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STF Rosa Weber
A presidente do STF, ministra Rosa Weber, relatora da ação, quer evitar atritos com outros poderes antes da definição do segundo turno das eleições.| Foto: Nelson Jr./STF

A nova presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, aguarda o resultado da eleição presidencial para levar a julgamento no plenário a ação que pretende acabar com o “orçamento secreto”, apelido dado às verbas destinadas pelo governo para obras e serviços de interesse de parlamentares, mas sem clareza, na liberação, quanto aos deputados e senadores responsáveis pelas indicações. O objetivo é evitar tensões com outros poderes e também com os grupos políticos que disputam o Palácio do Planalto e o comando das casas do Congresso no ano que vem, diretamente interessados na questão.

Nos últimos anos, essa forma de liberação de recursos cresceu e se tornou uma das principais armas do governo para conseguir apoio para seus projetos na Câmara e no Senado. O Orçamento da União deste ano reservou R$ 16,5 bilhões para essas verbas. Formalmente, elas são registradas como emendas de relator (o parlamentar responsável a cada ano pela condução da proposta orçamentária no Legislativo), mas atendem, de forma desigual e por critérios políticos, a dezenas de parlamentares, conforme seu grau de influência.

No ano passado, a pedido de partidos de oposição, Rosa Weber, sorteada relatora das ações, suspendeu o pagamento dessas verbas. A liberação dos recursos foi autorizada neste ano, depois que o Congresso prometeu dar mais transparência sobre os autores dos pedidos e o destino das verbas. Mas ainda falta julgar o mérito da ação, que discute a constitucionalidade dessa forma de repasse. Após assumir a presidência do STF, Weber decidiu manter as ações sob sua relatoria, o que dá a ela poder total sobre o momento de julgá-las no plenário.

Alguns ministros da Corte têm defendido que ela submeta as ações para julgamento no colegiado neste ano, de modo a evitar que o Orçamento de 2024 comece a ser executado com as emendas de relator nos mesmos moldes atuais. A tendência, atualmente, é que os ministros derrubem essa forma de repasse, mas sem invalidar o que já foi pago até o momento.

Uma decisão assim interessa a oposição, que já estuda estabelecer uma nova forma de negociação entre governo e Congresso em caso de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa pela Presidência da República. A derrubada das emendas de relator, por outro lado, preocupa a ala política do governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que trabalham pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) e querem preservar essa forma de obter apoio para o Executivo.

Lira tem forte influência na divisão desses recursos e pode usar esse poder para tentar se reeleger no comando da Câmara no ano que vem. O eventual fim das emendas de relator poderia, assim, favorecer um adversário nessa disputa, marcada para fevereiro, quando os novos deputados tomam posse. Uma eventual vitória de Lula, com o provável fim do orçamento secreto, fortaleceria muito uma candidatura de oposição à presidência da Câmara.

É por causa desse grau de tensão que envolve a matéria que Rosa Weber deve aguardar o resultado da eleição. O objetivo da nova presidente, já externado a interlocutores próximos, é evitar qualquer protagonismo do STF na disputa política nas urnas. Isso também deve adiar decisões sobre questões políticas delicadas.

O caso Daniel Silveira

A lógica de avaliar o contexto para definir a pauta vale, por exemplo, para o julgamento do indulto do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), cuja ação também é de relatoria de Weber.

Em abril, o parlamentar foi condenado pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão, acusado de ameaçar e xingar os ministros. No dia seguinte, Bolsonaro perdoou a pena com um decreto de graça. A oposição, porém, contestou a constitucionalidade e, até o momento, a questão está pendente.

Desde então, o relator da ação contra Silveira, Alexandre de Moraes, já aplicou diversas multas, que chegam a quase R$ 1 milhão, por descumprimento da determinação de uso de tornozeleira. A defesa do deputado quer derrubar todas as restrições e também a inelegibilidade, decorrente da condenação pela Corte.

Entre auxiliares de Rosa Weber, muitos apostam que ela paute a questão somente para o ano que vem, principalmente se Bolsonaro perder a disputa – nesse cenário, uma eventual derrubada do decreto seria menos traumática para a relação entre os poderes, uma vez que ele já não estaria mais à frente do Executivo.

