Do ponto de vista político e administrativo, o governo federal está disposto a facilitar o processo de transição para o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É o que presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros próximos manifestaram, nesta quinta-feira (3), a membros do Tribunal de Contas da União (TCU) e do gabinete de transição liderado pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).
Nomes da cúpula do governo e caciques do Centrão afirmam que podem até mesmo apoiar a proposta de emenda à Constituição (PEC) que possibilitaria ao governo Lula furar o teto de gastos em 2023 para acomodar no orçamento as promessas da campanha petista, como a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de janeiro.
Estão dispostos a apoiar politicamente o governo de transição o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente nacional do PP; o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, e o presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira. Os três partidos integram a coligação que lançou a candidatura de Bolsonaro à reeleição e, segundo afirmam interlocutores do governo e aliados da base governista no Congresso, farão o possível para colaborar da melhor forma possível.
Pela ótica administrativa, há uma boa vontade do governo em disponibilizar ao gabinete de transição informações, dados e documentos solicitados. É o que sinalizaram Ciro Nogueira e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em reunião no TCU, nesta quinta, com os ministros Bruno Dantas, presidente da Corte, Antonio Anastasia, Jorge Oliveira e Vital do Rêgo.
Além do encontro com os quatro ministros do TCU, Nogueira se reuniu no Palácio do Planalto com o coordenador-geral da transição Geraldo Alckmin; o coordenador técnico e ex-ministro Aloizio Mercadante (PT), e a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann. O ministro-chefe da Secretaria-Geral, Luiz Eduardo Ramos, também esteve no encontro.
As pastas chefiadas por Nogueira e Ramos atuam na interlocução com órgãos e entidades da administração pública federal, o que ajuda a facilitar o processo. A disposição de ambos reafirma o respeito do governo à lei da transição. Regulamentada pelo Decreto 7.221/10, a Lei 10.609/02 garante ao governo eleito a montagem de uma equipe de transição com 50 integrantes e um coordenador pagos pela União, além do acesso a informações dos órgãos públicos federais para o planejamento de ações a serem tomadas após a posse.
Por que a base de Bolsonaro considera apoio político à transição
O apoio político acenado pelo Centrão ao governo de transição é fruto do pragmatismo que norteia das bases às cúpulas de partidos como PL, PP e Republicanos. Segundo interlocutores e parlamentares do bloco político, o objetivo é assegurar algum nível de composição na futura gestão Lula a fim de evitar o isolamento.
Tão logo foi eleito, o presidente eleito e seus interlocutores dialogaram com integrantes do MDB, PSD, PSDB e União Brasil, legendas identificadas com a centro-direita no Congresso, em uma primeira conversa para formar uma base de apoio no Congresso. A fim de evitar o escanteamento político nos próximos quatro anos, integrantes de PL, PP e Republicanos também manifestaram o interesse de que seus caciques componham com a próxima gestão.
O objetivo de uma parcela do Centrão é integrar o governo Lula ainda durante a transição, com direito a cargos no gabinete coordenado por Alckmin, que tem boa interlocução com membros dos partidos que apoiam o governo Bolsonaro. As conversas ainda transcorrem e envolvem o apoio à PEC para furar o teto de gastos.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, conversou com Lula por telefone após a confirmação da vitória do petista e os dois combinaram um encontro presencial na próxima terça-feira (8), segundo afirmou o o deputado federal José Guimarães (PT-CE), vice-líder da minoria na Câmara. "As portas do diálogo estão escancaradas, por conta do que o presidente Lula falou de que precisamos pacificar o país", disse.
Aliado de Bolsonaro, Lira quer ser reeleito presidente em 2023 e sonda o posicionamento de Lula e do PT, que pode abdicar de apresentar um candidato próprio para presidir a Câmara. O presidente eleito e petistas estão abertos ao diálogo, a despeito de resistências internas quanto a um apoio a Lira, em razão da sua vinculação ao atual governo.
