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A suposta tentativa de golpe é o caso em apuração mais grave contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas não é o único. Além desse inquérito, outros de menor potencial ainda podem implicar a vida de Bolsonaro e, possivelmente, ainda neste ano. São eles: o caso das joias e o do cartão de vacina.
O advogado constitucionalista André Marsiglia explica que o ex-presidente já foi indiciado em três inquéritos: a suposta trama de golpe - no qual se tornou réu nesta quarta-feira (26); a investigação de supostas fraudes em cartões de vacina da Covid-19; e ainda o caso da alegada participação e conhecimento sobre a venda de joias de alto valor que ganhou enquanto era presidente. Os dois últimos ainda não tiveram denúncia apresentada.
No julgamento realizado na terça-feira (25) e nesta quarta (26), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela aceitação da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o suposto golpe de Estado e tornou Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas réus.
Ao se tornar réu, o ex-presidente passa a responder a um processo judicial e será julgado futuramente. Os crimes imputados a Bolsonaro e aos demais são: organização criminosa armada; tentativa de golpe de Estado; tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado.
A denúncia foi julgada por Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, Alexandre de Moraes, relator do caso, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino.
“Vejo uma pressa imensa em julgarem Bolsonaro pelo golpe. Isso deverá ser feito ainda esse ano. Nesta semana [os ministros] receberam a denúncia, mas o julgamento não demorará a ocorrer, com audiências e sessões feitas a jato”, analisa o especialista.
Esse grupo compõe o chamado Núcleo 1 das denúncias e agora aguarda pelo julgamento. Ainda não há uma data prevista.
Além de Bolsonaro, constam no Núcleo 1 nomes do alto escalão governamental na gestão do ex-presidente: Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Gustavo Torres, Augusto Heleno Ribeiro, Mauro Cesar Barbosa Cid, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Walter Souza Braga Netto. Todos eles se tornaram réus.
“Com a denúncia aceita, Bolsonaro se torna réu e passa a responder formalmente a uma ação penal. Mas o STF não decidiu se ele será preso ou possíveis penas neste momento, é importante reforçar isso”, reforça o advogado criminalista Márcio Berti.
Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, liberou para julgamento da Turma os Núcleos 2 e 3, que terão as denúncias julgadas em abril.
A fase de ação penal segue os seguintes passos:
- Citação do Réu – O réu é formalmente notificado para apresentar sua defesa prévia dentro do prazo estabelecido.
- Instrução Processual – a turma no STF colhe provas, depoimentos de testemunhas, interrogatório do réu e manifestações das partes (acusação e defesa).
- Alegações Finais – Ministério Público e defesa apresentam suas considerações finais antes da decisão final.
- Julgamento – a Turma no STF analisa todas as provas e argumentos e decide pela condenação ou absolvição.
Se condenado, as penas somadas a Bolsonaro podem ficar próximas de 40 anos de prisão, mas ele poderá recorrer dentro do próprio Supremo, dependendo da decisão dos ministros, no caso de haver votos pela sua absolvição. Em outro cenário, se ele for absolvido pela maioria dos votos, o processo será arquivado.
O voto do ministro Luiz Fux no acolhimento da denúncia abriu margem para uma possível anulação do julgamento. O ministro entendeu que o STF não é o foro adequado para o julgamento do caso e criticou a delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
O inquérito em questão diz que o ex-presidente e um grupo próximo teriam tentado impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após as eleições de 2022 e fariam isso por meio de uma suposta trama golpista, que previa inclusive a eliminação de autoridades.
As investigações indicariam, segundo denúncia da PGR, que o ex-presidente teria participado de reuniões para discutir a anulação do resultado eleitoral e sua permanência no poder, possivelmente com apoio de setores das Forças Armadas. Bolsonaro nega as acusações e diz que jamais participou ou se envolveu em quaisquer tramas golpistas.
Independentemente desse caso, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro já está inelegível até 2030 e, para ser candidato ano que vem, as condenações no TSE terão que ser revertidas. Para o advogado e comentarista político Luiz Augusto Módolo, os atos do 8 de janeiro, argumento usado na denúncia como ápice da tentativa de golpe, estariam distantes desta alegação. “Foi descontentamento popular desorganizado sobre o resultado daquela eleição”.
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Bolsonaro poderá se tornar réu em mais dois casos: joias e vacinas
O ex-presidente Jair Bolsonaro também está sob investigação pelo suposto envolvimento no desvio e venda de joias recebidas como presentes oficiais durante seu mandato. Segundo as apurações da PF, peças de alto valor, ofertadas por autoridades estrangeiras, teriam sido comercializadas no exterior. Algumas dessas joias foram rastreadas e recuperadas pela Polícia Federal antes de serem vendidas.
Sobre o caso, o Tribunal de Contas da União manteve o entendimento de que os presentes recebidos por presidentes e vice-presidentes da República não precisam ser incorporados ao acervo público. A decisão, de 19 de fevereiro de 2025, reafirma um posicionamento tomado em agosto de 2024, que destaca a ausência de uma lei que defina critérios claros para diferenciar itens personalíssimos daqueles que pertencem à União. A defesa de Bolsonaro se baseia nesta decisão para pedir o arquivamento das investigações sobre joias recebidas durante seu mandato.
Apesar de receber o nome de Tribunal, o TCU é um órgão de fiscalização que atua no controle externo da administração pública federal, analisando a aplicação de recursos públicos e verificando a legalidade, eficiência e economicidade dos gastos governamentais. Ele é vinculado ao Poder Legislativo e auxilia o Congresso Nacional no controle das contas do governo federal.
