A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de barrar a reeleição dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), surpreendeu políticos que estavam acordados no fim da noite do último domingo (6). A expectativa até então era de que a Corte desse aval às candidaturas deles para mais um mandato. Com a reviravolta no STF, a análise preliminar é que o resultado do julgamento zera o jogo sucessório nas duas Casas, mas a disputa se torna mais imprevisível no Senado.
A eleição para as mesas diretoras do Congresso está marcada para 1º de fevereiro de 2021. O Senado esperava uma definição do STF para organizar o xadrez de 2021. Com Alcolumbre fora do pleito, o líder do MDB, a maior bancada da Casa, Eduardo Braga (AM), se movimenta para a disputa. No mesmo partido, Eduardo Gomes (TO), líder do governo no Congresso, e Simone Tebet (MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), também são apontados como possíveis candidatos.
É do MDB, o partido que detém a maior bancada da Casa, que sairá um dos candidatos com maior probabilidade de vitória. Historicamente, o maior partido costuma fazer o presidente com o apoio de outras legendas.
A presidente da CCJ, contudo, dificilmente conseguirá se viabilizar. De dentro do MDB, a informação obtida pela Gazeta do Povo é que "Tebet está fora". O motivo: ela é considerada muito independente, algo que não agrada ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), ex-presidente do Senado e figura influente dentro do partido. "O Renan ainda tem muita força dentro da Casa", afirma um interlocutor emedebista.
O candidato de Calheiros é Braga. O líder do partido desponta, portanto, como um forte concorrente. Contudo, isso não inviabiliza a candidatura de Gomes. No MDB, ninguém descarta que, por pragmatismo dentro do presidencialismo de coalizão, Calheiros e Braga cedam o espaço para o líder do governo. Mas isso é algo que não sairá "barato".
Basicamente, o Palácio do Planalto precisará negociar generosos cargos e emendas parlamentares ao partido. A depender da vontade do presidente Jair Bolsonaro de ter um aliado por mais dois anos na Casa, é um "preço" que a articulação política acabará aceitando. "O governo vai apoiar o Eduardo Gomes. Agora, é o candidato do Bolsonaro", afirma um interlocutor da liderança governista na Casa.
Candidatura do MDB no Senado não inviabiliza outras
O MDB não será o único a lançar candidatura. Com os movimentos do partido e de Eduardo Gomes — que também será apoiado por Alcolumbre —, o Muda Senado vai apostar as fichas no senador Alvaro Dias (Podemos-PR), líder do partido na Casa. A ideia é anunciar a candidatura nos próximos dias e começar as costuras políticas para puxar mais votos.
A candidatura de Dias é estratégica para o Muda Senado. Se ele conseguir atrair votos, melhor. Caso contrário, não está descartada transferência do "capital político" acumulado com sua candidatura para o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), primeiro-vice-presidente da Casa, outro possível candidato a presidir o Senado.
No "xadrez político" da Casa, a aposta no PSD, presidido nacionalmente por Gilberto Kassab, é que o partido possa puxar votos de parlamentares insatisfeitos com a gestão de Alcolumbre. Sendo a legenda a segunda maior no Parlamento, a expectativa de peessedistas é puxar os votos do Muda Senado e do PSDB.
Os tucanos, contudo, não descartam ter um candidato. O PSDB pretende lançar Tasso Jereissati (CE). Em entrevista ao site O Antagonista, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) defendeu a candidatura do colega. “Definido o impedimento de reeleição no Senado, o PSDB vai insistir na candidatura de Tasso Jereissati. Com sua experiência, com boa relação com os colegas senadores e senadoras, não tenho dúvidas de que ele conduzirá o Senado de forma independente e harmoniosa”, disse.
Jereissati, por enquanto, não se manifestou sobre a possibilidade de concorrer. Mas o PSD está otimista com a possibilidade de convencê-lo a apoiar Anastasia, com a promessa de assento na Mesa Diretora do Senado. "O Anastasia só vai ao voto a voto se for apoiado por muitos partidos, para minimizar as chances de derrota", diz um assessor parlamentar. Puxar votos para a candidatura peesedista, portanto, exigirá muita habilidade. Isso porque outros de centro-direita sinalizam com apoio aos emedebistas.
O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), por exemplo, afirmou não ter se surpreendido com o resultado do julgamento no STF, mas disse que o cenário do Senado agora está imprevisível. Ele era contra a reeleição de Maia, mas a favor da de Alcolumbre. É outro que, pelo alinhamento com Bolsonaro, pode apoiar Eduardo Gomes.
A disputa de maior peso político, por ora, gira em torno de MDB e PSD. Mas isso não impedirá o lançamento de outras candidaturas mais independentes. O senador Major Olímpio (PSL-SP) já afirmou que é candidato à presidência do Senado em 2021. O senador Esperidião Amin (PP-SC) também pode se lançar na disputa.
