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Luiz Fux e Jair Bolsonaro no plenário do STF
Em ao menos cinco decisões, maioria da Corte derrubou atos de Bolsonaro contra o distanciamento e a imposição da vacina| Foto: Marcos Correa/PR

Passados dois anos da pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a decidir sobre uma questão relacionada à forma de enfrentamento da Covid-19 no Brasil que contraria o governo federal. A exigência de comprovação de vacina para entrada de viajantes vindos do exterior despertou novas críticas à Corte, sobretudo entre apoiadores de Jair Bolsonaro, que acusam os ministros de interferirem em atribuições do Executivo. Porém, outros atores políticos e sociais, em geral opositores do presidente, dizem que a atuação foi necessária ante uma postura de “omissão” e “negacionismo” do governo.

Os dois termos, aliás, foram expressamente citados pelo ministro Luís Roberto Barroso, no último sábado (11), para justificar sua liminar que, acolhendo um pedido da Rede, partido minoritário da oposição, proibiu o ingresso no Brasil de pessoas sem vacina comprovada. A decisão endurece regras editadas pelo próprio governo, que permitia a entrada de não vacinados caso apresentassem um teste negativo e ficassem em quarentena por cinco dias.

“O propósito da presente ação não é avaliar a oportunidade e conveniência das políticas de fronteira do Executivo, mas sim examinar a sua constitucionalidade, à luz dos direitos à vida e à saúde da população e do dever do Estado de tutelá-los. Em tais termos, a presente decisão não envolve um juízo quanto a preferências políticas do Judiciário, mais sim uma avaliação acerca da compatibilidade das medidas adotadas pelo Executivo com o respeito a tais direitos, tendo em vista uma pandemia que já matou mais de 600.000 (seiscentos mil) brasileiros e a existência de autoridades negacionistas da sua gravidade”, escreveu Barroso.

A tendência, segundo apurou a Gazeta do Povo, é que a liminar seja mantida pelos demais ministros nesta semana, no julgamento virtual sobre o assunto, que ocorrerá entre quarta (15) e quinta-feira (16), com votos escritos proferidos de forma remota. Ela decorre de uma “jurisprudência” desenvolvida em várias decisões recentes da Corte que, sob a alegação de proteger o direito à saúde e à vida, têm contrariado as opções do governo no enfrentamento da calamidade, sobretudo a partir das posições de Bolsonaro em favor de dar às pessoas maior liberdade de circulação e autonomia em suas escolhas individuais.

A própria questão da vacina já foi objeto de duas outras decisões – uma que suspendeu portaria do governo que proibia demissão de não vacinados; e outra, do ano passado, que permitia a vacinação “compulsória”, no caso, por meio de medidas indiretas, como restrição de acesso a locais públicos. Relembre, abaixo, cinco das principais decisões:

Demissão de não vacinados

A exigência de comprovação da vacina contra a Covid para uma empresa contratar uma pessoa ou manter um empregado em seus quadros foi proibida pelo governo no início de novembro. O Ministério do Trabalho dizia que seria uma medida discriminatória. Em menos de duas semanas, porém, a regra foi suspensa por Luís Roberto Barroso, numa liminar monocrática. Para o ministro, é legítimo ao empregador cobrar a vacinação dos empregados.

“Constitui direito dos empregados e dever do empregador a garantia de um ambiente de trabalho seguro e saudável”, afirmou na decisão, que ainda será julgada pelos demais integrantes do STF. Ele também exaltou a liberdade dos empresários para decidir sobre os "critérios de contratação mais adequados para sua empresa”.

Estabeleceu uma ressalva para pessoas que, por recomendação médica, não podem se vacinar. Para essas, afirmou, a empresa poderia exigir testes negativos para Covid.

Vacinação "compulsória"

Em dezembro do ano passado, por maioria, os ministros do STF decidiram que o Estado pode impor a vacinação da população contra a Covid, não com uso da força física, mas por meio de restrições. Para isso, poderia aplicar multas, impedir a entrada em locais públicos e proibir matrículas em escolas, por exemplo. O único a divergir, parcialmente, foi Kassio Nunes Marques, para quem essa deveria ser a última medida, precedida de uma campanha em favor da imunização.

Os demais entenderam pela constitucionalidade da vacinação compulsória por meio das restrições, que também poderiam ser aplicadas mesmo que a pessoa recuse a vacina por convicções filosóficas, religiosas, morais ou existenciais. Uma das ações julgadas era um recurso apresentado por pais veganos que contestavam a obrigação de vacinar os filhos.

