A discussão do voto impresso auditável está encerrada na Câmara e, apesar de existir a possibilidade de debate no Senado, são remotas as chances de a pauta prosperar. Senadores entusiastas da auditagem do voto pelo registro impresso até calculam como dar uma sobrevida à ideia, mas esbarram na resistência do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado a proposta de emenda à Constituição (PEC) 113/2015, projeto aprovado na Câmara que prevê em sua redação uma reforma eleitoral e, inclusive, a impressão do voto para fins de auditagem. O texto é citado por deputados governistas que tentam manter vivo o debate.
A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), autora da PEC derrotada na Câmara, procurou o relator da PEC 113/15 no Senado, Marcos Rogério (DEM-RO), para discutir a tramitação. O discurso do parlamentar era o de apresentar seu parecer até a próxima semana. Contudo, o discurso mudou nos últimos dias.
"A PEC está no Senado. Agora, com o pronunciamento na Câmara [que rejeitou o voto impresso], eu acho que o assunto fica um pouco comprometido, porque se a Câmara aprovou esse tema lá atrás, agora ela deu novo veredito. Desta vez, contra o voto impresso", pondera Rogério, que é líder do DEM. "Acho que o Senado, neste momento, talvez não esteja pronto para avançar", complementa.
O senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), segundo-vice-líder do partido, afirma que mantém conversas com Marcos Rogério na tentativa de discutir uma forma de viabilizar a tramitação da matéria e evita tratar a pauta como encerrada. "Estamos trabalhando nisso", diz.
Quais as dificuldades em avançar com o voto impresso no Senado
A obstrução de Rodrigo Pacheco ao voto impresso é o principal entrave para que o senador Marcos Rogério apresente seu parecer e busque, assim, dar prosseguimento à discussão. No último dia 11, o presidente do Senado demonstrou clara oposição ao debate.
"Considero que esse pronunciamento da Câmara a respeito desse tema torna definitiva e resolvida esta questão, não cabendo ao Senado qualquer tipo de deliberação ou de tramitação de uma matéria com o mesmo objeto", disse Pacheco.
O tom adotado pelo presidente do Congresso não intimida os defensores do voto impresso auditável no Senado, mas é um discurso que tem o respaldo de lideranças da Casa, a exemplo do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Nos bastidores, é dito que o ex-presidente do Senado se mostra pouco afeito à discussão da PEC 113/15.
"Caso haja a consciência dos líderes e a decisão do presidente do Senado em apresentar essa matéria, o meu voto vai ser apresentado no sentido de ser favorável ao voto auditável", afirma Marcos Rogério, que também é vice-líder do governo no Congresso.
O líder do PSDB, Izalci Lucas (DF), é um dos que discorda continuar a discussão do voto impresso no Senado. "Foi derrotada na Câmara de uma forma acachapante. Se tivesse sido derrotada faltando poucos votos... mas quase que empatou [foram 229 votos favoráveis e 218 contrários de um mínimo de 308 a favor]. Não tem sentido", pondera.
Como o voto impresso poderia prosperar e quais as dificuldades
Uma das opções analisada nos bastidores por governistas é o de avançar a discussão com a proposta de implementação do voto impresso para as eleições municipais de 2024. Na PEC do voto impresso auditável rejeitada pela Câmara, esse foi o prazo sugerido pelo MDB, que detém a maior bancada no Senado.
Ainda assim, com o debate ainda tensionado entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), poucos senadores defendem a tramitação da PEC 113. Nos últimos dias, Bolsonaro sugeriu que o TSE interferiu em um inquérito policialque apurou uma invasão hacker em 2018 e Barroso manteve o discurso de que o voto impresso traria riscos de fraude.
O senador Izalci Lucas reforça a leitura de que é improvável o debate prosperar. Na última legislatura, quando era deputado federal, ele até conduziu uma discussão na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, onde discutiu o voto impresso como instrumento de ampliar as etapas existentes de auditagem do TSE. Mas, após o sepultamento da pauta na Câmara, ele mantém a postura contrária.