Quanto ao caso das joias, Marsiglia acredita que o inquérito ficou esvaziado devido à decisão do TCU.
Segundo o advogado Márcio Nunes, especialista em Direito Público, apesar das decisões do TCU que podem atenuar o caso, há risco de Bolsonaro ser enquadrado em outro crime. “Se for comprovada a ocultação dos valores obtidos com a venda, a investigação pode incluir o crime de lavagem de dinheiro com pena que varia de três a dez anos de reclusão”, alerta o advogado.
“O caso das joias em princípio parece esvaziado, mas cumpre lembrar que o TCU é mero órgão auxiliar do Poder Legislativo e que suas decisões podem ser questionadas no Judiciário e até revertidas”, afirma o advogado e comentarista político Luiz Augusto Módolo.
Em entrevista ao Flow, na sexta-feira (14), Bolsonaro disse que todas as joias solicitadas a ele foram entregues ao acervo e lembrou da decisão reafirmada pelo TCU em 19 de fevereiro. “Acabou o negócio de joias [...] Quando se faz uma viagem para fora do Brasil, o mundo árabe gosta da gente, dar presente não custa nada. Uma das viagens da minha esposa [Michelle Bolsonaro], não sei em que país era, ela saiu de casa com dois mil dólares que eu pude dar para ela, chegou um cara atrás dela numa loja e falou ‘o que a senhora quiser comprar já está pago’. Os caras dão presente”.
Bolsonaro disse que pediu para o advogado peticionar para que presentes retidos sigam para ele e disse que pretende leiloar uma das peças para enviar o dinheiro à Santa Casa de Juiz de Fora, hospital que o atendeu após a facada em 6 de setembro de 2018.
A decisão do TCU também beneficia o presidente Luiz Inácio Lula (PT), que pôde manter um relógio Cartier recebido em 2005.
Módolo avalia que, apesar de a decisão do TCU ter sido mantida no caso de Lula, não é impossível um cenário em que a decisão possa ser revertida para comprometer Bolsonaro.
“Lembrando que eventual regra de prescrição favorece Lula por ter mais de 70 anos de idade e por seus fatos terem ocorrido há mais tempo”, pontua.
No caso de a decisão do TCU ser revertida pelo Judiciário, a prescrição à qual o especialista se refere diz respeito à idade do presidente Lula. Pessoas com mais de 70 anos têm prazo prescricional de crime menor, o que está previsto no Código Penal. Ou seja, mesmo que a decisão fosse revertida, possivelmente não prejudicaria Lula, apenas Bolsonaro.
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Por que Bolsonaro foi indiciado no inquérito das vacinas
Há ainda o inquérito que apura possível adulteração em cartões de vacina, no qual Bolsonaro também já foi indiciado pela Polícia Federal. As defesas dos acusados pelo suposto golpe argumentam que o inquérito da vacina tinha apenas o objetivo de apreender telefones celulares de Bolsonaro e seus assessores para levantar evidências de possíveis outros crimes.
O tenente-coronel Mauro Cid, que também é investigado no caso das vacinas, acabou se tornando delator e a principal aposta da PGR contra o ex-presidente no processo do suposto golpe de Estado.
A Polícia Federal investiga se o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados fraudaram o sistema do Ministério da Saúde para emitir certificados de vacinação contra a Covid-19 com informações falsas. A suposta adulteração teria como objetivo contornar exigências sanitárias internacionais e viabilizar a entrada do ex-presidente em outros países.
De acordo com as apurações, os dados teriam sido inseridos de maneira irregular no ConecteSUS. Para os investigadores, Bolsonaro tinha conhecimento da alteração em seu status vacinal. O ex-presidente nega e tem reafirmado que não se vacinou.
O caso pode ser enquadrado como falsidade ideológica, crime previsto no artigo 299 do Código Penal, com pena de um a cinco anos de prisão. Caso servidores públicos estejam envolvidos, outras infrações podem ser investigadas, incluindo corrupção e manipulação de dados oficiais.
Módolo avalia que o processo das vacinas deve travar. “Haverá foco e concentração do STF no julgamento do suposto golpe. [Nesta fase] apenas definiram que Bolsonaro e os outros [sete] se tornaram réus. A tendência, até pelas declarações dos ministros e pressa colocada no caso, é que o julgamento ocorra ainda neste ano, antes do ano eleitoral, [para confirmar] a retirada de Bolsonaro da disputa [nas eleições de 2026]”, avalia.
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TSE declarou ex-presidente inelegível por oito anos
Além dos indiciamentos da PF em ações penais, Bolsonaro também respondeu a processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o tornaram inelegível até 2030. Por 5 votos a 2, o TSE o declarou, em junho de 2023, inelegível por oito anos, a partir das Eleições de 2022. A decisão reconheceu um suposto abuso de poder político e o uso indevido dos meios de comunicação durante uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em 18 de julho do ano anterior.
Pela decisão, Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, não foi incluído na sanção, pois não houve comprovação de sua responsabilidade na conduta.
Em outubro de 2023, também por 5 votos a 2, o TSE condenou Jair Bolsonaro e desta vez Walter Braga Netto por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência em 7 de setembro de 2022 em Brasília (DF) e no Rio de Janeiro (RJ). A penalização também foi a inelegibilidade de 2022 a 2030.
O Plenário reconheceu por maioria “a prática de conduta vedada a agente público”, com aplicação de multas no valor de R$ 425.640,00 a Bolsonaro e de R$ 212.820,00 a Braga Netto. Ambos negam qualquer conduta irregular.
No caso de Bolsonaro, que foi condenado duas vezes, como a penalidade não é cumulativa, o prazo de inelegibilidade permanece o mesmo.








