Chico Rodrigues (DEM-RR) foi flagrado pela PF com dinheiro vivo dentro da cueca. Afastamento do mandato determinado pelo STF pode abrir crise com o Senado.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
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Mesmo após ter sido flagrado pela Polícia Federal com dinheiro na cueca e ter seu afastamento determinado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), Chico Rodrigues (DEM-RR) continua, por enquanto, um parlamentar como os demais 80 integrantes do Senado.

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O senador encerrou a semana mais controversa de sua carreira política sem nenhuma alteração formal em seu status. Ou quase nenhuma: a única modificação foi a da perda de sua condição de vice-líder do governo de Jair Bolsonaro — que, oficialmente, se deu "a pedido" do próprio parlamentar. Chico Rodrigues é, no atual momento, titular de seis comissões do Senado — entre elas, a de Ética e Decoro Parlamentar — e mantém um gabinete com 38 pessoas, sendo 22 lotadas em Brasília e o restante em Roraima.

A falta de consequências à operação que surpreendeu Rodrigues se deve a questões jurídicas, políticas, técnicas e também corporativas. Desde que o afastamento por 90 dias foi determinado de forma monocrática por Barroso, senadores passaram a contestar a ideia, por entenderem que a medida fere a independência entre os poderes.

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O sentimento de autopreservação dos parlamentares começa a falar mais alto, apesar do escandaloso flagrante ao qual Rodrigues foi submetido. Já há quem defenda que o Senado não referende o afastamento, o que é necessário do ponto de vista legal, contrariando a decisão do ministro do STF.

Precavido, Barroso encaminhou nesta sexta-feira (16) um pedido formal ao presidente do Supremo, Luiz Fuz, para que o afastamento de Chico Rodrigues seja votado pelo plenário. Fux marcou para a próxima quarta-feira (21) a análise do caso.

Senadores querem levar o caso para o Conselho de Ética

Os senadores Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e Plínio Valério (PSDB-AM) se manifestaram publicamente contra a decisão de Barroso. O parlamentar de Goiás escreveu em suas redes sociais que "a decisão monocrática do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, de afastar o senador Chico Rodrigues de seu mandato fere o Congresso Nacional e as garantias constitucionais".

Já Valério defendeu que um eventual afastamento de Rodrigues deva ser analisado pelo próprio Senado: "O Senado tem seu Conselho de Ética, órgão p/ julgar e se for o caso, afastar mandato de senadores. Não estou entrando no mérito e defendendo o senador Chico Rodrigues, mas ministro do Supremo não tem competência coisíssima nenhuma para afastar um senador da República. Um absurdo!".

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O gabinete do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ainda não recebeu oficialmente a decisão de Barroso. Em nota, a assessoria de Alcolumbre disse que o presidente "aguarda ser comunicado, ter conhecimento da íntegra do documento [do STF], antes de adotar qualquer medida". O Senado deve ter, na próxima semana, uma reunião de líderes para discutir o caso de Rodrigues. O encontro pode ser um pontapé inicial para um eventual processo de cassação do parlamentar via Conselho de Ética.

Uma coincidência de datas pode colaborar para que a situação tenha avanços: a semana que vem já estava marcada para ser um período de "esforço concentrado", com a presença dos parlamentares no Congresso, mesmo em meio à campanha eleitoral nos municípios. O Senado fará na quarta-feira (21) a sabatina de Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para compor o STF, e também análises de selecionados para postos em agências vinculadas ao governo federal.

Rodrigues também não teve alterações no seu status partidário. Prossegue filiado ao DEM. O partido manteve a postura destacada desde a quarta-feira (14), o dia da operação contra o senador, quando disse: "estamos atentos a todos os detalhes da investigação e, havendo a comprovação da prática de atos ilícitos pelo parlamentar, a Executiva Nacional aplicará as sanções disciplinares previstas no Estatuto do partido".

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Em 2017, Aécio Neves despertou sentimento corporativista do Senado

A queixa dos senadores contra a decisão de Barroso traz debates sobre os limites da atuação do Supremo e também remete a outro episódio em que o Congresso teve que se posicionar sobre parlamentares afastados sob acusação de corrupção.

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O Regimento Interno do Senado traz mecanismos que ajudam os parlamentares a recorrer ao espírito de "autopreservação". De acordo com a norma, para que um senador perca o mandato por quebra de decoro é preciso que a decisão seja aprovada por maioria absoluta dos parlamentares.

O texto também destaca que todo processo de afastamento precisa contar com a "ampla defesa" do acusado — algo que, para alguns parlamentares, faltou ser aplicado a Rodrigues, visto que o senador foi afastado do mandato pelo ministro Luis Roberto Barroso, do STF, mesmo sem ser formalmente réu no caso que o envolve.

É este cenário que leva senadores a acreditarem que a Casa pode contrariar a decisão do STF e rejeitar o afastamento de Rodrigues. Publicamente, os parlamentares dizem que uma negativa à medida de Barroso não seria uma defesa de Chico Rodrigues, e sim uma defesa da própria instituição.

Em 2017, o Senado analisou um caso semelhante. Então senador, Aécio Neves (PSDB-MG) foi afastado de seu mandato por ordem da Primeira Turma do STF após a divulgação de conversas entre ele e o empresário Joesley Batista, nas quais o tucano supostamente fazia um pedido de propina.

Aécio ficou desligado do Senado por pouco menos de um mês, até o Senado votar sobre a continuidade ou não de seu afastamento. Por 44 votos a 26, o Senado decidiu a favor de Aécio. "Não venho a essa tribuna dizer que meu voto será por mera solidariedade ao senador Aécio Neves. Eu voto em favor da Constituição e por achar que a medida tomada pela Turma do Supremo foi equivocada", falou na ocasião o senador Jader Barbalho (MDB-PA), que permanece no Senado nos dias atuais.

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Rede e Cidadania acionam o Conselho de Ética do Senado

A Rede e o Cidadania entraram com uma representação contra Rodrigues no Conselho de Ética do Senado, em que pedem a instauração de processo contra o parlamentar e eventual cassação do mandato. Um grupo de 13 senadores, de cinco partidos, divulgou uma declaração de apoio à representação.

"Consideramos grave a acusação de possíveis crimes cometidos no exercício do mandato e das intercorrências verificadas durante a busca e apreensão executada pela Polícia Federal na residência do referido Senador. Entendemos que o Senado Federal tem a prerrogativa e o dever de dar respostas à sociedade sobre eventuais desvios disciplinares e éticos dos seus membros", diz o texto assinado pelos senadores. O presidente do Conselho de Ética do Senado é Jayme Campos (DEM-MT).