PSD na disputa é resposta a descompromissos de Alcolumbre com aliados
A postura do PSD em apostar em Anastasia não é uma surpresa. Antigos aliados afirmam que os dois anos de Davi Alcolumbre à frente da presidência da Casa foram marcados pelo descumprimento de compromissos firmados em sua candidatura vitoriosa, em 2019. Naquele pleito, o demista enfrentou Renan Calheiros e prometeu aos aliados que promoveria mudanças. Não foi feito nem uma coisa, nem outra.
Uma das promessas de Alcolumbre aos aliados era exonerar o secretário-geral da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira Filho, e a diretora-geral da Casa, Ilana Trombka. Ambos são indicações de Calheiros e, passados quase dois anos, ainda ocupam seus cargos, considerados estratégicos.
A secretaria-geral da Mesa controla o esquema de votações, as pautas que entram e saem da apreciação dos parlamentares. Já a diretoria-geral do Senado controla, na prática, o Orçamento da Casa, como as contratações de funcionários e outros gastos. "Os dois foram indicados pelo Renan. É a maneira com que ele mantém o controle na Casa", afirma um senador ouvido pela Gazeta do Povo.
A relação entre Alcolumbre e seus então aliados acabou se tornando tumultuada. Alguns senadores do Muda Senado o classificam como "omisso". Afirmam ter tido dificuldades, inclusive, para falar com o presidente da Casa. Lembram que o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) chegou a mandar ofício à presidência pedindo audiência com o demista, e que nem sequer era atendido por telefone.
O mesmo tratamento não era dado a aliados de Calheiros. Senadores como Kátia Abreu (PP-TO) e Irajá Abreu (PSD-TO) eram recebidos a "qualquer momento", afirmam senadores à Gazeta do Povo. Muitas vezes os parlamentares precisaram despachar com o chefe de gabinete da presidência do Senado, Paulo Boudens. Para um político, esse é um dos principais sinais de desprestígio. "Acaba que é o Boudens quem, de fato, governa o Senado", critica um congressista.
O sentimento dos críticos de Alcolumbre é de que ele "apequenou" o Senado ao delegar tantas funções a Boudens e prestigiar Calheiros e seus aliados. Assim, criou desafetos dentro do Muda Senado e fora. O senador Sérgio Petecão (PSD-AC), primeiro-secretário da Mesa Diretora, é um dos desafetos. Uma das principais críticas é de que Alcolumbre quase nunca reunia a Mesa Diretora.
Em uma casa com uma característica "imperial", não reunir a Mesa Diretora para a tomada de decisões é uma decisão imperdoável para senadores. "Se não reúne a Mesa, você acaba governando quase que literalmente como um imperador. E foi isso que o Davi fez. Ele governou como imperador", critica um parlamentar. "Isso desagradou muita gente. Ele não reunia a Mesa porque vivia em Macapá. Tornou o Senado uma Casa de vereadores e não uma Casa do Legislativo nacional. Diminuiu o tamanho do Senado", reclama outro.
A Alcolumbre, sobra o apoio a Eduardo Gomes
As críticas a Alcolumbre não sugerem, entretanto, que ele não dispõe de poder no Congresso. Não é à toa que, muito provavelmente, ele seria reeleito não fosse pela decisão do STF. O ponto é que seu apoio viria do MDB e de outros partidos e lideranças aliados de Calheiros, e não por uma força orgânica construída enquanto um autêntico presidente parlamentarista, analisa um interlocutor emedebista.
"O apoio do Davi não vem de um grupo que ele lidere, como o Renan. O Renan criou, ao longo do tempo, muitos compromissos de muitos senadores com ele que, hoje, ele cobra a 'fatura'. O Davi não foi hábil em criar liderança entre os senadores", aponta o interlocutor. Sem a possibilidade de lançar sua candidatura, não sobram muitas alternativas ao demista além de apoiar Gomes e permanecer próximo do governo. "Ele [Eduardo Gomes] já queria ser o candidato do governo. No fim das contas, acabou cedendo para o Davi", acrescenta.
Mesmo sendo líder do governo no Congresso, a candidatura de Gomes promete ter um peso significativo, caso consiga viabilizá-la dentro do MDB. É dito em diferentes partidos que ele tem trânsito entre legendas e congressistas. Se for eleito presidente do senado, Gomes terá de deixar a liderança do governo — responsável por articular a distribuição de relatorias de Medidas Provisórias (MPs) e discutir o Orçamento — e deve trabalhar para indicar um sucessor alinhado a ele a fim de manter essa influência. Falta, agora, a "bênção" de Calheiros.
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