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Dados digitais
Para OAB, decreto do governo não garante segurança contra vazamento de dados sensíveis de brasileiros cadastrados nos órgãos federais| Foto: Kevin Ku/Pexels

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar em breve uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que busca derrubar um decreto de 2019, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que permite o compartilhamento de dados pessoais dos cidadãos entre órgãos federais do Executivo e também de outros poderes.

Na ação, a entidade argumenta que as regras não garantem a proteção de informações sensíveis, apontando risco de vazamento, e também contrariam a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que dá ao cidadão o direito de saber e de autorizar a forma de tratamento de seus dados por parte de empresas e também pelo poder público.

O decreto cria um Cadastro Base do Cidadão, que reúne, dentro do governo, informações sobre cada brasileiro a partir de seu CPF, que pode agregar dados biográficos – nome, data de nascimento, filiação, naturalidade, nacionalidade, sexo, estado civil, grupo familiar, endereço e vínculos empregatícios – e também dados biométricos – palma da mão, as digitais dos dedos, a retina ou a íris dos olhos, o formato da face, a voz e a maneira de andar.

O objetivo de reunir essas informações é simplificar a oferta de serviços públicos e otimizar a execução de políticas públicas, especialmente na concessão de benefícios sociais e fiscais.

As autorizações para o compartilhamento interno desses dados, inclusive os sigilosos, cabe a um novo órgão, chamado Comitê Central de Governança de Dados, composto basicamente por representantes de diversas pastas do governo – Ministério da Economia, Controladoria-Geral da União (CGU), Advocacia-Geral da União (AGU), Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Casa Civil da Presidência da República. O comando cabe à Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, que compõe a Economia.

O decreto descreve os procedimentos e requisitos de segurança que devem ser observados no compartilhamento dos dados – a obtenção de dados sigilosos, por exemplo, deve ser justificada de forma detalhada e seguir a legislação, sobretudo a LGPD.

Mas para a OAB há risco à privacidade, à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, e também à “autodeterminação informativa”, isto é, à autonomia das pessoas para decidir como suas informações são usadas pelo governo.

“As regras adotadas para o compartilhamento de dados pelos órgãos governamentais permitem interligar bases e cruzar dados pessoais sem critérios que sejam conhecidos dos cidadãos: sem informações claras, adequadas e transparentes sobre a realização da coleta e do tratamento, bem como, sobre quem são e como agem os agentes do tratamento”, diz a ação.

A entidade vai além e chega a dizer que o decreto cria uma “ferramenta de vigilância estatal extremamente poderosa”. “O Decreto nº 10.046/2019 cria um poderoso instrumento estatal para elaboração de profilings, confecção de dossiês de espionagem contra opositores políticos e atividades de vigilância totalitária”, diz a OAB.

A entidade aponta outros pontos de contrariedade com a LGPD, especialmente porque o Comitê Central de Governança de Dados, composto apenas por representantes do próprio governo, não se submeteria à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão superior com representantes de vários setores que supervisiona a aplicação da lei de proteção de dados pessoais.

Em defesa do decreto, a Presidência da República manifestou-se no STF pela sua manutenção. Argumentou, basicamente, que o decreto regulamenta a LGPD em relação ao tratamento de dados pessoais por parte do governo e segue diretrizes de segurança e sigilo das informações. Destacou que a finalidade é pública, isto é, melhorar a prestação de serviços públicos.

“Quando um dado custodiado pela administração for enquadrado no nível de categoria mais rígida por ele prevista (categoria específica) tal dado necessita de autorização específica a partir de um pedido devidamente justificado para poder ser compartilhado, ainda que dentro da própria administração. Desse modo, nota-se que não há qualquer autorização à divulgação ou ao compartilhamento de dados sem critérios”, argumentou a Presidência em parecer.

Disse ainda que ao Cadastro Base do Cidadão não é uma nova base de dados, mas uma “plataforma destinada à visualização integrada e ao aumento da confiabilidade entre os cadastros de dados já existentes e a disposição de órgãos da administração pública de forma descentralizada”.

PGR defende manutenção do decreto

Chamada a opinar dentro da ação, a Procuradoria-Geral da República enviou parecer a favor da manutenção do decreto. Mas defendeu que o STF reforce a determinação, já contida na norma, de que, quando um órgão do governo pede dados a outro órgão, essa solicitação seja formalizada e bem fundamentada.

Deverá conter data; identificação, telefone e endereço eletrônico institucional do solicitante; além de descrição clara dos dados, das finalidades de uso, que devem se ater a propósito relacionado à execução de política pública.

Tal providência [...] viabilizaria o registro detalhado das operações de compartilhamento e, com isso, possibilitaria dar aos titulares dos dados ciência sobre a coleta e sobre a realização do tratamento dos dados, conferindo maior transparência aos procedimentos”, diz a PGR.

A ação contra o Cadastro Base do Cidadão será julgada em conjunto com outra, apresentada pelo PSB, que busca proibir um plano que existia, dentro do governo, com base no mesmo decreto, de permitir à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) coletar dados de todas as carteiras de habilitação do país, o que incluiria nome, filiação, endereço, telefone, histórico de propriedade de veículo e foto.

Na ação, a AGU informou ao STF que o termo de autorização, que permitiria esse compartilhamento, foi revogado, e que nenhum dado do Denatran foi repassado à Abin. As duas ações têm como relator o ministro Gilmar Mendes.

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