Dada a incerteza sobre a reeleição de Lira, outros nomes não são descartados para a presidência da Câmara. Um deles é o do presidente nacional do União Brasil, Luciano Bivar (PE), e o outro é de Marcos Pereira, presidente do Republicanos. A fim de emplacar um aliado, Lula e o PT também não fecharam as portas para o PL. Valdemar Costa Neto conta com isso, pois sabe que nem todos da bancada eleita na Câmara são fiéis a Bolsonaro e que essa parcela de seu partido não descarta uma composição com a gestão petista.
O cientista político e sociólogo André César, analista da Hold Assessoria Legislativa, prevê desafios ao gabinete de transição com o encaixe de partidos da centro-direita, sobretudo diante do apoio e interesses de PL, PP e Republicanos. "O Marcos Pereira é um nome que aparece nas bocas de apostas [para a presidência da Câmara] e o Lira tem a sobrevivência dele na recondução. São várias frentes e vários interesses que se somam e complicam, porque ainda não sabemos qual será o grau real de cooperação que o governo eleito vai receber", pondera.
Os desafios do processo transitório e como TCU tenta mitigá-los
A despeito do compromisso com a transição acenado pelo próprio Bolsonaro a Alckmin, com quem o presidente se encontrou na tarde desta quinta, o processo pode não ser o mais célere possível. O núcleo duro do governo está rachado e, à exceção de ministros do núcleo político e de outros ministérios onde os partidos do Centrão têm maior influência, outra parcela está disposta a dificultar "ao máximo" a transmissão de dados e informações.
A resistência encontra-se sobretudo entre assessores comissionados e mesmo alguns concursados mais identificados com a atual gestão, segundo afirmam interlocutores do governo à Gazeta do Povo. Essas fontes citam a transição em 2018 e afirmam que, embora os ministros e secretários do ex-presidente Michel Temer (MDB) tenham atuado para facilitar o repasse de informações ao gabinete de transição de Bolsonaro, técnicos da máquina pública à época teriam atuado sem o mesmo empenho a fim de retardar os trabalhos.
Por lei, o governo federal será obrigado a repassar os dados, informações e documentos ao gabinete de transição de Lula. Mas por retaliação ao presidente eleito e ao PT, há técnicos dispostos em desempenhar a mesma alegada má vontade de quatro anos atrás. Ou seja, embora Nogueira e demais ministros deliberem a seus secretários ordens para o repasse de dados, a velocidade do cumprimento dessas ordens nas "bases" dos ministérios pode ficar aquém do pretendido pelos petistas.
"Haverá transição, mas não na velocidade que o PT quer", diz um interlocutor. "Muitos estão sem boa vontade para nada. Todos os escalões abaixo do presidente [Bolsonaro] que têm fidelidade a ele com certeza não vão ajudar mesmo", endossa uma segunda fonte do governo.
A fim de mitigar os impactos administrativos para a transição, o TCU instituiu um comitê de ministros para acompanhar a transição governamental. Em entrevista à CNN, o presidente da Corte, ministro Bruno Dantas, afirmou que haverá um sistema informatizado e compartilhado do governo federal com a equipe de transição de Lula, pelo qual as informações deverão circular e que até mesmo o TCU poderá ter uma senha para monitorar o fluxo.
O ministro também destacou que Nogueira e Paulo Guedes mostraram "total espírito colaborativo" na reunião com o comitê do TCU. "Disseram que deixarão tudo documentado, tanto os pedidos da equipe do novo governo quanto as respostas. Também disseram que todos os bancos de dados serão abertos", disse Dantas.
O ministro Antonio Anastasia, relator do comitê, reforçou à imprensa nesta quinta que há uma "grande receptividade" por parte da equipe de Bolsonaro em fornecer informações. "E eu acredito que assim vai ocorrer de maneira serena e tranquila", declarou. "A transição se baseia fundamentalmente em trocas de informações. Qual que é o acompanhamento que nós vamos fazer, é seguir, zelar para que as informações fluam de maneira oportuna, no tempo adequado, e que sejam de fato aquelas que foram solicitadas", acrescentou.
O deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), vice-líder do partido na Câmara, não acredita em dificuldades no processo de transição e prevê um processo "pacífico". "O governo vai dar uma demonstração de elegância, transparência e eficiência, até porque o corpo técnico foi muito marcante na gestão do Bolsonaro, e o técnico não tem porque ter esse ranço político", analisa.
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