do tribunal e cumprem boa parte das regras contidas no decreto de Bolsonaro.

Consultor e especialista em transparência, Fabiano Angélico afirma, no entanto, que a divulgação de informações pode não ser suficiente.

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"Existe uma confusão entre transparência e comunicação institucional, entre transparência e prestação de contas. Transparência é muito mais do que isso", diz Angélico.

Segundo ele, não basta publicar um relatório com balanços e atividades. "O conceito de transparência é aquilo que permite a um outsider [leigo] observar, controlar e compreender bem as ações de um insider [gestor]", explica.

Além de buscar mais publicidade para os recursos do Sistema S, a equipe do ministro Guedes pretende direcionar o trabalho dessas entidades e reduzir seu tamanho.

A ideia é fazer um corte de 30% nas contribuições das empresas. As entidades que não aderirem aos contratos de gestão poderão sofrer restrições maiores, de até 50%.

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O governo quer aproveitar o acesso amplo às informações para mapear custos de serviços considerados essenciais, prestados pelas entidades. A equipe econômica, com isso, pretende evitar que o corte afete a prestação de serviços e fique circunscrito ao que integrantes da equipe econômica chamam de gordura.

Pelo decreto, o Sistema S deverá apresentar informações sobre licitações realizadas e em andamento.
Será exigida a divulgação de editais, anexos e resultados. Terão de ser expostos ainda contratos e notas.

Além dos salários divulgados individualmente, também ficará mais fácil o acesso público a dados sobre auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer vantagens financeiras.

As novas regras de enquadramento na LAI não isentarão as entidades de prestar contas aos órgãos de controle a que já estão submetidas, como a CGU e o TCU.

Segundo o decreto, um ato conjunto de Guedes e Rosário "disporá sobre o detalhamento mínimo exigido para a divulgação das informações previstas".

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Transparência

O Sistema S diz que tem informações transparentes, com amplo acesso à sociedade. As entidades afirmam que publicam dados detalhados em seus portais da transparência, independentemente do novo decreto do presidente Jair Bolsonaro.

As organizações também dizem atender a leis e determinações da CGU (Controladoria-Geral da União) e do TCU (Tribunal de Contas da União). A CNI (Confederação Nacional da Indústria), que responde por Senai e Sesi, afirma, em nota, que já estão sob análise "medidas judiciais cabíveis" contra o decreto.

Segundo a confederação, o decreto é ilegal e fere a Constituição. A CNI, porém, diz que está aberta ao diálogo com o governo Bolsonaro.

Confederações podem ajuizar ações diretamente no STF

Segundo a CNI, o decreto extrapola a regulamentação da LAI (Lei de Acesso à Informação) e "acaba por desrespeitar o princípio da separação dos Poderes", ao tratar de matéria reservada ao Legislativo.

O Sesi e o Senai, para a confederação, são entidades privadas e não pertencem à estrutura estatal. A CNI diz que seus recursos, apesar de compulsórios, não integram o Orçamento da União.

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As duas entidades, "com a máxima transparência", diz a CNI, divulgam informações sobre orçamentos, receitas, execução de despesas, estrutura remuneratória, relação de empregados e dirigentes, licitações, contratos e balanços.

O Sescoop, ligado à OCB (Organização das Cooperativas do Brasil), também estuda ações judiciais contra as novas regras. Segundo a entidade, não houve negociação para se debater o decreto.

"O mote da LAI é a transparência, é um dos princípios. Já cumprimos grande parte do que está no decreto", diz o assessor jurídico do Sescoop Aldo Guedes. Segundo ele, a entidade publica contratos, balanços e serviços prestados.
O Sest e o Senat (entidades da área dos transportes), em nota, dizem que, "em uma sociedade democrática, o cidadão tem direito à informação de interesse público".

"Todavia, o governo poderia ter estabelecido um diálogo aberto com as entidades envolvidas, justamente para sacramentar o aspecto democrático do decreto", afirmam.

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Trimestralmente são atualizados dados sobre orçamento, gestão, demonstração contábil, transferências de recursos, licitações e editais, contratos (os dez maiores firmados no período), serviços gratuitos prestados, relação de membros, entre outros.
Apesar da crítica à falta de diálogo, Sest e Senat dizem que vão se esforçar para cumprir as novas regras.
A CNC (Confederação Nacional do Comércio), que responde por Sesc e Senac, também diz que não foi consultada pelo governo Bolsonaro sobre a medida e ainda está analisando o assunto.

A entidade afirma que as instituições têm natureza privada e cumprem as exigências de prestação de contas. Segundo a CNC, as informações também estão sujeitas "a rigorosos controles internos dos conselhos fiscais e de auditorias".
O Sebrae (micro e pequena empresas) informa, em nota, que também não participou da discussão sobre o decreto. A entidade vai se ajustar às regras definidas pelo decreto.

"O Sebrae realizará estudos para identificar a melhor forma de disponibilizar as informações que ainda não são disponibilizadas, mas seguirá o que diz a lei", afirma.

A entidade diz ainda "adotar as melhores práticas de transparência e compliance, inclusive apoia os pequenos negócios neste sentido".

O Sistema S também é composto pelo Senar (agricultura), que não respondeu à reportagem. A entidade está ligada à CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

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