Escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado Cristiano Zanin poderá analisar uma notícia-crime em que o advogado Rodrigo Tacla Duran acusa o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) de tentativa de extorsão. O pedido de investigação contra os dois está hoje no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em 11 de abril, e Zanin herdará esse caso.
Lula escolheu o seu advogado pessoal para a vaga no STF em 1º de junho. Vinte dias depois, o Senado aprovou o nome de Zanin para o STF. Foram 58 votos favoráveis à indicação e 18 contrários.
A acusação contra Moro e Dallagnol foi enviada à Corte pelo então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Eduardo Appio, no dia 27 de março, após tomar o depoimento de Tacla Duran. Na audiência, o advogado disse que passou a ser perseguido na Lava Jato, em 2016, e teve uma prisão preventiva decretada por Moro, por recusar-se a pagar US$ 5 milhões para o advogado Carlos Zucolotto Junior, ex-sócio da deputada Rosangela Moro (União Brasil-SP), esposa do ex-juiz.
Trata-se de uma acusação já rejeitada pelo Ministério Público Federal (MPF), por falta de provas, o que também levou o órgão a rechaçar um acordo de colaboração com o advogado. Moro e Dallagnol também negam enfaticamente a acusação, repetindo que ela já foi descartada.
No depoimento a Appio, Tacla Duran apresentou um áudio em que uma pessoa diz que Zucolotto era do “escritório de Moro”. Por causa da menção ao senador e ao deputado, que têm foro privilegiado, o juiz enviou o caso ao STF, para análise do ministro Ricardo Lewandowski.
No Supremo, Lewandowski recebeu o caso por “prevenção”, situação em que cabe ao ministro analisar o caso por ter atuado em assunto semelhante dentro de outra ação. Ele suspendeu várias ações penais contra Tacla Duran dentro de um processo, em trâmite no STF, no qual diversos outros réus da Lava Jato questionam o valor de prova dos sistemas da Odebrecht que registravam pagamentos para políticos.
Esse processo – Reclamação 43007 – foi aberto pelo próprio Zanin, como advogado de Lula, em 2020, para anular as ações contra o presidente baseadas nas provas entregues pela construtora.
Desde então, o ministro anulou não só os processos criminais contra Lula, mas ações penais contra outras dezenas de réus também denunciados com base nas planilhas da Odebrecht. Lewandowski considerou que elas eram nulas como prova apontando “quebra da cadeia de custódia”, ou seja, falta de garantia de integridade dos dados da construtora, pela forma como eles foram armazenados e transportados da Suíça para o Brasil após serem entregues ao MPF.
Depois que Lula obteve a suspensão de suas ações, vários outros réus passaram a pedir a Lewandowski, dentro da mesma reclamação aberta por Zanin, a extensão dessa decisão para seus respectivos processos, inclusive Tacla Duran – o advogado respondia pela acusação lavagem de dinheiro para a Odebrecht, por movimentar recursos em paraísos fiscais no Caribe. Além dele, conseguiram se livrar de ações penais o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB); o prefeito do Rio de Janeiro (RJ), Eduardo Paes; o ex-presidente da Fiesp Paulo Skaf (MDB); o empresário Walter Faria, dono da Itaipava; entre outros.
Quando assumir a vaga no STF no lugar de Lewandowski, Zanin não poderia relatar essa ação, por ser o autor original dela – estaria impedido pelo artigo 252 do Código de Processo Penal (CPP), que diz que um juiz não poderá julgar processos em que, anteriormente, tiver atuado como advogado.
Mas isso não valerá para a notícia-crime apresentada por Tacla Duran. Zanin poderá analisar o caso porque Lewandowski retirou a acusação da reclamação, e determinou que a notícia-crime tramite de forma autônoma e sigilosa no STF na forma de uma “petição”, classe processual genérica que comporta vários tipos de pedido – no caso de Tacla Duran, para que seja aberta uma investigação sobre Moro e Dallagnol. A eventual abertura de um inquérito contra ambos depende de um pedido formal da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Nessa nova petição, a PET 11128, que tramita em segredo de Justiça, Zanin não estaria impedido, porque o autor do pedido, estampado no cabeçalho do processo é o próprio Tacla Duran, que advoga em causa própria. Por isso, herdando os processos do gabinete de Lewandowski, o ex-advogado de Lula passará a analisar as acusações de Duran contra Moro e Dallagnol.
Seria mais uma reviravolta na Lava Jato. Como advogado de Lula, Zanin sempre combateu a atuação de Moro como juiz e de Dallagnol como procurador, acusando ambos de “lawfare”, termo que designa uma perseguição judicial por agentes do Estado. No STF, portanto, passaria da condição de advogado de defesa para supervisor de uma investigação.
Obstáculos para a investigação no STF
A abertura de um inquérito contra Moro e Dallagnol por suposta extorsão esbarra em alguns obstáculos. O primeiro deles é que a própria PGR já rejeitou, em junho do ano passado, uma delação premiada de Tacla Duran com essa acusação, por falta de provas.
