Prédio do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília: eventual contestação do resultado das urnas deve ser feita no TSE.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O apelo dos manifestantes que se concentram pertos de quartéis para que as Forças Armadas façam uma “intervenção federal” e impeçam a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não encontra respaldo na Constituição. Tampouco é o caminho legal para se contestar uma eleição. Para esse fim, o texto constitucional e a própria legislação eleitoral preveem meios apropriados de impugnação junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), única instituição com poder de rever uma votação.

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No último dia 30, ao proclamar o resultado da eleição, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, foi indagado sobre a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro (PL) questionar o resultado da disputa. O ministro informou que havia ligado para Lula e Bolsonaro, e que não vislumbrava nenhum risco de contestações. Mas disse que, caso houvesse, elas seriam “analisadas normalmente”. “Isso faz parte do Estado de Direito”, afirmou.

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Para entender qual o caminho para questionar o resultado de uma eleição presidencial, a Gazeta do Povo consultou a legislação com a ajuda de especialistas. Eles consideram duvidosa a possibilidade de usar o relatório das Forças Armadas, com o resultado da fiscalização que os militares fizeram no sistema de votação eletrônica, e que será enviado ao TSE nesta quarta-feira (9) – o teor do documento ainda não foi divulgado. Além disso, consideram difícil eventual êxito de uma impugnação com base na alegação de fraude nas urnas eletrônicas.

O instrumento processual cabível para uma acusação de vício proposital no funcionamento das urnas eletrônicas, para supostamente favorecer Lula, seria uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, conhecida como “Aime”. Ela está prevista no artigo 14, parágrafo 10, da Constituição e serve para cassar o mandato de algum político que tenha sido eleito com “abuso do poder econômico, corrupção ou fraude” na eleição.

A Aime é o instrumento adequado justamente por prever a contestação do resultado em razão de uma suposta “fraude” eleitoral. Esse tipo de ação só pode ser ajuizada no TSE até 15 dias após a diplomação do presidente eleito – que ocorrerá, neste ano, até o dia 19 de dezembro. Além disso, já deve ser apresentada com as provas da acusação.

Ela tramita em sigilo no TSE, sob a condução do corregedor-nacional da Justiça Eleitoral – atualmente, o ministro Benedito Gonçalves, oriundo do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não há um prazo fixo de tramitação, mas estima-se que pode durar de um a três anos, com base em casos passados.

O entendimento que prevalece no TSE é que essa ação tem de ser apresentada com provas mais robustas da fraude. A própria Constituição alerta que, se a Aime for ajuizada de forma “temerária” ou com “manifesta má-fé”, o autor pode ser responsabilizado por crime eleitoral, com pena de detenção de 6 meses a 2 anos, além de inelegibilidade pela Lei da Ficha Limpa.

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Quais são os obstáculos para contestar o resultado da eleição

Para o ex-juiz e advogado eleitoral Adriano Soares da Costa, o principal obstáculo para ingressar com ações do tipo, para contestar o resultado das urnas, reside na dificuldade para comprovar uma ação voluntária e intencional para desviar votos em favor de um candidato, por meio de um programa malicioso instalado nas urnas eletrônicas, por exemplo. “Não pode só alegar uma suspeita, com base num suposto mau funcionamento da urna”, diz.

Para o advogado, o sistema eletrônico de votação foi um grande avanço no processo eleitoral por praticamente eliminar fraudes físicas que ocorriam com votos em cédulas depositadas em urnas de lona. Mas, por outro lado, ele avalia que é quase impossível para uma entidade externa ao TSE fazer uma auditagem profunda e abrangente, seja antes da eleição, nos programas que rodam nas urnas, seja depois, nos arquivos liberados pelo tribunal após a votação. “Tudo é feito pelo TSE, mediante controles. Nunca houve testes abertos e plenos das urnas.”

O TSE sempre refutou essas críticas, alegando que todos os procedimentos de auditoria do sistema podem ser acompanhados por cientistas de universidades convidadas, peritos da Polícia Federal, técnicos de partidos, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU), membros do Ministério Público e representantes do Congresso, OAB e outras instituições.

Ainda assim, críticos do sistema dizem que nem todos se interessam em examinar as tecnologias a fundo e outros dizem que há muitas limitações para isso – seja porque o código-fonte não é disponibilizado de forma pública e permanente, ou porque “hackers” convidados para atacar o sistema e apontar vulnerabilidades também dizem enfrentar várias limitações no Teste Público de Segurança (TPS), realizado em anos anteriores aos das eleições.

