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Lula
No seis primeiros meses de 2023, o presidente Lula ficou 32 dias fora do país, revelando prioridade para assuntos externos| Foto: Ricardo Stuckert/Secom

Os primeiros seis meses do terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram marcados por ações controversas que geraram resultados abaixo do esperado que surpreenderam até mesmo opositores. A combinação de promessas a eleitores e apoiadores não cumpridas aliada à persistência em erros estratégicos na implementação do plano de governo tem impedido avanços significativos na economia, nas relações parlamentares e na política externa.

Especialistas consultados pela Gazeta do Povo avaliam que o discurso eleitoral persistente e agressivo de Lula tem afetado negativamente o ambiente político e social, enquanto a ênfase dada pelo presidente a viagens internacionais numerosas e custosas facilitam críticas. Para as fontes, a gestão do semestre pode ser resumida ao binômio “vingança e turismo”.

"Vingança" por atitudes que o presidente vem tomando, como críticas sistemáticas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro ou declarações que mostraram grande rancor – como o episódio em que Lula insinuou que o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR), que o condenou, teria "armado" a divulgação, pela Polícia Federal (PF), de um plano criminoso para matá-lo. A PF, no entanto, trouxe evidências suficientes de que o Primeiro Comando da Capital (PCC) armou um atentado contra Moro.

Nos meios políticos, as críticas sobre as constantes viagens internacionais apontam para o fato de que elas resultaram em gastos expressivos de recursos e não trouxeram resultados concretos, além de terem gerado muita polêmica. Ainda sobre a política externa, a maior obra anunciada pelo governo pode ser um gasoduto na Argentina, financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na China, o governo chegou a dizer que acordos da ordem de US$ 50 bilhões teriam sido fechados, mas nenhuma outra informação sobre eles foi posteriormente divulgada.

Ao longo de todo o semestre, a gestão petista sustentou a disposição de atrelar a agenda externa a temas ambientais, mesmo enfrentando crescentes pressões da oposição endossadas pela bancada ruralista. Lula também teve que lidar com a falta de disposição das potências do Ocidente em apoiá-lo depois que começou a manifestar apoio à Rússia na guerra da Ucrânia. O apreço do brasileiro por governos totalitários, como de Vladimir Putin (Rússia), Nicolas Maduro (Venezuela) e Xi Jinping (China) tem fechado as portas de parceiros tradicionais do Brasil no Ocidente.

Legislativo com mais poder de barganha surpreendeu Lula

O relatório de risco político da agência BCW Brasil indica que o governo foi também afetado pela construção de um novo modelo de presidencialismo de coalizão, com avanço do Legislativo sobre verbas do orçamento federal. Mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) extinguir o chamado “orçamento secreto”, a indicação de verbas, por parlamentares, por meios burocráticos continua. “Em paralelo, em razão da pulverização dessa sistemática não há fiscalização na ponta, onde recursos são aplicados, favorecendo a corrupção e a perda de recursos públicos”, sublinha.

No campo econômico, o estudo da BCW Brasil, que é coordenado pelo professor Eduardo Galvão, avalia que inflação, câmbio, desemprego e confiança do mercado, apesar de apontarem um cenário negativo, favoreceram Lula no curto prazo, sobretudo no segundo trimestre. Os indicadores deram ao governo a chance avançar na agenda econômica, sobretudo em relação à política monetária, ao marco fiscal e à reforma tributária. “No entanto, esses avanços ainda dependem da implementação das reformas macroestruturais prometidas na campanha”, observam os pesquisadores.

Quanto à condução política, o cientista político descreve um começo de governo dominado por conflitos e desencontros. “Lula e seus articuladores demoraram a perceber que o sistema político mudou muito desde 2003, quando ele chegou ao poder. O Congresso se fortaleceu e é cada vez menos dependente da boa vontade do Executivo”, disse.

Essa realidade exigiu esforço grande de convencimento e de articulação para avançar com pautas prioritárias, o que era facilitado no passado só com liberação de emendas parlamentares ou de cargos no primeiro escalão.

Incongruência de ações do governo geraram turbulências na economia

O cientista político Ismael Almeida avalia que o governo encerra o primeiro semestre marcado pela dubiedade na economia, emplacando pautas importantes como o marco fiscal e renovando trunfos de gestões petistas como os programas Minha Casa, Minha Vida e Bolsa Família.

Mas, por outro lado, nada disso é congruente com o discurso da gestão de Lula, sobretudo nas falas do próprio presidente, que não ajudam a estabelecer clima favorável à retomada da economia. Ele cita como exemplo as falas agressivas do petista contra o agronegócio, setor que há décadas assegura resultados positivos na balança comercial e contra o Banco Central, que Lula tenta intimidar para forçar uma redução nos juros. “Tal incoerência acaba por anular o impacto positivo que algumas medidas poderiam ter tido, pois gera insegurança sobre as reais intenções do Planalto”, disse.

Almeida aponta como agravante desse cenário a inexistência de qualquer sinalização firme em relação ao controle de gastos públicos. “A essência do novo arcabouço fiscal, inclusive, não representa a austeridade, mas sim a garantia do crescimento das despesas mesmo em cenário de baixa arrecadação”, sublinhou.

Por fim, a prioridade que Lula deu à agenda internacional também deixou transparecer despreocupação com os problemas domésticos. Nesses seis meses, o presidente passou um sexto deles fora do país – foram 32 dias de ausência. Segundo o governo, o objetivo das viagens é aliviar “tensões diplomáticas” causadas pelo governo anterior. Mas a diplomacia do petista tem sido ainda pior.

“A insistência de Lula em tentar destruir a imagem do seu antecessor mostra que não parece haver um plano próprio, a não ser desfazer o que foi feito por governos anteriores, ainda que tenham resultados positivos para o país”, pontuou Almeida.

Para o analista político José Amorim, o governo “patinou” nos primeiros seis meses por ignorar completamente o cenário nacional. “A impressão é que Lula pensava em governar a exemplo dos mandatos anteriores. Além disso, a chamada frente ampla teve problemas de comunicação, com ministros se contradizendo”, disse. Ele destaca que, mesmo nomeando o vice Geraldo Alckmin (PSB) como ministro para melhorar a interlocução com o mercado, as falas do petista baseadas no “nós contra eles”, que se mantêm após o período eleitoral, de nada ajudam.

Para completar os efeitos do espírito de vingança, houve demora em liberar dinheiro para parlamentares. Ou seja, Lula levou tempo demais para reagir a movimentos do Legislativo com o repasse de verbas que já tinham sido combinadas. Isso teve como consequência derrotas em votações importantes para o Executivo e a instalação de CPIs que pioraram a imagem do governo.

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