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Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tem dado mais ênfase na vacinação contra a Covid-19 do que o antecessor.
Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tem dado mais ênfase na vacinação contra a Covid-19 do que o antecessor.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Depois de atingir picos de 985 mil (30 de março) e 920 mil (26 de março) doses aplicadas, a campanha de vacinação contra Covid-19 vem desacelerando, segundo números oficiais do painel de vacinação do Ministério das Saúde. Nas últimas semanas, as dificuldades de se ampliar a imunização de brasileiros se mostraram mais concretas que os bons números daquele momento.

O ritmo de vacinação despencou vertiginosamente. Hoje, a média de doses aplicadas nos últimos sete dias não passa de 400 mil, embora o país tenha uma estrutura pré-montada com capacidade de aplicar 2,4 milhões de vacinas por dia, segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Os números da vacinação contra Covid-19

Desde o início da campanha de imunização no Brasil, em 19 de janeiro deste ano, já foram vacinadas aproximadamente 32,8 milhões de pessoas, cerca de 14,8% da população do país, segundo dados do Ministério da Saúde. Deste total, aproximadamente 8 milhões de brasileiros já receberam a segunda dose, necessária para a imunização completa contra a Covid-19.

A chamada fase 1 contempla os grupos prioritários, formado por aproximadamente 77,3 milhões de pessoas. Ou seja, em quase 3 meses foi atingido pouco mais de 40% desse público-alvo, que só deve ser completamente imunizado no segundo semestre.

Mas o que falta para o Brasil acelerar o ritmo e iniciar, de fato, uma vacinação contra Covid-19 em massa da população?

A escassez de imunizantes pelo mundo é apontada como o principal entrave, mas não o único responsável pela vagarosa campanha. Erros logísticos, atraso para o início das negociações com os laboratórios e desentendimentos diplomáticos dificultaram um bem sucedido processo de imunização amplo no Brasil.

Especialistas divergem sobre o ritmo da vacinação e apontam ainda outros fatores que têm dificultado a ampliação desses números por aqui.

1) Atraso na negociação para compra de vacinas

Para o médico epidemiologista José Cássio de Moraes, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e ex-diretor do Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo, o Brasil entrou atrasado na “corrida” pela vacina por uma questão política.

“A Pfizer ofereceu a vacina e teve todo o discurso por parte do governo federal de que ela não estava liberada pela Anvisa, além da reclamação de que o contrato possuía cláusulas leoninas. E agora o governo assinou esse mesmo contrato com a Pfizer, como todos os outros países assinaram o mesmo contrato, que foi recusado meses atrás”, observa Moraes, que é um dos responsáveis pelo planejamento das principais campanhas de vacinação no país.

Segundo ele, o Brasil está atrasado por uma questão política, porque se acreditou que a vacina não era importante. "Essa busca efetiva só aconteceu no final do ano. E aí quem chega atrasado tem que brigar mais”, explicou o especialista. Em dezembro, Bolsonaro chegou a afirmar que os laboratórios é que deveriam correr atrás do Brasil e não o contrário.

O especialista reforça ainda que o país possui uma estrutura pronta para ampliar de forma significativa o processo de imunização com a aplicação de até 80 milhões de doses em poucos dias. Essa sustentação, segundo ele, é fruto de campanhas realizadas rotineiramente por aqui.

“Há mais de 20 anos a gente faz a vacinação da influenza e não temos esse tipo de problema. Ano passado vacinamos quase 80 milhões de pessoas. Todos os anos vacinamos esse quantitativo em dois meses, dois meses e meio, por aí. Com o número de 38 mil salas de vacina que temos hoje no Brasil, se cada sala de vacina aplicar 50 doses, que é um valor bastante baixo, conseguiríamos aplicar cerca de 2 milhões de dose dia, usando essa estrutura que temos atualmente, sem precisar de um investimento extra”, diz.

Esta ampla capacidade estrutural do Brasil para ampliar a vacinação também foi reforçada pelo próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante entrevista coletiva da pasta na última terça-feira (13). “A capacidade vacinal do Programa Nacional de Imunizações (PNI) é de 2,4 milhões de doses por dia, isso sem contar estratégias adicionais. A gente até poderia prolongar o horário de funcionamento das salas de vacinação. Por que não fazemos isso? Porque não temos vacinas suficientes", frisou.

Opinião mais otimista tem o médico infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Para ele, o grande obstáculo para a aceleração da imunização no Brasil é unicamente a indisponibilidade de vacinas. Outras dificuldades de fato existem, mas, segundo ele, não seriam impeditivos para uma bem sucedida campanha de vacinação contra Covid-19.

Segundo ele, enfrentando campanhas como essas, há dificuldade, às vezes, de registro, de avaliação, de estudos de impacto, algumas dificuldades logísticas. "Mas isso não é o que impede ou determina um avanço maior ou menor da imunização. Acredito que a imunização em massa não anda no Brasil simplesmente por causa da falta de vacina. Não vejo outra causa ou motivo para termos dificuldades”, diz.

Kfouri concorda que faltou planejamento e o Brasil entrou atrasado na disputa pelos imunizantes no mercado internacional e isso tem dificultado o recebimento de novos lotes do produto.