No ano passado, as Forças Armadas também passaram a participar da fiscalização, a convite do próprio TSE. O objetivo do então presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, era que os militares também chancelassem a integridade do sistema. Mas, desde então, eles passaram a fazer vários questionamentos e sugerir melhorias – algumas foram aceitas, outras não.

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Reações duras do TSE a questionamentos indicam rumo de uma Aime

Nesta quarta-feira, a Defesa entregará ao TSE um relatório com o resultado de sua fiscalização. Embora o teor ainda seja desconhecido, a tendência é que o documento não aponte uma fraude no código-fonte ou no funcionamento normal das urnas, mas indique mais sugestões de melhorias pontuais ao processo eleitoral – principalmente ligadas à auditoria que o próprio TSE realiza no sistema.

Um dos exemplos de sugestões pode ser em relação ao teste de integridade das urnas eletrônicas, no qual equipamentos são retirados da eleição, no dia da votação, para registrarem votos previamente preparados que também são inscritos em cédulas de papel, de modo que os dois resultados sejam comparados no final.

Neste ano, por sugestão da Defesa, o TSE fez um projeto-piloto para aprimorar esse teste: em 58 urnas em 19 estados e no Distrito Federal, as máquinas foram ativadas pela biometria de eleitores reais dentro ou perto dos locais de votação – normalmente, elas são levadas para os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para serem testadas.

O objetivo dos militares foi aproximar o teste ao máximo possível de uma votação real, de modo a evitar que as urnas reconhecessem que estavam sendo testadas e se comportassem de maneira diferente, para burlar a verificação.

Após o primeiro turno, Moraes anunciou que o teste de integridade, tanto no modelo tradicional, quanto no proposto pelas Forças Armadas, não detectou falhas no funcionamento. Mas militares avaliaram que poucos eleitores voluntários foram chamados a participar. Uma quantidade maior aproximaria ainda mais o teste de uma eleição real. De qualquer modo, sugestões como essa não necessariamente seriam capazes de provar uma fraude.

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Além da fiscalização das Forças Armadas, o PL, partido de Bolsonaro, também fez uma auditoria no TSE neste ano. Mas esse trabalho não verificou dados de uma eleição real; somente procedimentos, normas e tecnologias usadas na Corte ligadas à segurança da informação.

Em setembro, na semana anterior ao primeiro turno, parlamentares do PL divulgaram um resumo do trabalho, com conclusões negativas, que apontavam riscos de invasão do sistema e manipulação de votos, por exemplo. Moraes, no entanto, considerou as afirmações mentirosas e mandou investigar os responsáveis pelo trabalho dentro do partido.

Também em razão de reações duras como essa, a impugnação do resultado, com base em acusações de fraude nas urnas, é considerada inviável. “Como produz prova? Não tem meios. O sistema juridicamente é insuscetível de questionamentos, ainda mais que quando se fala qualquer coisa, isso é considerado um ato antidemocrático”, critica Adriano Soares da Costa.

Aije é outro tipo de ação que pode contestar a eleição

Ex-ministro do TSE, o advogado Henrique Neves diz que outra possibilidade de contestar o resultado da eleição presidencial no TSE é por meio da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), que serve para apontar abuso de poder político, econômico ou uso indevido dos meios de comunicação na campanha. Ela deve ser ajuizada até a data da diplomação, mas não serve exatamente para apontar fraude na eleição.

“Se for só questão de urna, o mais correto seria na Aime. Mas se falassem que tem uma grande conspiração do mundo político, das TV e rádios contra o candidato, poderia se falar em abuso de poder e uso indevido dos meios. Depende do universo paralelo que a pessoa acredita”, provoca o ex-ministro.

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Para eventualmente cassar o mandato de um presidente eleito, tanto uma Aime quanto uma Aije devem ser protocoladas no TSE por um candidato, partido ou coligação que disputou a eleição presidencial. Durante a campanha, Bolsonaro apresentou algumas Aijes para cassar o mandato de Lula, a principal delas acusando o deputado federal André Janones (Avante-MG) de propagar notícias falsas contra sua candidatura. As ações ainda estão em fase inicial, sem coleta de provas. Ainda não se sabe se Bolsonaro também pretende ajuizar uma Aime para contestar o resultado das urnas.

Nos dois tipos de processo, há direito ao contraditório e produção de mais provas. A decisão final cabe aos sete ministros do TSE ao final do processo. Se uma eventual condenação ocorrer nos dois primeiros anos do mandato, é convocada uma nova eleição geral – não seria empossado o segundo colocado na eleição. Se a condenação ocorresse na segunda metade do mandato, caberia ao Congresso escolher o novo presidente da República.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]