"Qualquer aperfeiçoamento de segurança é válido, o próprio TSE tem que melhorar isso, a evolução tecnológica muda todo dia, toda hora. Não posso dizer que houve fraude, mas sim que, quanto mais proteção e garantia, melhor. Mas não é através de uma votação que foi rejeitada na Câmara que discutiremos isso. Não este ano", avalia o líder do PSDB. "E implantar um negócio desse leva tempo, não dá para fazer isso para as próximas eleições [de 2022]", acrescenta.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) é outro que, enquanto deputado federal na última legislatura, defendeu o voto impresso. E também vê com dificuldades as chances de a discussão avançar no Senado, embora não crave uma leitura sobre o clima no Senado. "Acho difícil prosperar, mas não sei. Tenho minha posição, mas não sei [se a PEC 113 tramita ou não]", analisa.
O senador do PP é um entusiasta da pauta e foi favorável à derrubada do veto da ex-presidente Dilma Rousseff ao voto impresso auditável aprovado pelo Congresso, em 2015. E defende que qualquer debate seja feito sob o discurso da auditabilidade, não de fraude. "Não falo em fraude. O que falta é o aperfeiçoamento da urna eletrônica de modo que nós tenhamos o registro impresso do voto para auditagem", sustenta Amin.
CPI, eleições: quais outros obstáculos e como pautar o voto impresso
O clima político desfavorável ao debate do voto impresso auditável não é o única entrave. A CPI da Covid e a proximidade com as eleições criam obstáculos adicionais ao debate, avalia o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).
"Estão antecipando o calendário de 2022 [pela CPI]. Ela tem tomado o espaço todo da Casa, não se debate outras coisas. As energias estão sendo despendidas muito nessa CPI e ela, por si só, por ser politiqueira, é muito contaminada e irradia para alguns partidos", critica o vice-líder do Podemos.
Girão acredita que o uso político e eleitoral da CPI é deliberado e se aprofundou nas últimas semanas, de forma a interpretar que o colegiado antecipa não apenas a eleição para a Presidência da República, mas também para os governos estaduais. O senador destaca, contudo, que acredita ser possível discutir o voto impresso.
"Vai depender muito da mobilização popular. O presidente [Rodrigo Pacheco] deu declaração dizendo que não tem clima, mas o clima muda. Se tem uma coisa que o político respeita é um povo organizado que sabe se manifestar, seja por redes sociais ou nas ruas. Eu não tenho a menor dúvida", defende Girão.
O placar apertado na Câmara sugere para Girão que o voto impresso é uma pauta que merece uma discussão técnica e despolitizada no Senado. Mas reforça que tudo dependerá da reação popular. "Se tivermos uma mobilização popular que sensibilize a Casa, a gente tem chance de aprofundar e deliberar. Como depende do presidente da Casa e da CCJ autorizar [a discussão], então, a população, de forma sempre respeitosa e pacífica, precisa se manifestar. E a gente, aqui, falar, tentar sensibilizar", insiste o senador.
O que diz a PEC no Senado
Com uma redação prevendo o voto impresso dentro de uma reforma eleitoral, é natural que a PEC 113/15 tenha uma redação vasta. Em síntese, a proposta altera a forma de financiamento das campanhas eleitorais, proíbe a reeleição de chefes do poder Executivo, altera a forma de acesso dos partidos ao fundo partidário, reduz a idade para cargos eletivos, reduz exigência para apresentação de projetos de lei de iniciativa popular, entre outros pontos.
Quanto ao voto impresso, a proposta propõe uma redação semelhante ao texto original da PEC rejeitada pela Câmara. "No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada votação, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado".
A PEC 113 ainda deixa claro que o processo de votação só é concluído no momento em que o eleitor confirme a "correspondência entre o teor do registro de seu voto, após impresso e exibido pela urna eletrônica, e o voto que efetuou".
A redação deixa claro que é "garantido o total sigilo do voto". O texto exclui a proposta do substitutivo da PEC do voto impresso da Câmara, que defendia a apuração pública e manual de 100% das cédulas impressas.
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