“O Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade (dignidade como valor comunitário); a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros (necessidade de imunização coletiva); e o poder familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosófica, coloquem em risco a saúde dos filhos”, diz a decisão.

As outras ações foram apresentadas pelo PTB (contra a vacinação compulsória) e pelo PDT (a favor). Vários ministros ressaltaram que a imunização coletiva prevalece sobre o direito individual. “A Constituição não garante liberdades às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas”, disse no julgamento a ministra Cármen Lúcia.

Proibição de cultos presenciais

Em abril deste ano, por maioria, os ministros permitiram a proibição temporária de atividades religiosas presenciais, como medida para evitar aglomerações. Desde 2019, entidades evangélicas acionavam a Corte para derrubar decretos considerados abusivos, que ordenavam o fechamento dos templos ou proibiam pequenas reuniões de oração em ambientes privados.

Relator de uma das ações, Gilmar Mendes disse que a restrição não afetava gravemente a liberdade religiosa e de crença, sob o argumento de que a medida não forçava os religiosos a abrirem mão de sua fé, que poderia ser exercida de forma de forma individual, sem reuniões, durante um tempo limitado, até que a contaminação na pandemia arrefecesse.

“Há um razoável consenso na comunidade científica no sentido de que os riscos de contaminação decorrentes de atividades religiosas coletivas são superiores ao de outras atividades econômicas, mesmo aquelas realizadas em ambientes fechados”, acrescentou.

Divergiram apenas Nunes Marques e Dias Toffoli. Para ambos, as igrejas poderiam adotar medidas de contenção do contágio, como distanciamento social, uso de máscaras e álcool em gel, além de permitir a entrada reduzida de pessoas nos templos.

Critérios científicos

Em maio do ano passado, por unanimidade, os ministros determinaram que agentes públicos observem “normas e critérios científicos estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias, reconhecidas nacional e internacionalmente”.

Eles julgaram uma medida provisória do governo que limitava as hipóteses de responsabilização de gestores por atos relacionados ao combate ao coronavírus, diante das várias incertezas que permeiam o assunto.

Pela norma, eles só poderiam ser punidos se agissem ou se omitissem “com dolo ou erro grosseiro”, sobretudo pelas consequências sociais e econômicas das medidas que adotassem.

No julgamento, os ministros estabeleceram que o “erro grosseiro” também seria caracterizado quando o presidente, ministros, governadores, prefeitos e secretários deixassem de seguir o que ditam autoridades sanitárias, com medidas que colocassem em risco a saúde e a vida da população.

Foi uma forma de o tribunal avisar ao presidente Jair Bolsonaro de que ele poderia ser punido caso contrariasse a Anvisa, o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde, principalmente em dois pontos: agindo contra medidas de isolamento social e recomendando medicamentos para o tratamento precoce da doença.

O relator foi Luís Roberto Barroso, para quem é dever do administrador público agir com precaução e prevenção em políticas que envolvam proteção à vida, à saúde e ao meio ambiente. “A não exigência de tais elementos torna a autoridade corresponsável pelos danos decorrentes da decisão, por faltar com dever de diligência imprescindível a lidar com bens de tamanha relevância”, disse na ocasião.

Poder a estados e municípios

As decisões que mais impactaram o poder do governo federal surgiram no ano passado, quando os ministros decidiram que Bolsonaro não poderia derrubar quarentenas impostas por governadores e prefeitos. Nos julgamentos, os ministros também deram a eles o poder de limitar o funcionamento do comércio, fechar rodovias e impedir a entrada de pessoas em seus territórios, dependendo da gravidade da pandemia.

“O pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão, sobretudo para as ações essenciais exigidas pelo art. 23 da Constituição Federal. É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que Estados e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. O Estado garantidor dos direitos fundamentais não é apenas a União, mas também os Estados e os Municípios”, diz a decisão.

Bolsonaro sempre acusou o STF de ter impedido que o governo atuasse contra a pandemia. Mas a decisão mantinha a competência do Executivo federal, desde que trabalhasse em favor de medidas restritivas, nunca contrariamente. O presidente ficou impedido, por exemplo, de definir por meio de decreto atividades essenciais que não poderiam ser paralisadas por ordens de estados e municípios, uma forma de driblar as quarentenas.

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