Piso da enfermagem

Uma última pendência, que poderia agravar a tensão entre Judiciário, Legislativo e Executivo, deverá esperar ainda mais tempo para ser julgada. Trata-se do piso da enfermagem, proposta aprovada pelo Congresso, sancionada por Bolsonaro, mas suspensa no meio de setembro por uma liminar de Luís Roberto Barroso, depois referendada pela maioria dos ministros.

Eles entenderam que a criação de remunerações mínimas para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras pode colocar em risco a gestão de hospitais privados e a saúde financeira de estados e municípios, que pagam os salários. Barroso deu 60 dias para o Congresso indicar fonte de recursos segura para o pagamento. Até lá, a expectativa é que os parlamentares encontrem a receita e solucionem a questão.

A lei fixou piso salarial em R$ 4.750 para enfermeiros dos setores público e privado. O valor serve de referência para o cálculo do mínimo salarial de técnicos de enfermagem (70%), auxiliares de enfermagem (50%) e parteiras (50%). O Dieese calcula impacto de R$ 4,4 bilhões ao ano para os municípios, de R$ 1,3 bilhão ao ano para estados e de R$ 53 milhões ao ano para a União. A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, estima em R$ 5,5 bilhões a despesa anual para o setor público e R$ 11,9 bilhões para o setor privado.

Senadores já começaram a estudar formas de financiamento. Entre as possibilidades estão a desoneração da folha de pagamento de hospitais, a atualização da tabela do SUS, o abatimento de dívidas dos estados ou até mesmo o uso de emendas parlamentares.

STF julga caso do Fundo Amazônia

Há uma única exceção entre os assuntos com impacto político que pode ter um desfecho antes das eleições. É o caso do Fundo Amazônia, cuja relatoria também é da ministra Rosa Weber. O julgamento começou no último dia 6 e deve ser retomado nesta quinta-feira (20).

Está em análise uma ação de partidos de oposição para obrigar o governo a retomar a aprovação de projetos do Fundo Amazônia, um caixa abastecido por Noruega, Alemanha e Petrobras para financiar medidas de preservação da floresta. PT, PSB, Psol e Rede dizem que R$ 3 bilhões estão represados e deveriam estar sendo aplicados na redução do desmatamento.

A ação sobre o Fundo Amazônia entrou na pauta após reiterados pedidos de advogados de ONGs diretamente interessadas na aprovação de novos projetos. Por enquanto, apenas advogados, governo e Procuradoria-Geral da República se manifestaram no julgamento. Nesta quinta, Weber dará o primeiro voto, que já está pronto. Nos bastidores, porém, auxiliares de outros ministros acham provável que não haja decisão antes da eleição – existe a chance de que um deles peça vista.

O caso em si não tem uma solução fácil, e mesmo uma decisão da Corte contrária ao governo poderia se revelar pouco efetiva. Trata-se de uma “ação direta de inconstitucionalidade por omissão”, que serve para tentar forçar o governo a executar uma ação ou o Congresso a regulamentar uma obrigação determinada pela Constituição – no caso, a proteção do meio ambiente no bioma amazônico.

O problema, comum nesse tipo de ação, é que, em geral, o STF é incapaz de obrigar os demais poderes a tomar muitas das medidas pleiteadas pelas partes interessadas. Caso fossem de competência do próprio Judiciário, seria mais simples. Mas como, no caso, envolvem políticas públicas tocadas pelo Executivo, os ministros muitas vezes não são capazes de definir como implementá-las em seus detalhes técnicos e administrativos.

Além disso, não há instrumentos jurídicos para punir efetivamente os gestores em caso de descumprimento desse tipo decisão, que serve mais como um apelo do STF aos demais poderes – é comum que elas deem um prazo para eles adotarem alguma medida na direção determinada pela Corte. O imbróglio do Fundo Amazônia tende a esse resultado.

Fora essas questões, a pauta de Rosa Weber, pelo menos neste ano, não deve trazer mais matérias de impacto político. A tendência é que marque julgamentos de ações de interesse de segmentos sociais ou econômicos específicos.

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