“Não arriscamos nas vacinas candidatas e assim que elas foram licenciadas, acabaram distribuídas para aqueles países que investiram mais, que arriscaram mais. Então quem tem vacina hoje é porque apostou, arriscou, investiu e atualmente está usufruindo dessa condição. Estrutura (para vacinação em massa) nós já temos. O que falta é vacina, nada mais além disso”, afirma.

2) Descentralização e politização

Outro problema apontado para a lentidão é a descentralização dos processos de vacinação no Brasil. Com a autonomia de estados e municípios, cada região define seus próprios públicos prioritários, mesmo com um Plano Nacional de Imunização bem específico. “Está ocorrendo uma falta de um consenso para o uso e aplicação dessa vacina”, explica José Cássio de Moraes.

As prioridades são alteradas a cada momento, com localidades vacinando públicos específicos de acordo com critérios próprios, gerando um descompasso na articulação da imunização. “Geralmente essas campanhas são discutidas consensualmente, entre as três esferas.”, diz.

De acordo com o médico, essa politização da campanha de imunização, que surgiu em virtude de atritos entre o governo federal e o estado de São Paulo, nunca ocorreu, desde a criação do Programa Nacional de Saúde em 1973. “Nunca chegou perto dessa magnitude”, diz o especialista, que reforça. “Na verdade, o Brasil só começou a vacinar por uma briga política, do contrário estaríamos numa situação pior ainda.”

3) Falhas de comunicação

Buracos no processo de comunicação do poder público com a população também são apontados como um fator que atrapalha o processo de imunização em massa no país. Exemplo recente disso é de que 1,5 milhão de brasileiros que deveriam receber a segunda dose da vacina contra a Covid-19 no Brasil simplesmente não apareceram, colocando em risco parte do processo e atrapalhando o andamento da campanha.

“A comunicação nem dá para classificar como péssima, porque é ausente em nível federal, estadual e municipal. As pessoas têm dificuldade em ficar sabendo qual é a faixa etária que vai ser alvo da campanha em determinada cidade, porque os municípios não estão no mesmo ritmo e adotando os mesmos critérios. Tem cidade que já está vacinando a faixa etária de 65, outras 67, outras 70, etc. A população fica meio desnorteada com relação ao grupo etário. Não há uma notificação oficial”, critica Moraes.

4) Ruídos na diplomacia

Nos últimos meses o Brasil teve embates importantes com Índia e China, dois grandes fornecedores mundiais de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA), essencial para a produção da vacina contra a Covid-19. A troca de farpas entre a diplomacia brasileira, então comandada por Ernesto Araújo e a China tornou-se pública, a ponto de os asiáticos exigirem “a cabeça” do chanceler brasileiro para liberar os insumos ao Brasil.

No caso da Índia, a posição brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC), contrária à quebra de patentes para vacinas contra a Covid-19, desagradou os indianos que, desde então, passaram a priorizar outros parceiros para o fornecimento dos imunizantes.

“Está se juntando uma tempestade perfeita. Dificuldade em se chegar vacinas, por demanda e problemas diplomáticos, e uma falta de um acordo para que as pessoas sejam vacinadas de maneira igual nas diferentes partes do país. Todas essas questões fazem com que o processo seja lento”, lamenta Moraes.

Produção local de insumos ajudaria vacinação contra Covid-19

Tanto o Instituto Butantan quanto a Fiocruz anunciaram, recentemente, projetos para ampliação de suas unidades de produção de vacinas, gerando enorme expectativa de que, no segundo semestre, o Brasil possa produzir imunizantes 100% nacionais, sem a dependência de insumos vindos de outros países o que, em tese, aceleraria a campanha de vacinação contra Covid-19.

As primeiras doses de vacinas produzidas com Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) nacional, fabricado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), devem ser entregues ao Ministério da Saúde a partir de setembro, segundo previsão do diretor de Bio-Manguinhos, Maurício Zuma.

“A produção de um lote demora pelo menos 45 dias. Depois tem todo o processo de controle de qualidade e caracterização. Nós vamos ter que produzir alguns lotes, para que tenha validação. Acreditamos que setembro e outubro a gente possa receber essa autorização da Anvisa e liberar doses para o Ministério da Saúde.”

O Ministério da Saúde afirma também que tem reforçado o diálogo com países produtores de vacinas e de IFA, a fim de reforçar o PNI até que o Brasil seja autossuficiente na produção desses insumos. A pasta informa que tanto o Instituto Butantan quanto a Fiocruz têm capacidade de produzir 1 milhão de imunizantes por dia, o que garantiria 60 milhões de doses ao programa por mês.

Para o médico José Cássio de Moraes a medida é positiva, mas só deve ser efetiva a partir do próximo ano. “Eu tenho sérias dúvidas de que teremos uma escala industrial de produção de qualquer vacina contra a Covid-19 no Brasil ainda esse ano. Você pode ter uma produção de lotes, etc, que precisam ser testados. Produção industrial eu não acredito”, lamenta.

Neste ponto, o diretor da SBIm também se mostra mais confiante com uma eventual aceleração no processo de vacinação após a conclusão das obras.

“O cronograma de transferência de tecnologia prevê, para o segundo semestre, a conclusão dessa fase e a produção de vacinas 100% nacionais. Então a médio e longo prazo temos uma perspectiva de programas de vacinação bem mais sólidos no sentido de não dependência internacional. Eu acho que esse cronograma vai ser cumprido”, conclui.

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