Além disso, pelo atual entendimento do STF, mesmo com foro privilegiado, o senador e o deputado não poderiam ser investigados perante a Corte, porque a suposta extorsão teria sido praticada na época em que eles eram juiz e procurador, respectivamente. Por isso, caso investigados, responderiam perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Justamente por isso, a defesa de Moro pediu a Appio, no dia 29 de março, que não remetesse a acusação de Tacla Duran ao STF. Não adiantou. O caso chegou ao STF no mesmo dia e, no final da tarde, Lewandowski separou o caso na petição autônoma e pediu uma manifestação da PGR sobre as declarações do advogado.
Cabe agora ao procurador-geral da República, Augusto Aras, uma nova análise. Até o momento, ele não se posicionou e é possível que sua manifestação seja apresentada após a saída de Lewandowski do STF. Nesse caso, caberia ao novo ministro analisá-la.
Aras pode pedir o arquivamento do caso, como já fez, mas o substituto de Lewandowski, como supervisor do pedido de investigação, poderia também sugerir à PGR ou mesmo à Polícia Federal novas diligências. Isso pode acontecer porque caberá ao novo ministro analisar o caso e definir onde ele ficará: se deve mesmo descer para o TRF4 ou ser mantido no STF.
Essa última hipótese só poderia ocorrer na remota possibilidade de que a suposta perseguição de Moro e Dallagnol ter se estendido ou ter relação com o atual mandato de ambos – ou seja, ter, de algum modo, atravessado mais de sete anos, até os dias atuais. Mas mesmo para descartar essa possibilidade, o ministro que vier a substituir Lewandowski poderá aprofundar a apuração sobre as acusações de Tacla Duran.
Isso porque o entendimento de que apenas ficam no STF casos ocorridos durante o mandato e ligados ao cargo de parlamentar, fixado em 2018, ainda gera dúvidas dentro da Corte. Alguns ministros entendem, por exemplo, que nos demais casos, que descem, um juiz de primeira instância ou desembargador de segundo grau nunca poderia determinar a quebra de sigilo de um senador ou deputado, tarefa que teria de ser submetida ao próprio STF.
Assim, mesmo que o caso de Moro e Dallagnol desça para o TRF4, qualquer medida deste tribunal poderia ser submetida ao ministro que assumirá no lugar de Lewandowski.
O prolongamento do caso no STF tem o potencial de causar desgaste político ao senador e ao deputado federal, não só pela alta exposição de responder a uma eventual investigação perante a Corte, mas sobretudo se o caso ficar mesmo com Zanin.
Há uma saída, porém, para o ex-advogado de Lula não ficar com o processo. Apesar de não estar impedido, ele poderia alegar suspeição. Tratam-se de formas diferentes de afastar o juiz de um processo. O impedimento se dá por uma causa objetiva: como por exemplo, ter atuado no caso no passado, como advogado; já a suspeição pode ser declarada por motivos subjetivos: razão de “foro íntimo” (que não precisa ser exposta nem justificada) ou “inimizade capital” com uma das partes.
Ao ser nomeado, o próprio Zanin poderia abrir mão do caso por um desses motivos. Caso não o faça, Moro ou Dallagnol poderiam pedir ao STF a suspeição dele. Nessa hipótese, a decisão de afastá-lo ou mantê-lo com o caso caberia à presidente da Corte, Rosa Weber, ou ao plenário, por decisão dela. Isso nunca aconteceu no Supremo.
O que Moro e Dallagnol dizem sobre a acusação
No dia do depoimento de Tacla Duran, Moro afirmou, em nota, que “não teme qualquer investigação, mas lamenta o uso político de calúnias feitas por criminoso confesso e destituído de credibilidade”.
“Trata-se de uma pessoa que, após inicialmente negar, confessou depois lavar profissionalmente dinheiro para a Odebrecht e teve a prisão preventiva decretada na Lava Jato. Desde 2017 faz acusações falsas, sem qualquer prova, salvo as que ele mesmo fabricou. Tenta desde 2020 fazer delação premiada junto à Procuradoria Geral da República, sem sucesso. Por ausência de provas, o procedimento na PGR foi arquivado em 9/6/22”, disse.
No mesmo dia, Dallagnol criticou a realização da audiência por Appio. “Adivinha quem acreditou num dos acusados que mais tentou enganar autoridades na Lava Jato? Ele mesmo, o juiz lulista e midiático Eduardo Appio (mais conhecido como LUL22), que nem disfarça a tentativa de retaliar contra quem, ao contrário dele, lutou contra a corrupção”, afirmou.
Em 22 de maio, o Conselho do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidiu afastar cautelarmente o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Eduardo Appio, responsável pelos processos da Lava Jato. A decisão atendeu a um pedido do desembargador federal Marcelo Malucelli. Na representação, Malucelli afirmou que seu filho, João Eduardo Barreto Malucelli, teria recebido uma ligação telefônica em tom ameaçador. O conselho do TRF4 considerou que existem indícios de que o Appio tenha feito o telefonema, que foi gravado pelo filho do desembargador. O vídeo da chamada mostra o áudio de um interlocutor que se identifica como um funcionário da Justiça Federal e cita dados sigilosos referentes a imposto de renda e despesas médicas de João Eduardo.
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