(Tóquio – Japão, 24/10/2019) Partida de Tóquio para Pequim.rFoto: José Dias/PR| Foto:

Depois da passagem pelo Japão, o presidente Jair Bolsonaro chegou a Pequim, na China, nesta quinta-feira. Ao ser questionado por jornalistas, disse que o Brasil não vai se envolver na guerra comercial entre China e Estados Unidos porque “não é briga nossa”. Ao chegar ao hotel, Bolsonaro foi questionado sobre o encontro com o presidente chinês Xi Jiping, secretário-geral do Partido Comunista. E respondeu: “Estou num país capitalista”. No início de outubro a China comemorou 70 anos da revolução comunista. Na visita, o presidente busca ampliar as relações comerciais entre os países.

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Vale separar a análise do que disse o presidente em duas partes, uma sobre o mérito da questão, e outra sobre o intuito dele. A China é dominada pelo PCC há sete décadas. Era um regime totalmente socialista, e isso espalhou apenas miséria e opressão. Desde a década de 1980 o pragmatismo falou mais alto, com Deng Xioping ("não importa a cor do gato desde que ele pegue o rato"). Ali a China mergulhou na globalização, numa economia mais de mercado, permitindo o lucro, a propriedade privada, e ela deslanchou. A miséria foi drasticamente reduzida; a opressão continuou, pois é uma ditadura.

Ainda é uma economia muito dominada pelo estado, que controla empresas, manipula preços importantes como juros e câmbio. É, também, uma economia "pirata", ou seja, não respeita as mesmas regras de direitos e patentes que os países ocidentais seguem. Mas uma coisa é certa: esse maior pragmatismo, esse aceno ao capitalismo, foi o responsável pelo salto de produtividade, que permitiu crescimento elevado e tirou dezenas de milhões da miséria.

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Não obstante, a China não é uma economia de mercado. É um país misto, com pitadas capitalistas, mas controle estatal ainda enorme. Um típico "capitalismo de estado". Ou seja, o presidente não está errado, pois a China não é mais um país socialista, do ponto de vista econômico. Não é como a Venezuela, por exemplo. Tampouco é um país com capitalismo liberal, claro.

O outro aspecto é o afastamento de Bolsonaro na guerra comercial entre China e Estados Unidos. É a postura correta. O Brasil precisa colocar seus próprios interesses acima disso. Havia uma ligação ideológica com Trump, com a qual eu até concordo. Mas a diplomacia precisa ser fria, neutra, pragmática. O nosso agronegócio e outros setores exportadores têm muito a ganhar com a parceria comercial com os chineses. E isso precisa ser levado em conta. O presidente foi, portanto, diplomático, pragmático, e está certo.

Há um terceiro ponto, porém, que não pode ficar de fora da análise: a reação que essa declaração pode gerar na ala ideológica do bolsonarismo. Não custa lembrar como os bolsolavistas reagiram quando deputados do PSL foram visitar a China e teceram elogios. Eles foram massacrados como idiotas úteis, ingênuos, comunistas. Bernardo Santoro chamou a atenção para essa dissonância cognitiva agora que é Bolsonaro quem faz o mesmo:

Uma das coisas que eu mais gosto no Presidente Bolsonaro é que ele está sempre testando o "bovinismo" dos seus seguidores ao limite.

Essa frase de hoje, por exemplo, é maravilhosa. No ano passado, alguns deputados do PSL foram à China para ver alguns dos avanços chineses na área de tecnologia. Olavo de Carvalho surtou, chamando os deputados de analfabetos políticos e os criticando severamente.

Diga-se de passagem, alguns dos deputados que hoje se mostram mais fiéis ao Presidente estavam naquela viagem, como Carla Zambelli, Bibo Nunes e Daniel Silveira.

Daniel Silveira, inclusive, foi tratorado pela máquina bolsolavista por ter dito que a China seria um caso de "socialismo light".

Aliás, quem não lembra do meme "Partido do Socialismo Light"?

Agora vemos o próprio Presidente Bolsonaro chamando a China de "país capitalista", em um movimento bem mais ousado do que o do dep. Daniel Silveira.

Vou ficar aqui de boas esperando Olavo de Carvalho e sua militância bolsolavista chamarem o próprio Presidente Bolsonaro de "analfabeto político", dentre outros impropérios impublicáveis absurdamente ditos aos deputados na época.

Devo esperar sentado?

Deve, claro. Cobrar coerência dessa turma é demais da conta. A lealdade deles não é à lógica, aos princípios ou à coerência, e sim ao bolsonarismo. Se eu digo que a China é capitalista, isso prova minha estupidez; se Bolsonaro diz que a China é capitalista, isso é tática inteligente de quem joga xadrez 4D. Ou seja, o que é dito nunca é o mais importante para essa turma, mas sim quem o diz.

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